Macri enfrenta a pior crise política desde que assumiu a presidência da Argentina
Texto: Coletivo Passarinho Apesar de ter eleito maioria de apoiadores nas últimas eleições legislativas, reformas antipopulares têm levado mutidões às ruas contra a sua política de governo. Na tarde de ontem (14/12), dezenas de milhares de trabalhadores, estudantes e aposentados reuniram-se nas proximidades do Congresso Argentino, em Buenos Aires, para repudiar a reforma previdenciária […]
Texto: Coletivo Passarinho
Apesar de ter eleito maioria de apoiadores nas últimas eleições legislativas, reformas antipopulares têm levado mutidões às ruas contra a sua política de governo.
Na tarde de ontem (14/12), dezenas de milhares de trabalhadores, estudantes e aposentados reuniram-se nas proximidades do Congresso Argentino, em Buenos Aires, para repudiar a reforma previdenciária que estava para ser votada. Estiveram presentes os movimentos sociais, territoriais e estudantis, as principais centrais sindicais da Argentina (Confederção Geral do Trabalho – CGT e Central dos Trabalhadores da Argentina – CTA), o sindicato representativo dos servidores públicos (ATE), o sindicato dos docentes (SUTEBA), as associações de aposentados, as diversas organizações kircheneristas (entre elas o Movimento Evita), os partidos de esquerda (PTA, PO e MST), as organizações de Direitos Humanos e muitos cidadãos que se solidarizaram com a manifestação e foram para a rua.
O Congresso e suas imediações estavam cercados por grades, colunas de mais de mil policiais que usavam balas de borracha, gás lacrimogênio e caminhões com jatos d´agua para reprimir os manifestantes. A operação foi integrada pelas polícias federal, da cidade de Buenos Aires e de segurança aeroportuária. A dimensão da operação foi considerada inédita desde a transição democrática do país.
A escalada da repressão policial na Argentina ascendeu consideravelmente no último semestre, com dois assassinatos de Estado no sul do país (de Santiago Maldonado e Rafael Nahuel), ambos casos relacionados ao avanço consentido pelo governo sobre terras reinvindicadas pelo povo originário Mapuche. As manifestações convocadas contra tais assassinatos também foram duramente reprimidas. Nesta semana, a situação de exceção chegou ao seu ápice com a repressão da manifestação pacífica organizada dentro da Semana de Ação Global Fora OMC, na última terça-feira.
Na tarde de ontem, até mesmo alguns deputados da oposição foram atacados pela força repressora. A deputada da Frente para a Vitória, Mayra Mendoza, foi agredida com gás de pimenta enquanto tentava atravessar o cerco policial para ingressar no Congresso. A quantidade gás utilizada foi tão grande que o ar nas imediações do Congresso se tornou irrespirável: era comum ver mulheres, trabalhadores e idosos caídos no chão com dificuldades para respirar. Todos se protegiam como podiam, especialmente com as camisetas sobre o nariz e a boca. Mesmo assim, o povo se manteve aí por horas, debaixo de um sol que fazia 36°C e de nuvens de gás lacrimogêneo.
Quando a rua soube que a sessão havia sido suspensa, a alegria tomou conta das pessoas. Era o momento de cantar e fazer soar o bumbo, característica tradicional das manifestações na Argentina. Vitórias, ainda que passageiras, têm que ser comemoradas. Mas a comemoração durou quase nada: a polícia avançou sobre a praça quando já não havia nenhum conflito e foi jogando bombas e atirando com balas de borracha sobre o povo, em um trajeto de aproximadamente 500 metros, entre a Praça do Congresso e a Avenida 9 de Julho.
O ato já havia terminado, mas se iniciava um novo operativo policial, o que, absurdamente, tem se tornado corriqueiro na Argentina: a caça a manifestantes individuais e também a jornalistas quando já estão a caminho de casa ou dirigindo-se a outros destinos. À noite, as organizações de direitos humanos, especialmente a CORREPI (Coordenação contra a Repressão Policial e Institucional), estiveram de plantão, buscando localizar os aproximadamente 30 detidos, garantindo assessoria legal e realizando vigílias pela liberação dos presos.
A marcha de ontem e os acontecimentos no plenário da Câmara de Deputados produziram fissuras no bloco governista, integrado pelo partido do presidente Maurício Macri (PRO), Coalizão Cívica (CC) e União Cívica Radical (UCR). A oposição ao governo recusou-se a sentar-se no plenário, o que fez com que a sessão não tivesse o quórum necessário para a votação. A suspensão da sessão deu-se por iniciativa da deputada Elisa Carrió, que lidera a Coalizão Cívica. Ela não somente requereu a paralisação dos trabalhos legislativos como criticou duramente a Ministra de Segurança do governo, Patricia Bullrich. Disse que não eram necessários tantos policiais e que a ministra tinha que parar.
Os principais meio de comunicação, alinhados com o chefe de gabinete, Marcos Pena, davam sua versão sobre os fatos. Um grupo de pessoas violentas e desrespeitosas estaria ameaçando as instituições democráticas e o processo legislativo. Já o governo havia agido de forma correta para garantir a paz social. O imaginário do piqueteiro, baderneiro, que tanto assusta os setores médios e altos argentinos, é difundido à exaustão, construindo um ambiente de deslegitimação da mobilização popular.
O Presidente avaliou a possibilidade de aprovar a reforma, ainda ontem, por meio de um Decreto Nacional de Urgência (DNU), o equivalente às Medidas Provisórias no Brasil. Na coletiva de imprensa da CGT, o secretário-geral Héctor Daer foi claro: “se o governo aprova a reforma por DNU, a CGT vai para a greve geral”. Carrió, do bloco governista, também discordou das intenções de Macri em um posto no Twitter: “um DNU violaria gravemente a Constituição Nacional e nós juramos respeitar a Constituição Nacional”.
Na tarde desta sexta (15/12), o Presidente Macri reúne-se com governadores provinciais para buscar uma solução para o impasse. Os governadores peronistas romperam o pacto com o governo que implicava em repasses de parte dos valores economizados com a redução das aposentadorias para as províncias, uma vez que não foram capazes de impor aos deputados dos partidos que votassem as medidas claramente impopulares. Ao que tudo indica, a intenção do governo é retomar a sessão legislativa na segunda-feira.
Os Argentinos têm uma longa tradição de se mobilizar no calor de dezembro. No emblemático dezembro de 2001, quando os pobres da região metropolitana de Buenos Aires se uniram em mobilizações massivas à classe média que havia tido seus depósitos bancários retidos, a crise política foi tão grave que o país teve cinco presidentes diferentes em duas semanas. Desde então, os dezembros são comumente conflitivos, com mobilizações contra os cortes de luz, contra a carestia e por bônus salariais e assistenciais de Natal. Este ano ao que parece não será diferente, a manifestação de ontem acendeu a chama de um mal estar profundo. Dezenas de milhares gritaram: “Com os velhos não!”. Basta saber se as ruas terão força suficiente para mudar o tabuleiro político do país, uma vez que Macri consolidou sua força nas eleições legislativas de outubro.