Por Aline Mattos

O 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, não é apenas uma data simbólica no calendário brasileiro, mas sim um marco de reflexão sobre a luta, a resiliência e a memória da população negra no Brasil. Ao longo da história, as vozes e as expressões artísticas da comunidade negra têm sido fundamentais para contestar o racismo e reafirmar a identidade afro-brasileira. Nesse contexto, a obra de Tony Tornado e a relevância do movimento Hip Hop se entrelaçam com a significância do Dia da Consciência Negra, formando um poderoso elo de resistência e afirmação cultural.

A Luta e a Representatividade: Tony Tornado como Símbolo

Tony Tornado, com uma carreira que ultrapassa seis décadas, é uma das figuras mais emblemáticas da música e da cultura negra brasileira. Desde os anos 1960, sua obra se destacou não apenas pela inovação no samba rock e no soul brasileiro, mas também por sua postura política e pelo combate ao racismo estrutural. Um exemplo marcante disso era seu gesto icônico: após um giro performático, encerrava com os punhos cerrados, em uma reverência à força negra. Naquela época, levantar o braço com o punho fechado era considerado um ato “inapropriado”, carregado de resistência. Em um contexto de invisibilização da população negra na música e na televisão, Tornado quebrou barreiras, tornando-se um dos primeiros artistas negros a ganhar destaque na mídia brasileira. Sua trajetória acumula homenagens e prêmios significativos, tanto na música quanto no cinema.

Sua voz potente, encaixada ao funk, soul e samba, ecoou como um grito de resistência contra as desigualdades raciais. O próprio nome artístico, “Tornado”, reflete sua energia e força. Em um período de censura e repressão durante a ditadura militar, sua presença nas telas de TV e nos palcos serviu para afirmar a importância da cultura negra e do empoderamento da juventude afro-brasileira. Tornado vai muito além de  um cantor, ele é símbolo de resistência, igualando-se aos heróis da luta contra a escravidão, como Zumbi dos Palmares, cuja memória é resgatada no Dia da Consciência Negra.

O Hip Hop e a Cultura de Resistência

Assim como Tony Tornado, o movimento Hip Hop, que emergiu nas periferias das grandes cidades norte-americanas nas décadas de 1970 e 1980, encontrou no Brasil um terreno fértil para se consolidar como uma das formas mais poderosas de expressão da juventude negra. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o Hip Hop ganhou força nas décadas de 1990 e 2000, sendo abraçado principalmente pela juventude periférica. Com suas quatro manifestações — rap, graffiti, break dance e DJing — o movimento conquistou uma voz própria, capaz de questionar as desigualdades sociais, raciais e políticas.

O Hip Hop, além de ser uma forma de arte, também se configura como uma ferramenta de conscientização e resistência, semelhante ao que foi o trabalho de Tornado nas décadas passadas. O movimento é, em muitos aspectos, um reflexo das lutas travadas pelas gerações anteriores, como a de Zumbi dos Palmares e de outros líderes negros que se rebelaram contra a opressão. Ao longo dos anos, o Hip Hop brasileiro passou a ser uma plataforma de visibilidade e resistência, trazendo à tona questões como o racismo estrutural, a violência policial e a marginalização das comunidades negras.

Em Porto Alegre, o movimento Hip Hop tem sido um elemento central na afirmação da identidade negra, e sua preservação se tornou uma prioridade, como demonstrado pela criação de espaços como o Museu do Hip Hop. Este museu não apenas preserva a memória da cultura Hip Hop, mas também celebra a contribuição de artistas negros para a construção da identidade cultural brasileira. Nesse contexto, figuras como João Cândido, líder da Revolta da Chibata, Oliveira Silveira, idealizador do Dia da Consciência Negra, e Petronilha Gonçalves e Silva, referência na inclusão das questões étnico-raciais na educação, reforçam a importância histórica e cultural da luta negra, dialogando diretamente com as expressões artísticas e sociais promovidas pelo movimento Hip Hop.

O 20 de Novembro: Reflexão sobre o Passado e o Futuro

O Dia da Consciência Negra é um momento crucial para refletir sobre o papel fundamental que a população negra desempenhou e continua a desempenhar na sociedade brasileira. A escolha do 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares, nos lembra que a luta por liberdade e igualdade é histórica e continua atual. Tony Tornado, o Hip Hop e tantos outros artistas e movimentos representam essa contínua resistência.

Hoje, a sociedade brasileira ainda enfrenta desafios significativos em relação à igualdade racial, mas a obra de Tornado, a expressão do Hip Hop e as lutas de movimentos sociais têm sido instrumentos poderosos de transformação. O 20 de novembro é, portanto, uma data para celebrar as vitórias conquistadas, mas também para reforçar o compromisso com a igualdade racial e a valorização da cultura afro-brasileira. A memória de Zumbi, o legado de Tony Tornado e a energia do Hip Hop são todos componentes de um mesmo movimento de afirmação de identidade e resistência contra a opressão.

Assim, ao olharmos para o passado e para o presente, podemos entender que a luta por uma sociedade mais justa e igualitária continua. A arte, em suas diversas formas, como a música de Tony Tornado e a cultura do Hip Hop, segue sendo catalisadora de mudanças, inspirando as novas gerações a continuar a luta por um Brasil onde a dignidade e a igualdade de todos sejam, finalmente, uma realidade.

“Quando duas mãos se encontram refletem a sombra da mesma cor”. Tony Tornado