No dia 16 de dezembro de 2025, o Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará (UFPA) sediou uma audiência pública para a apresentação dos resultados de uma pesquisa científica sobre a qualidade da água do Rio Gurupi. O encontro reuniu pesquisadores, autoridades públicas, representantes do sistema de justiça, comunidade acadêmica e lideranças quilombolas da região de fronteira entre o Pará e o Maranhão.

Promovida pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Interculturais Pará-Maranhão (GEIPAM/UFPA), em parceria com o Instituto de Estudos Costeiros (IECOS/UFPA), a audiência teve como objetivo socializar os dados do estudo e contribuir para a análise dos impactos ambientais e sociais ao longo da bacia do Rio Gurupi. Na região, estão localizadas comunidades quilombolas como Itamoari, Ariramba, Bela Aurora e Camiranga.

“Este foi um momento fundamental de diálogo com as instituições públicas. A pesquisa nos permite compreender se já há contaminação por mercúrio e discutir, de forma conjunta, quais medidas podem ser adotadas para enfrentar esses impactos”, afirma a professora Dra. Vanderlúcia Ponte, coordenadora do GEIPAM/UFPA.

Pesquisa científica orienta o debate institucional

Durante a audiência, foram apresentados os principais resultados do estudo, com explicações sobre os procedimentos metodológicos, os pontos de coleta e os dados analisados. A exposição buscou oferecer uma leitura técnica da situação ambiental do Rio Gurupi, fundamentada em evidências científicas, e foi acompanhada por representantes de diferentes órgãos e instituições públicas.

A pesquisa também evidenciou como a dinâmica do rio contribui para a dispersão dos impactos ambientais ao longo de toda a bacia hidrográfica, afetando territórios, ecossistemas e populações que dependem diretamente desse sistema.

“O Rio Gurupi funciona como um transportador. Tudo o que é lançado nele acaba sendo levado ao longo da bacia. No caso do garimpo, a contaminação por metais pesados, principalmente o mercúrio, pode alcançar diferentes ambientes, incluindo o manguezal, afetando espécies e a população”, explica o professor Dr. Nils Asp, pesquisador do IECOS/UFPA.

Comunidades quilombolas no centro da escuta

Ao longo da audiência, foram apresentados dados técnicos laboratoriais sobre a presença de mercúrio no solo, nos rios, na vegetação e na fauna aquática. Para as lideranças quilombolas presentes, a audiência pública representou um espaço de escuta e reconhecimento, no qual o conhecimento científico dialogou com as experiências vividas no território.

“A partir do que foi apresentado aqui, conseguimos enxergar caminhos sobre como seguir adiante. Foi um momento em que tivemos voz para dizer o que está nos atingindo”, afirma Madalena do Carmo, secretária da Associação Quilombola de Itamoari.

A consulta prévia abre caminhos

Diante das informações apresentadas pela comunidade científica e pelas populações tradicionais, bem como dos relatórios técnicos divulgados, a promotora de Justiça Ione Nakamura destacou que os dados permitem compreender a gravidade dos efeitos que a exploração do garimpo tem provocado na vida das comunidades e nos territórios afetados.

Foto: Daryl Hannah

“Os dados científicos apresentados evidenciam impactos concretos sobre os territórios quilombolas. Diante disso, é fundamental que as comunidades sejam protagonistas dos processos decisórios, com políticas públicas construídas de forma coletiva, a partir da consulta e do diálogo no âmbito do território e do Estado”, afirma Ione Nakamura, promotora de Justiça Agrária da 1ª Região de Castanhal, do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA).

Garimpos violam o direito dos quilombolas à consulta

Ao expor os desafios identificados, a promotoria destacou a importância da presença de quilombolas nas universidades como estratégia de fortalecimento dos territórios. Segundo a promotora de Justiça, o acesso ao conhecimento científico contribui para a formação técnica das comunidades, amplia a capacidade de diálogo com as instituições e fortalece a participação qualificada nos processos decisórios que impactam seus direitos.

Ao final da audiência, foram definidos quatro encaminhamentos: a elaboração do Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada, com vistas ao consentimento das comunidades quilombolas da região; a criação de um fórum permanente de discussão sobre a saúde das populações do Rio Gurupi; o fortalecimento do diálogo entre ciência, instituições públicas e territórios; e a continuidade do acompanhamento institucional sobre o tema, a partir da bacia hidrográfica do Rio Gurupi, que abrange municípios dos estados do Pará e do Maranhão.