Por Igor Fonseca

Enquanto os blocos de Carnaval nos carregavam pelas águas de Março, Walter Salles fazia história em Los Angeles, ao se tornar o primeiro brasileiro a vencer um Oscar, na categoria Melhor Filme Internacional pelo furacão “Ainda Estou Aqui”. Vitória interessante dentro do atual contexto sociopolítico dos Estados Unidos, em que a presença latina em território estadunidense tem sido alvo de intensa xenofobia institucional, sofrendo represálias do Estado e da população nativa. Ainda mais que o decorrer da cerimônia, ironicamente, revelou as fronteiras impostas pela indústria cinematográfica estadunidense a obras estrangeiras.

Em diferentes níveis, alguns dos selecionados para a categoria Melhor Filme (incluindo o representante brasileiro) compartilham de temas em comum: choque étnico-cultural e repressão ideológica, dando acenos, cada um dentro de sua lógica interna, para os perigos da ascensão da extrema-direita. Seja no campo da metáfora, vide o Estado fascista de Oz em “Wicked”, ou em revisitações ao passado não tão distante, a exemplo de “O Brutalista” e, claro, “Ainda Estou Aqui”.

Há ainda duas vias de discussão da questão imigratória, manifestada em “Anora” e “Duna: Parte Dois”. No primeiro filme, o desmantelar do sonho americano observado através dos filtros da atual juventude, completamente embriagada em neon e redes sociais. No outro, um flerte cirúrgico com o Oriente Médio para sinalizar quanto aos perigos da ascensão do fanatismo e do culto ao líder. Experiências distintas em estética, mas unidas pelo elo de evocar uma esterilização da realidade por meio da imagem. O que quero dizer com isso?

Que o Oscar está disposto a reunir, em seus indicados, um conjunto de filmes que dialoguem com o clima atual. Mas na hora de premiá-los, gravitam em torno daquelas cujas embalagens já estejam de acordo aos gostos tradicionais dos votantes. Isso não é necessariamente um juízo de qualidade, que atesta todas as percepções que tive com esses longas. É apenas uma compreensão do porquê eles chamaram a atenção da Academia apesar de suas escolhas temáticas.

Fonte: Drew Daniels / Universal Pictures

“Ainda Estou Aqui” é beneficiado pela pequena escala de seu universo, confinado a ignorância consciente da classe média, que só percebe o impacto dos ataques à democracia quando eles espreitam à sua porta. Não temos acesso aos impactos do contexto fora do núcleo da família Paiva, cuja única sinalização do mundo exterior – a empregada Zezé – é prontamente ignorada pelo enredo. Não dá pra esperar diferente de um filme produzido por forças financiadoras da Ditadura Militar. E por isso, ganha a estatueta.

“Anora” traz a imigração e a xenofobia sentidas no corpo branco, em uma narrativa envolta de tropos de comédias românticas, criando um contraste com a realidade trágica da sua protagonista. Por mais que tenha superado barreiras dadas ao gênero, ao tema, e por ser produção independente, o filme ainda é uma sinalização mais palatável a todos os que estão sofrendo para além das colinas de Hollywood. Nessa situação, também se encontra “O Brutalista”, substituindo as inclinações para o romance por uma estrutura que remonta a Era Dourada do Cinema, cujos últimos anos coincidem com o espaço temporal do filme. E por isso, ambos ganham a estatueta. 

Nesse sentido, a vitória de “No Other Land” é uma anomalia. Reconhecer um documentário palestino numa nação (e numa instituição) pró-Israel é abrir um espaço para a realidade. Por holofotes em um retrato da crise humanitária que acontece neste instante, transformado em audiovisual de excelência, rompe com as representações adocicadas que foram reconhecidas em outros momentos. 

Fonte: Antipode Films / Rolling Stone

Para uma cerimônia que iniciou prometendo surpresas não vistas há anos, talvez décadas, ela termina reafirmando a força da ideologia simplória que domina os votantes do Oscar. Velhas tendências são confirmadas em uma indústria cada vez mais carente de criatividade, e eternamente indisposta a ouvir vozes fora de seu território. A exemplo do Grammy, vai se fechando para si, e reconhecendo apenas o que reflete e não fere os valores do estadunidense.

É preciso dar um jeito, meus amigos.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.