A Argentina está escolhendo: o que está em jogo para o país e para a América Latina
O país enfrenta as eleições mais desafiadoras dos últimos 40 anos desde o retorno à democracia após a última ditadura militar
A Argentina está realizando, em 22 de outubro, o primeiro turno das eleições para escolher o sucessor do presidente peronista Alberto Fernández. Embora também estejam em jogo governadores, 130 deputados nacionais, um terço do Senado e membros do ParlaSur, os olhos estão voltados para quem será o líder de uma nação que está mudando seus paradigmas políticos e sociais.
O país enfrenta as eleições mais desafiadoras dos últimos 40 anos desde o retorno à democracia após a última ditadura militar. Por quê? A resposta está nos candidatos: o extremista Javier Milei, que surpreendeu ao ser o mais votado nas primárias de agosto; o ministro da Economia, Sergio Massa; e a conservadora Patricia Bullrich.
Em um contexto de instabilidade econômica devido à dívida com o Fundo Monetário Internacional, contraída pelo ex-presidente Mauricio Macri, e uma série de questões políticas dentro do governo do atual presidente Alberto Fernández, o cenário se tornou propício para que os jovens e os setores populares sejam protagonistas da polarização do voto, deixando aberta a possibilidade de a extrema direita chegar à Casa Rosada.
Milei, o “Bolsonaro” argentino
Com um discurso agressivo contra o que ele chama de “casta política”, Milei é frequentemente comparado ao ex-presidente de extrema direita do Brasil, Jair Bolsonaro, ou ao ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a quem ele diz admirar.
Desde que venceu sua primeira eleição como candidato a deputado há dois anos, este economista autodenominado anarco-capitalista teve um avanço “difícil de imaginar” para alguém com suas características, apoiado por eleitores frustrados e com menos de 30 anos, de acordo com Orlando D’Adamo, um especialista argentino em opinião pública e psicologia política. A votação de Milei nas primárias à frente de seu grupo “La Libertad Avanza” desafia um antigo padrão na Argentina, segundo o qual os pobres votam mais no peronismo e os ricos no antiperonismo. Suas promessas de dolarizar a economia e fechar o Banco Central parecem ter conquistado eleitores que vão às urnas em meio ao pano de fundo do declínio econômico do país, com 40% da população abaixo da linha da pobreza.
Massa, o que enfrenta
Com este cenário, o fato de alguém com o cargo de Massa ser o candidato a suceder o impopular presidente Alberto Fernández, pela coalizão peronista no governo, a União pela Pátria, é visto como surpreendente até mesmo por alguns de seus aliados regionais.
“A Argentina é algo indescritível”, disse José “Pepe” Mujica, ex-presidente de esquerda do Uruguai, esta semana. “Como você explica que o ministro da Economia, com uma inflação como a que a Argentina tem, está concorrendo à presidência?”
Sua própria resposta: “Porque ele tem o apoio de algo que não está satisfeito com ele, mas vai votar nele, chamado peronismo”. Sim, assim funciona o movimento político mais popular e contraditório do país. O mesmo que tem conquistado direitos fundamentais ao longo dos anos.
Fundado pelo general Juan Domingo Perón no meio do século passado, o peronismo tem tido uma enorme capacidade de se regenerar politicamente.
Ele alcançou essa continuidade apesar de todas as suas divisões internas ou, até mesmo, graças a elas. Isso explica por que Massa buscou um equilíbrio difícil, mostrando-se ao mesmo tempo como representante e alternativa ao governo ao qual ele pertence.
Bullrich e a mão firme
Patricia Bullrich, ex-ministra da Segurança no governo de Mauricio Macri (2015-2019). Sua gestão foi marcada pela criminalização de movimentos sociais e por uma lei contra manifestações. Embora ela reconheça seu passado na Juventude Peronista, que reivindicava os Montoneros, Bullrich nega ter pertencido a essa organização armada e diz que fez uma autocrítica em relação ao uso da violência na política.
Seu histórico político também é marcado pela crise de 2001: como ministra do Trabalho, em 23 de julho daquele ano, ela assinou, junto ao então ministro da Economia, Domingo Cavallo, um decreto de corte de 13% nos benefícios de aposentadoria que excedessem os $ 574 (na época, eram pesos/dólares, devido à taxa de câmbio fixa de um para um).
Na campanha, Bullrich afirmou que “o objetivo é acabar com o kirchnerismo”, a facção peronista fundada pelos ex-presidentes Néstor e Cristina Kirchner, atual vice-presidente do país. No entanto, ela precisaria dos votos dos kirchneristas se chegasse ao segundo turno e enfrentasse Milei.