A arquiteta, gestora cultural e jornalista da comunidade indígena K’iché da Guatemala, Ana Lucía Ixchíu Hernández, levou sua história de exílio e resistência ao mundo por meio de seu curta-metragem documental Uq’axik b’o (Atravesar caminhos, em português), uma obra que narra em cinco msua experiência pessoal e a de muitos defensores e ativistas na Guatemala, que enfrentam perseguição judicial, violência política e criminalização por seu compromisso social. Este impactante trabalho cinematográfico foi premiado com o troféu de Melhor Curta-Metragem Documental no Festival de Curtas de Cannes, na Europa, consolidando seu alcance global.

Em Uq’axik b’o, Lucía utiliza a poesia como ferramenta narrativa para expor as duras realidades enfrentadas por aqueles que defendem os direitos humanos na Guatemala. Há quatro anos, a ativista foi forçada a deixar seu país após documentar o desmatamento ilegal na floresta comunitária de Alta, em Totonicapán. Esse trabalho resultou em ameaças, tentativas de assassinato e atos de violência não apenas contra ela, mas também contra sua irmã e aliados ativistas. Além disso, enfrentou repressão, detenções paramilitares e campanhas de difamação. “Decidi fazer um filme porque estou exilada, porque sou perseguida no meu país. […] Tenho todo o direito de contar minha própria verdade, e o cinema, sem dúvida, me ajudou a fazer isso”, afirmou Ixchíu em entrevista à Cimacnoticias.

Conhecida como Lucía Ixchíu, essa mulher maia K’iché de Totonicapán é filha de Pedro Ixchíu, líder indígena e ex-presidente dos “48 Cantones de Totonicapán”, e de Aury Hernández, uma defensora da autonomia e da economia das mulheres indígenas. Seguindo o legado de seus pais, Lucía atua como gestora cultural desde os 12 anos e é uma voz proeminente no ativismo feminista. “Descobri que o feminismo era um espaço onde eu encontrava respostas para as lutas das mulheres, e tudo o que realizo está interseccionado pela minha identidade como mulher maia K’iché”, declarou.

Ixchíu é cofundadora do Mujeres en Movimiento, um encontro feminista de mulheres universitárias diversas da Universidade Pública da Guatemala, e do Festivales Solidarios, um projeto que coloca a arte a serviço da defesa do território. Formada como arquiteta, desde 2024 ela se dedica ao cinema, sendo Uq’axik b’o sua primeira obra cinematográfica. Sua trajetória também inclui mais de 12 anos no campo da comunicação, onde trabalhou para preservar as línguas indígenas e visibilizar as lutas das comunidades originárias.

Em 2015, Lucía denunciou as ameaças e a violência física contra a imprensa comunitária que cobria manifestações indígenas contra a construção de uma hidrelétrica com graves impactos ecológicos e culturais. Um ano depois, em 2016, foi reconhecida pelo The New York Times no artigo “Os rostos da nova política na Guatemala”, onde destacou sua visão sobre o acesso ao poder como caminho para a mudança. “Dadas as circunstâncias de vir de um dos países da América Central mais desiguais da região, ser mulher foi um desafio muito difícil, mas também belo”, afirmou.

Ao longo de sua carreira, Ixchíu denunciou as violências e injustiças enfrentadas pelas comunidades indígenas, especialmente pelas mulheres, apontando abusos de poder por parte do Estado, do exército e de empresas antiéticas. Mesmo no exílio, seu trabalho segue sendo um pilar da resistência na Guatemala. “Venho dos sonhos de mulheres que foram visionárias, que projetaram em nós todos os seus sonhos de transformação. Todo o silêncio que minha mãe, que minhas avós, tiveram que guardar é para que hoje eu possa gritar”, afirmou Ixchíu, honrando suas ancestrais e consolidando seu legado como uma voz indispensável para os povos originários.