A contribuição do cultivo do Açaí Juçara para a nutrição e preservação ambiental no Sul do país
O cultivo do açaí da juçara no sul do país está combatendo o extrativismo predatório do palmito e contribuindo para a preservação ambiental.
O açaí da palmeira juçara, que é uma planta típica da Mata Atlântica, tem sido utilizado para a diversificação da produção e a geração de renda no litoral norte gaúcho e sul catarinense. A partir dos sistemas agroflorestais (SAFs) em consórcio principalmente com as bananeiras, principal fonte econômica da agricultura familiar na região, o cultivo da juçara também está combatendo o extrativismo predatório do palmito e contribuindo para a preservação ambiental. Essa é mais uma experiência identificada pela Agroecologia nos Municípios, iniciativa realizada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Tudo começou quando a ONG Centro Ecológico passou a assessorar as/os agricultoras/es, em 1991. As famílias organizadas pela Liga Pastoral da Igreja passaram a ter suporte técnico e a discutir a agroecologia na região. Muitos cursos e capacitações sobre agricultura ecológica foram realizados até chegar na abrangência e estrutura atual.
Hoje, mais de 70 famílias estão envolvidas na cadeia de produção da juçara, e são colhidas e processadas cerca de 25 toneladas de frutas por ano, o que gera em torno de 12 toneladas em polpa. São mais de 100 hectares de SAFs e extrativismo sustentável registrados como áreas certificadas para colheita e manejo. A comercialização é feita em 100 pontos de venda nas regiões de Porto Alegre e no leste de Santa Catarina, além da venda para a alimentação escolar, que abrange 35 escolas de sete municípios. Com a comercialização para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) foi possível substituir, em muitos colégios, o achocolatado industrializado pelo suco de açaí, que possui valor nutricional muito superior.
No intuito de retirar o uso de agrotóxicos e diversificar a produção, a ideia foi introduzida nos anos 2000 pelo agrônomo Jorge Vivan por meio do seu contato com a estudante Joana Mac Fadden, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que estava pesquisando a introdução do açaí no sul do país. O conhecimento transmitido pela agricultora paraense Dona Edith Pessete nesse trabalho científico permitiu o desenvolvimento do açaí da palmeira juçara, que é carinhosamente chamada pelas famílias de “ripeira”, pois sempre foi cortada para a extração do palmito.
Para o gestor ambiental Cristiano Motter, que trabalha no Centro Ecológico, “a palmeira juçara sempre foi uma espécie muito importante no sistema agroflorestal, porque é a rainha da Mata Atlântica, assim como a araucária é na serra gaúcha”. Em 2001, acrescentou, a agroindústria começou a processar e levar esses frutos para a merenda escolar e feiras, tornando-se um produto importante dentro do mercado.
“Nesse processo, legalizamos a palmeira e espécies nativas no sistema agroflorestal. Começamos com o Sistema de Floresta Plantada, para poder colher essas frutas com algum amparo legal, mas aprofundamos o debate e chegamos à Certificação Agroflorestal e de Extrativismo. Em paralelo a esse trabalho técnico, social e econômico com essas famílias dos SAFs, também fomos discutindo a legalidade do trabalho baseada nas leis estaduais e federais. As agroindústrias compram o fruto, transformam em açaí juçara e colocam no mercado. Nesse meio tempo, as famílias e os volumes de produção e comercialização foram aumentando”, explicou Motter.
No ano de 2005 foi fundada a Cooperativa Econativa, que facilitou os arranjos jurídicos para o acesso a programas de comercialização do governo e é a marca que identifica o produto na embalagem. A Cooperativa cumpre o papel de organizar as/os agricultoras/es e associadas/os e centralizar a comercialização, enquanto o serviço de processamento é terceirizado às agroindústrias familiares. A partir de 2008, passaram a participar também da Rede Juçara, que foi uma discussão provocada por um projeto do Ministério do Meio Ambiente à época. Nesse espaço foi implementado o Padrão de Identidade e Qualidade (PIQ) na legislação brasileira, que contribuiu para essa regulação no Brasil. Além disso, a iniciativa integra a Cadeia Produtiva Solidária de Frutos Nativos no Rio Grande do Sul ( matéria aqui).
A importância da agroindústria familiar
Agricultora e ecologista de Três Cachoeiras (RS), Anelise Becker, de 33 anos, produz e comercializa açaí juçara como sua principal fonte de renda. Ela é licenciada em Educação do Campo, tem mestrado em Desenvolvimento Rural e está cursando bacharelado nesta mesma área. Quase toda a sua produção familiar é feita em sistema de agrofloresta, em consórcio com bananeiras. Hoje, a agroindústria familiar Morro Azul, parceira da Cooperativa Econativa, da qual Anelise é uma das proprietárias, produz mais de 20 produtos (polpas de frutas, doces, banana chips, etc.) mas metade da renda vem desse fruto nativo.
A agroindústria funciona desde 2002 com o processamento do açaí juçara e, no ano de 2012, conquistou o registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para a produção e venda do produto. Desde então, aumenta cada vez mais a safra, no ano passado foram processadas quase 20 toneladas de frutas (cerca de 10 toneladas de polpa). A expectativa é que a próxima colheita, que vai de abril a julho, seja igual a do ano passado. Cada família que produz e entrega 1.000 kg de fruto (3 dias de colheita aproximadamente), recebe R$ 3.000,00 no ano/safra, segundo a agricultora e pesquisadora.
“Esse trabalho é muito importante, porque conseguimos fazer um debate regional envolvendo cerca de 400 famílias agroecologistas. Difundimos e ampliamos o diálogo sobre a conservação ambiental, o açaí juçara não é só uma possibilidade de diversificação de renda. Colocamos um novo produto no mercado, porque antigamente a polpa não era utilizada, só o palmito, mas é uma forma de conservação ao fazer o manejo da árvore em pé. Além de geração de renda e inclusão de mais famílias no trabalho, temos percebido o aumento da conservação e consciência ambiental nos últimos anos”, afirmou Becker.
Meio ambiente e adaptação climática
As mudanças climáticas têm sido perceptíveis há alguns anos no litoral norte gaúcho e no extremo sul catarinense. Alterações nos regimes de chuva e aumento de eventos climáticos extremos, como ventos fortes e ciclones, têm preocupado a população da região. É nesse contexto que o Centro Ecológico desenvolve um projeto, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), visando a conservação ambiental e estratégias de adaptação climática para as plantações.
Devido aos ventos fortes, entre outros fatores, é incentivada a transição de monocultivos de bananas para sistemas agroflorestais, buscando reduzir a velocidade desses fenômenos naturais. As sombras das árvores e as folhas que viram adubo orgânico também são outras vantagens dessa forma de cultivo em consórcio com a palmeira juçara. Os SAFs, segundo Gabriel Meirelles, agrônomo e membro da equipe técnica do Centro Ecológico que acompanha o projeto, são fundamentais para preservar a umidade do solo e conservar a água, trazendo benefícios principalmente em períodos de falta de chuvas e ventos fortes. Vale ressaltar, acrescenta o técnico, que o aspecto econômico também é importante no conjunto de soluções para a adaptação climática, a partir da diversificação da produção e dos circuitos curtos de comercialização.
“Propomos olhar para a cadeia produtiva da juçara e buscar formas de dinamizar os processos, principalmente incentivando novas famílias a plantarem, cuidarem e colherem os frutos, melhorando aspectos de manejo, colheita e transporte. Prevemos a distribuição de sementes, oficinas de colheita, dias de campo, melhoria nas estruturas de processamento, assim como ações de comunicação que valorizem e divulguem o açaí juçara e seu papel nos sistemas agroflorestais e na preservação e restauração da Mata Atlântica”, afirmou.
A parceria com o PNUD, juntamente com a Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (AEPIM) também contempla ações em aldeias indígenas da região , buscando trabalhar aspectos de segurança e soberania alimentar através da implementação de sistemas agroflorestais.