A arte-denúncia de Juan Casemiro
artista visual mineiro Juan Casemiro é o novo entrevistado do #ArtistaFODA
Por Marcelo Mucida / @planetafoda*
Juan Casemiro é um artista visual mineiro, que vive e trabalha entre Conceição das Pedras e São Paulo.
Numa entrevista para a seção semanal #ArtistaFOdA, ele contou sobre o desenvolvimento do seu trabalho e da sua pesquisa artística, que atualmente está bastante presente na internet e nas redes sociais.
Juan também refletiu sobre estas trocas virtuais e compartilhou um pouco do seu olhar sobre o viés político que atribui à arte.
Entre pinturas, desenhos, textos e outras criações, a questão política é bastante evidente nas obras produzidas por Juan e é interessante poder acompanhar o desenvolvimento de trabalhos que estão pensando sobre o agora, sobre o momento atual em que estamos inseridos.
Sem ter a pretensão de chegar a conclusões, as criações do artista se tornam formas de lançar reflexões e de também provocar relações de identificação com outras pessoas.
Confira a seguir a conversa na íntegra.
Como você deu início às pesquisas artísticas que desenvolve hoje em dia?
Eu produzo há bastante tempo. Há uns 10 anos mais ou menos. Quando eu era pequeno, eu já tinha uma ligação com a arte, com a pintura, principalmente. Eu gostava muito de pintar as coisas, mas não era algo que eu fazia com tanta frequência.
Em 2010, eu perdi o meu pai e foi um momento em que eu passei pelo menos uns 02 anos, dentro desse luto, produzindo coisas, desenhos, pinturas e escrevendo também. Foi um período muito intenso em que a arte tinha um papel meio que de terapia pra mim. Então, esse começo de fazer trabalhos de arte se deu nesse momento.
E os trabalhos que produzi nesse período são muito pessoais. Eu não costumo mostrar eles. Naquela época, pra mim, eu só estava fazendo uma terapia comigo mesmo e eu não me considerava um artista.
Deixei isso guardado por muito tempo e vim para São Paulo. Eu sou de Minas e me mudei para São Paulo em 2011 para cursar Arquitetura, que é uma coisa que se rebate muito nos trabalhos que eu faço hoje.
Depois que eu comecei a estudar Arquitetura, eu tinha uma relação muito forte com a fotografia. Eu tinha uma paixão enorme por fotografar a cidade, as pessoas… E o material de trabalho desse período continuou sendo muito pessoal, muito autobiográfico, falando sobre relações que eu tive, e eu fiquei fazendo isso por um tempo. O trabalho era uma espécie de diário e tinha um cunho erótico, do corpo, principalmente.
No final de 2019, eu comecei a fazer algumas outras coisas que não tinham tanto a ver com a minha vida. Eu estava tentando olhar um pouco para o país porque a gente tinha acabado de eleger o Bolsonaro e aquele foi um momento bem estranho, porque eu estava revoltado com tudo o que estava acontecendo, e estava revoltado com a esquerda – da qual eu faço parte -, mas pela forma que a esquerda se dissolveu nesses processos.
Então, eu comecei a fazer trabalhos que falassem um pouco sobre esse momento que a gente estava vivendo. Eu senti uma necessidade de transformar isso em imagem e de trabalhar com isso. Eu me voltei para uma pesquisa política.
Depois, começou a situação de pandemia e eu fui para a casa da minha mãe, em Minas, para passar um tempo por lá. E na casa dela eu tinha mais espaço para trabalhar, em comparação com o apartamento em que vivia em São Paulo, que tinha 10m². Então o trabalho ganhou uma outra proporção. Eu comecei a trabalhar com concreto, com gesso, com madeira, com lata de tinta e comecei a explorar outros materiais. E ali eu comecei a entender também um pouco que eu estava me tornando artista, porque eu senti que o trabalho teria uma função. Ele serviria como uma espécie de retrato não só de mim, mas ele estava falando de um momento presente muito pulsante, em que as coisas estavam ali e eu estava bebendo disso tudo e pensei que não podia perder isso.
Para mim, sempre foi essencial pensar a política, e quando eu vi que o meu trabalho estava infiltrado pela política e não era só sobre a minha vida mais, para mim foi o momento em que eu consegui me olhar e falar “nossa, agora eu estou fazendo arte”. Porque eu penso que a arte tem essa função de estar servindo para o outro e de despertar reflexões nas pessoas.
No caso do meu trabalho, eu acho que o mais importante pra mim é que ele desperte uma conscientização política nas pessoas. Mesmo quando ele parece ser mais erótico, ainda tem uma informação, uma questão política por trás.
E aí ele se mistura. Hoje é uma coisa híbrida. Eu tenho esse engajamento com uma questão central de trabalho, misturando com questões da arquitetura, do espaço, mas tem uma outra parte do trabalho que é uma coisa mais poética onde estou pensando na forma, em composição e em outras questões também, porque não dá para você ficar o tempo todo num ativismo, porque é muito pesado o que estamos vivendo. É uma coisa absurda. Se você acordar e dormir pensando só nisso, aí você enlouquece. Eu tento pensar em outras coisas e não ficar só nesse engajamento, que são, por exemplo, os concretinhos e as pinturinhas – trabalhos em que eu também me dedico, mas que têm uma pesquisa mais ligada a questões como beleza.
Eu conheci o seu trabalho através do Instagram, e então eu gostaria que você falasse um pouco sobre como você vê essa relação de colocar as suas produções na internet, como está sendo essa troca no momento atual.
Eu acho que culminou esse momento de início da minha produção, com o momento da pandemia, e eu penso que o Instagram é o maior espaço político que temos atualmente, porque está tudo lá.
A internet tem as suas armadilhas mas ela também traz as suas questões.
O Foucault fala muito isso, sobre a questão do poder. Porque não tem exatamente um poder bom, mas o poder também é um mecanismo que às vezes se infiltra nas questões do desejo e não necessariamente é uma coisa que está ali apenas para disciplinar a sociedade.
Então às vezes eu penso que a rede social tem um pouco disso. É um poder que tem uma coisa ali por trás, que é bem estranho, inclusive, essas coisas de algoritmo e tudo mais, mas que também tem esse lado de trocas e conversas, e é muito interessante pensar sobre como você pode ter acesso a informações de forma tão instantânea sobre questões que te interessam, e essas interconexões, acho que é maravilhoso.
E na arte, acho que é a mesma coisa. Eu tive a sorte de estar ali e de conhecer muita coisa de gente nova que está produzindo também e fazer essas trocas.
E eu decidi começar a escrever mais sobre os meus processos também, porque tenho visto esse espaço virtual como um espaço de decantação dos trabalhos, de poder olhar para aquilo como um conjunto. […] Tudo isso começou porque eu tinha uma coisa com bandeiras. Eu tinha uma bandeira invisível. E aí sempre me perguntavam o porquê dessa bandeira. Eu resolvi escrever falando que a bandeira do Brasil, verde, amarela, azul e com estrelas, como a gente conhece, na minha infância era uma coisa linda, a gente tinha na varanda de casa, e foi por muito tempo um símbolo bonito. E aí, quando teve o golpe que tiraram a Dilma, isso começou a mudar de forma muito rápida, sendo desenvolvida uma associação da bandeira como um símbolo da direita. E eu comecei a pensar nisso, que é um símbolo muito negativo atualmente e eu não sei se isso tem volta. Acho que a gente precisa de uma outra bandeira. E que bandeira é essa? Para mim, hoje a bandeira é invisível. Em alguns trabalhos eu escrevo que ela é falsa… É uma bandeira que não me representa mais.
Nos últimos trabalhos, que chamei de abisminhos, a bandeira está pegando fogo, ela está afogada dentro de um abismo que é uma piscina, e acho que isso fica se repetindo o tempo todo porque é uma inquietação dentro de mim. Fico me perguntando: eu vou destruir essa bandeira? Eu vou transformar essa bandeira numa bandeira invisível? Eu vou lavar essa bandeira? Eu vou desenhar uma outra bandeira? Eu sinto isso, um país nu, e por isso que tem bastante nu nas minhas obras também. Eu não sei mais qual é a nossa identidade. Está tudo muito confuso, muito perdido e acho que a arte está servindo para questionar esses lugares, para entender e pressionar. É uma forma também de trocar com outras pessoas, para entender se elas também estão tendo essas mesmas leituras, pensamentos.
Você pode comentar um pouco mais sobre essa relação política que enxerga na arte?
Para mim, arte é denúncia. Arte tem que ser denúncia. O artista, por mais que ele ache que a poesia é importante (e eu acho que é importante sim), acho que o artista tem que ser um ser político, pensante, e agora, mais do que nunca, uma pessoa que denuncia, que contra-ataca, porque a gente está sendo atacado.
E algo que eu queria falar também é que a questão LGBT, ou o fato de ser homossexual, aparece sutilmente no meu trabalho, mas para mim, mais do que fazer uma “arte LGBT” ou uma arte que esteja dentro de uma caixinha, é mais importante pensar que eu sou uma pessoa LGBT e o simples fato de estar conseguindo produzir coisas já significa muito. Eu penso nessa coisa de uma causa mais global. Para mim, o que é mais importante é pensar a sociedade. E aí assim, sou LGBT, mas isso não é uma tônica do meu trabalho. Eu não sou um artista de causa. Sou um artista que pensa a sociedade e estou interessado nessas mudanças que são maiores e que vão me favorecer.
Eu queria que você contasse também sobre o projeto da Não Galeria, que eu vi o link através do seu perfil.
A Não Galeria é algo que idealizei e que começou em outubro do ano passado e a proposta era criar um mercado popular de arte contemporânea.
É uma forma de democratizar a arte e de ajudar também artistas que não são representados oficialmente por galerias, ou que até são representados mas que não têm exclusividade, e que por isso não têm tanto benefício assim.
Então o projeto foi juntar essas pessoas e apresentar trabalhos que têm uma tiragem de 100 exemplares. E acabou surgindo muito essa questão das minorias, entre os artistas reunidos, e foi algo que surgiu de uma forma muito natural.
A gente tem recebido uma resposta muito boa desde o lançamento do projeto. Poder ver a arte na casa das pessoas é muito importante. Ter a arte dentro de casa é bonito. E os artistas também ficam muito felizes em ver que tem gente interessada nos trabalhos deles.
Para conhecer mais sobre os trabalhos desenvolvidos por Juan, acesse o perfil no Instagram @juancasemiro_.
Os trabalhos da Não Galeria estão disponíveis no perfil @nao_galeria.
O artista também tem uma campanha contínua de arrecadação para levantar fundos para custear parte dos gastos que ele tem para desenvolver o seu trabalho. Através da campanha (que está disponível aqui), é possível fazer doações e em troca adquirir alguns trabalhos.
Confira todas as entrevistas da seção #ArtistaFOdA aqui.
E acompanhe a seção semanal para conhecer novos trabalhos de artistas LGBTQIAP+.
*@planetafoda é a página de conteúdos LGBTQIAP+ produzidos pela rede FOdA, da Mídia NINJA, junto a colaboradores em todo o Brasil.