Carol Duarte construiu uma trajetória que transita com firmeza entre o teatro, o cinema e a televisão, sempre marcada por escolhas artísticas consistentes e personagens de forte impacto simbólico. Desde a estreia no audiovisual em A força do querer — papel que atravessou o imaginário do público e ajudou a ampliar debates sobre representatividade — até trabalhos no cinema brasileiro e em produções internacionais, sua carreira reflete atenção ao tempo histórico e às transformações sociais que atravessam o Brasil contemporâneo.

Em entrevista exclusiva, Carol fala sobre formação, memória e responsabilidade artística, revisitando experiências como A vida invisível, de Karim Aïnouz, e refletindo sobre o cinema como ferramenta de diálogo político e sensível. A atriz, que atualmente pode ser vista no filme La chimera (Alice Rohrwacher), disponível na plataforma FILMICCA, também comenta os desafios de atuar em outros idiomas, apresenta detalhes de seus próximos projetos — entre eles o filme Eva e a nova temporada da série Os outros — e reafirma a arte como espaço de escuta, vínculo e permanência.

Ivan foi muito marcante em A força do querer e na teledramaturgia brasileira. Como foi o impacto desse trabalho para você?

Eu comecei a fazer oficinas de teatro na adolescência, em São Bernardo do Campo (SP), e depois fui estudar na SP Escola de Teatro, onde fiz muito humor. Em seguida, entrei na Escola de Arte Dramática da USP. Minha formação foi voltada para o teatro. O Ivan foi meu primeiro trabalho no audiovisual e teve uma importância gigante na minha trajetória. Já se passaram quase dez anos, e me sinto feliz por ter começado no audiovisual em uma novela com o Rogério Gomes, que foi um grande parceiro.

Naquele momento, vivíamos um contexto muito diferente do atual, e muitas coisas foram devidamente transformadas de lá para cá. Quem manda no desenrolar de uma novela em horário nobre é o público, e o Ivan conseguiu sobreviver na trama justamente por conta disso: o público estava do lado dele. Não se sabia como seria o desenvolvimento do meu papel, porque, em muitos casos, personagens da comunidade LGBTQIAPN+ sofrem repressões e simplesmente desaparecem — vão viajar e nunca mais voltam, morrem de repente ou perdem espaço na narrativa. Com o avanço do debate sobre transfake, entendo perfeitamente a reivindicação e faço coro.

Como foi trabalhar com Karim Aïnouz em A vida invisível?

Fazer a adaptação de um livro é bem diferente. Eu já tinha lido o livro da Martha Batalha antes de começarmos a filmar, e os roteiristas Murilo Hauser e Inés Bortagaray fizeram escolhas muito interessantes para transformar a história em cinema.

As duas personagens principais, que são irmãs, sofrem de maneiras diferentes com o machismo da época: uma sai de casa, a outra fica. No fim das contas, as duas se ferram.

Começar no cinema com um diretor como o Karim Aïnouz, que é um dos maiores diretores deste país e vem construindo uma trajetória incrível — que eu já acompanhava —, foi maravilhoso. Karim é um diretor muito vivo, inspirador, empolgado, e nossa relação no set foi muito forte. Guardo várias recordações das filmagens que acho que nunca vou esquecer, e diversas pessoas que conheci durante a gravação permanecem na minha vida até hoje.

O set dele é extremamente concentrado e exige muito foco de quem está ali, no que estamos produzindo. Não havia espaço para ficar conversando, mexendo no telefone ou se distraindo. Isso me ajudou muito a mergulhar no trabalho.

Todos os papéis que fiz depois também são impossíveis de esquecer, mas o primeiro filme é, de fato, mais especial.

O audiovisual é uma ferramenta importante para discutir questões políticas?

Discutir questões políticas é, sim, uma das coisas que o cinema pode fazer. No Brasil, temos acompanhado isso de forma bastante explícita.

Os dois filmes que ganharam mais repercussão recentemente — Ainda estou aqui (Walter Salles) e O agente secreto (Kleber Mendonça Filho) — falam sobre um período específico do país e sobre o esquecimento. O cinema vem trabalhando para trazer nossa memória de volta, e é uma alegria ver que o Brasil está respondendo a isso de forma democrática.

Como atriz, acredito que podemos jogar luz sobre determinadas questões e, de maneira sensível, apresentar perspectivas. A arte, além de ser um respiro para a alma, é importante para a sanidade de uma sociedade, para que a gente consiga se entender, reconhecer a necessidade de vínculo e comunicação.

Qual é o maior desafio de uma carreira internacional?

A língua. Eu nomeio as coisas em português, traduzo o mundo para o português. Em outra língua, seja o italiano ou o inglês, chegar ao ponto de sentir sem ter uma “lombada de tradução” dentro de mim exige mais atenção e trabalho. É um desafio, mas também me dá certo prazer.

Acabei de concluir meu segundo trabalho em outro idioma, chamado Eva, e esse foi o maior desafio: manter a qualidade sem precisar me traduzir o tempo inteiro. Quando a gente aprende outra língua, aprende também como outro mundo funciona. É uma aventura que não é só linguística.

Sobre o que se trata Eva?

Eva é um filme em italiano — acho que sou a única estrangeira do elenco. Dou vida à personagem-título, uma protagonista um pouco controversa, escrita e dirigida por Manuela Rossi. É uma personagem que carrega uma dor muito profunda. Não quero dar spoilers, mas ela tem uma relação com algo celeste, com o qual se comunica, e vai, de certa forma, cometendo desmedidas. No julgamento dela, não se trata de excesso, mas de uma espécie de justiça.

É a primeira personagem que interpreto cujas ações não consigo defender.

Quais serão seus próximos lançamentos?

Filmamos a terceira temporada da série Os outros em 2025, e a previsão é que estreie na Globoplay ainda no primeiro semestre de 2026.

Também tem Eva, que estreou agora no Festival de Cinema de Turim, mas ainda não há data definida para chegar ao Brasil.

Outro projeto é o filme Tempo da delicadeza, dirigido por Eduardo Nunes, que tudo indica que será lançado em 2026, se tudo der certo.

Além disso, sigo circulando com o espetáculo A vista, com apresentações mais pontuais, já que o audiovisual demanda mais agenda.