Por Isaac Urano

Em 2025, o Oscar terá um gostinho especial para todos os brasileiros, com Ainda Estou Aqui representando de forma primorosa o país em uma das cerimônias mais importantes do cinema. O sentimento fervoroso de torcida se une a uma bem-sucedida campanha internacional do filme, que vem, a cada dia, ganhando mais destaque nos veículos de comunicação internacionais. Como a campanha do Oscar funciona pode ser um ótimo objeto de análise para entendermos o impacto de grandes produtoras nos resultados e no consumo do público, e o Brasil teve um papel singular nessa construção.

A Campanha do Oscar

O Oscar é comumente conhecido como a maior premiação da sétima arte, sendo construído nos Estados Unidos e encabeçado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. De 1929 até hoje, passou-se por diversos episódios na política mundial que acabaram por respingar na produção de filmes e, por conseguinte, fizeram a indústria passar por diferentes períodos. Ao longo dos anos, com o primor dos prêmios da academia sendo construído, tivemos desde códigos de censura até a classificação indicativa, da política da boa vizinhança na América Latina até ondas estrangeiras invadirem o fazer do cinema hollywoodiano. Há, pela legitimidade daquela instituição, o poder de transmitir de forma mais detalhada para a população as melhores produções daquele período, isso feito por meio de sindicatos, organizações e dentro de suas próprias categorias.

O trajeto para um filme fora do eixo estadunidense performar tão bem é complicado, tendo em vista o domínio imperialista desse mercado. Sendo encabeçado por Walter Salles, carregando renome e prestígio internacional, uma boa produção, atuações únicas e, o melhor: o apoio brasileiro na corrida. Do festival de estreia até a vitória em diversas premiações, Ainda Estou Aqui teve uma campanha acalorada.

Mas o que é, de fato, a campanha? É a promoção e divulgação, entendida como uma trajetória. Afinal, nas estruturas atuais, “o que não é visto, não é lembrado”, e os membros votantes da Academia precisam de algo que eles considerem memorável. É válido destacar que não há linha de chegada, nem um lugar que devemos tomar como obrigação alcançar. Uma validação como essa, no final, não consegue aderir à produção cinematográfica de um país tão diverso quanto o Brasil. O filme de Walter Salles chegou a ser o segundo mais consumido nas bilheterias estadunidenses, estando apenas atrás de A Complete Unknown, que estava em sua semana de estreia. Com sessões especiais, presença de convidados e a expansão do filme em mais salas de cinema graças à demanda, o longa conta com uma presença especial e importantíssima: Fernanda Torres.

Fernanda, que atua como Eunice Paiva, garante com sua atuação uma performance dramática arrebatadora em um filme que carrega um contexto tão sensível. Sua imagem foi respeitosamente cuidada em respeito à memória. O gancho após a vitória no Globo de Ouro por Melhor Atriz em Filme de Drama acendeu um fogo na comunidade brasileira e alavancou a imagem internacional da atriz. Manter respeito ao personagem e sua história, para além do method dressing, é algo que garante sustentação à campanha, mas isso não impediu Fernanda Torres de usar seu carisma. Ao longo de semanas, vimos entrevistas, polêmicas, presenças em eventos, momentos virais, declarações e diversos acenos da grande mídia à atuação que seria capaz de liderar o sentimento de fervor brasileiro. Porém, tudo isso se volta ao marketing e à comunicação social do filme, que nem sempre foram atados a essa forma de entender a produção cinematográfica. O que pouca gente sabe é que o grande ponto de virada também teve a presença brasileira.

Após o Oscar de 1999

Assim como o Oscar deste ano, o ano de 1999 também teve uma importante projeção brasileira. Central do Brasil, também de Walter Salles e estrelado por Fernanda Montenegro, havia conquistado a crítica internacional e era um grande sopro de esperança brasileiro com seu “cinema de retomada”, consequência da precarização do fomento à cultura no governo Collor. Paralelamente a Central do Brasil, existia um principal concorrente: Shakespeare Apaixonado.

Shakespeare Apaixonado, distribuído pela Miramax, foi o grande vitorioso naquele ano, graças ao seu principal produtor, Harvey Weinstein, a publicitária Lisa Taback e a grande figura que liderava o filme nas premiações, Gwyneth Paltrow. O filme foi incansavelmente promovido na mídia doméstica estadunidense e internacional. A presença da atriz era essencial para trazer um vislumbre do filme, tendo em vista que tudo era milimetricamente calculado para fabricar, a partir do status de estrela de Gwyneth, uma projeção internacional do que era o carro-chefe de Harvey Weinstein. Já Fernanda Montenegro havia conquistado um ótimo prestígio com sua atuação, sendo a principal indicada a levar o prêmio naquela noite, acabando por antagonizar com o status de estrela querida pela indústria de Gwyneth.

O resultado foi ela ganhando o prêmio de Melhor Atriz daquele ano, deixando um gosto amargo para nós, que vimos o Brasil ir longe novamente. Outrossim, tudo isso acaba por refletir como a forma de se fazer campanhas publicitárias e fazer um filme ter certo reconhecimento mudou drasticamente. Contando com um maior fluxo de investimentos destinados ao seu marketing, acabou por impactar, por conseguinte, nas bilheterias. O lado a ser contestado é se isso não acaba por gerar limitação para produções sem grande apoio financeiro. Ou até mesmo se, já que se tratava do final dos anos 90, “financeirizar” a arte.

Vale lembrar que, em 2017, Harvey Weinstein foi condenado por crimes sexuais, tendo correlação com a ascensão do movimento #MeToo. Lisa Taback hoje trabalha para a Netflix e está por trás do marketing de Emilia Pérez, e Gwyneth Paltrow trata seu reconhecimento pela Academia com pouca importância.

Reflexões para o Oscar 2025

Atualmente, com a globalização e as fronteiras entre os votantes da Academia sendo cada vez mais dispersas, pode passar a sensação de que tal fator é responsável apenas por ser um facilitador para que outros debates entrem em jogo, ou que a comunicação social gere trabalho e mercado, e o grande público exerça algum aspecto de influência. Mas, em sua realidade, abre espaço para discutirmos o desejo esquizo-capitalista e como isso pode afetar a legitimidade de instituições que pouco têm pretensão de, em sua complacência, se abrirem ao externo. É difícil, fora de sua ótica tão central, entender e mensurar aspectos mais profundos, porque se torna cética para produções feitas fora de suas fronteiras.Essa análise de diferentes períodos, que, por coincidência, atravessa barreiras transgeracionais, não se resguarda apenas a uma boa campanha. Ainda Estou Aqui reflete as consequências do imperialismo estadunidense, assim como Parasita em 2019. Enquanto um põe uma corda bamba entre duas instituições: família e dinheiro, e, portanto, tal desigualdade. O outro vai tratar da família tendo a falta, a saudade e a memória como principais condutores, carregando a ferida sensível da história do Estado brasileiro com a ditadura militar e um período de forte opressão aos direitos humanos. A recepção estadunidense tem sentido uma conexão especial com o filme graças às políticas recentes do presidente Donald Trump. A Variety adota o filme brasileiro como figura central de uma notícia que tem como manchete “Sim, isso pode acontecer aqui. E os filmes nos avisaram”. Portanto, mesmo que não saibamos exatamente o que esperar dessa cerimônia deste ano, ou se os sentimentos serão de alegria ou frustração, é necessário entender como o Brasil teve um certo papel na construção da legitimidade institucional do Oscar e como isso volta a protagonizar uma pauta necessária, a se pensar cultura e sua indústria no Brasil e no mundo.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.