A Academia ama filmes que fazem referência à história do cinema e dramas históricos. Será mesmo?
“Não, Não Olhe” e “A Mulher Rei”, esnobados pelo Oscar e por outras importantes premiações, se contrapõem às narrativas de sempre
Por Lucas Santana para cobertura colaborativa da Cine NINJA
Uma das revelações da nova geração de Hollywood, o cineasta Jordan Peele, conquistou o Oscar de Melhor Roteiro Original com seu longa-metragem de estreia, o filme Corra! (Get Out, 2017), além de ter recebido indicações a Melhor Filme e Melhor Direção. No ano seguinte foi indicado a Melhor Filme como um dos produtores de Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman, 2018). Entretanto seus filmes seguintes, Nós (Us, 2019) e Não, Não Olhe (Nope, 2022) não tiveram o mesmo êxito nas premiações, e ao observar o caso deste último, junto com A Mulher Rei (The Woman King, 2022), com direção de Gina Prince-Bythewood e protagonizado por Viola Davis, podemos fazer algumas reflexões.
Seguindo a trilha do terror e do suspense, gêneros que lhe deram visibilidade, Peele apresenta com “Não, Não Olhe” um filme metalinguístico, instigante, que articula em sua narrativa temas como o racismo, política e a história do cinema. Depois do sucesso de público e crítica da série Lovecraft Country, da qual foi Produtor Executivo, seu filme mais recente figurava entre algumas listas de expectativas para os indicados na atual temporada de premiações, o que não veio a se cumprir. Mas por quê?
Há décadas a Academia recebe críticas por não haver diversidade entre seus indicados. O movimento #OscarSoWhite (“Oscar Tão Branco”, em tradução livre) teve início em 2015 e entre os motivos estava o fato de que naquele ano não havia pessoas negras entre as indicadas nas categorias de direção e atuação. Selma (2014), por exemplo, da diretora negra Ava Duvernay, retrata um episódio importante da biografia de Martin Luther King, líder da luta pelos direitos civis da comunidade negra estadunidense. A obra foi indicada a Melhor Filme e vencedora na categoria de Melhor Canção Original, sendo ignorada em todas as outras categorias.
O histórico de racismo da premiação é longo, e nos últimos anos tem havido esforço para que, aquela que é considerada a maior festa do cinema, não seja uma festa apenas para alguns. Ainda assim, é possível identificar algumas lacunas no que diz respeito à sua postura antirracista, como as presenças e ausências entre os indicados na cerimônia, ano após ano. Nesse caso, o que pode ser dito sobre os ausentes “Não, Não Olhe” e “A Mulher Rei” quando tomamos como referência a relação do Oscar com outros filmes sobre a história do cinema ou dramas históricos?
É importante ressaltar que dificilmente apenas um único motivo está por trás da ausência de um filme ou artista entre as indicações para a estatueta dourada. O período do ano em que o filme foi lançado e o investimento do estúdio na campanha de divulgação para os votantes são alguns deles. Mais recentemente, com a baixa audiência da cerimônia de premiação, os campeões de bilheteria têm ganhado cada vez mais espaço nas principais categorias.
Entretanto, não podemos perder de vista que historicamente existem grupos que são invisibilizados em espaços de prestígio e poder, e a Academia, com seus votantes e premiados, é um deles.
A Academia que consagrou vitoriosos filmes como Coração Valente, Gladiador, O Discurso do Rei, O Artista, Argo e Birdman (além de quase premiar La La Land), ignora completamente duas importantes obras lançadas no último ano. Nem nas categorias técnicas, nas quais eles possuem visível e sonoro destaque positivo, foram lembrados. Não é coincidência que ambos, “Não, Não Olhe” e “A Mulher Rei” compartilhem um olhar diferenciado para questões amplamente já abordadas em Hollywood. Seja a história do cinema, ou a história da colonização europeia nas Américas, os dois títulos o fazem pela perspectiva negra e no caso do último, também pelo prisma das mulheres. Não é coincidência que ambos não tenham sido “convidados para a festa”.
A Mulher Rei, inspirado em eventos reais, ao narrar a jornada da general Nanisca e os conflitos internos do reino do Daomé, apresenta de maneira contundente a complexidade de alguns dos diferentes grupos étnicos africanos, e como os conflitos internos no continente foram intensificados pela presença colonizadora dos europeus.
O conjunto de mulheres não está apenas no grupo de guerreiras liderados por Nanisca (Viola Davis), mas também por trás da tela, sendo uma produção com mulheres responsáveis por funções de destaque, como roteiro, fotografia, montagem e direção.
Quando a história do cinema não é apresentada como uma ode à Hollywood, ou de maneira nostálgica, como em A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, 2011) ou o drama histórico não está dedicado a reforçar o heroísmo branco-estadunidense / branco-europeu, como em A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty, 2012) e Até o Último Homem (Hacksaw Ridge, 2017), o Oscar olha para essas produções sem enxergá-las, sistematicamente invisibilizando-as.
“Infiltrado na Klan”, dirigido por Spike Lee, inclusive, é uma das exceções que confirmam a regra. Com uma filmografia extensa e amplamente elogiada, o diretor teve sua primeira indicação como diretor depois de 42 anos de carreira. Até hoje nenhuma mulher negra foi indicada à categoria de Melhor Direção. Como destaca uma matéria do Los Angeles Time, não é apenas o Oscar, mas todo o ecossistema de premiações que está falhando, sobretudo com as mulheres negras.
Com uma narrativa sobre uma invasão extraterrestre, Jordan Peele toca em seu filme numa questão fundamental a respeito de Hollywood. A história do cinema foi edificada por meio de uma estrutura racista e é preciso destruir suas engrenagens e assumir o poder na construção de novas imagens, de outras perspectivas sobre histórias já contadas, e outras tantas ainda desconhecidas. Esta parece ser, também, uma das motivações que mobilizam a existência de A Mulher Rei. O Oscar, apesar dos esforços, continua sendo alienígena.
Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2023