Por Fernanda Lagoeiro e Yasmim Cunha

Esmeralda Cardoso, de 48 anos,  é conhecida na região metropolitana de Belém como “Esmeralda Bahia”: foi mãe aos 17 e tem duas filhas (uma de 18 e outra de 31 anos), é artesã, pedagoga e defensora da agricultura familiar.

“Nós, aqui, vivemos do açaí”, conta Esmeralda, lembrando que vem de longa data a sua dedicação à geração de renda para mulheres que buscam na sustentabilidade sua independência financeira; por volta de 20 anos, tempo em que ela atua voluntariamente na Associação Natureza e Arte, ao lado dos pais, que lhe ensinaram a importância de preservar a natureza e cuidar do território.

“Cuidar do nosso território é cuidar para as espécies e gerações futuras”, completa, destacando o valor de oferecer alimentos de qualidade, sem veneno, ar puro e saúde para todos.

Esmeralda Bahia em seu trabalho voluntário. Foto: Arquivo pessoal

Mas o caminho não é fácil. A família de Esmeralda enfrenta perdas de produção devido a eventos climáticos, falta de infraestrutura e problemas logísticos, como o desaparecimento da rabeta utilizada para transporte. 

A escassez de água potável e a proliferação de doenças, como a dengue, aumentam ainda mais aos desafios da região. Ainda assim, a paixão pelo território e o compromisso com a sustentabilidade se mantém inabalável.

“Enquanto eu viver, desejo cuidar deste planeta com amor. Nosso trabalho é amor pela vida, e quero deixar um legado para a minha família”, afirma Esmeralda. 

Já no Sul do país, em outra região, o laço da resiliência se mantém. Tereza de Jesus é uma mulher quilombola da cidade de Canguçu, no Rio Grande do Sul, e líder do coletivo estadual de mulheres quilombolas. Ela enfrenta as mudanças climáticas e os riscos ambientais em seu território, articulando a defesa de recursos naturais, o fortalecimento de redes locais e a transmissão de saberes ancestrais para as novas gerações, visto que existem 16 comunidades quilombolas no estado. 

Em maio de 2024, o Estado do Rio Grande do Sul, no extremo sul do Brasil, enfrentou o pior desastre climático de sua história, deslocando mais de 500.000 pessoas. Com a voz firme e serena, Tereza narra os desafios enfrentados por sua comunidade diante de inundações no Rio Grande do Sul, ressaltando a importância do diálogo entre comunidade, órgãos de gestão de risco e sociedade civil. “Aprender sobre resiliência climática não é só para me proteger, é para proteger todas as nossas casas, nossos rios, nossos saberes”, diz Tereza.

Durante as enchentes, ela conseguiu ajuda externa e mobilizou 18 mil cestas básicas, que distribuiu viajando três meses pelo estado. “Eu via na mídia as capitais, mas não via o meu povo. Para a gente, é existir para resistir. Da onde eu venho, a ajuda demora a chegar ou não chega”, desabafa. 

Tereza de Jesus durante workshop do Mulheres Pela Resiliência Climática. Foto: Bruno Koch

E tanto Esmeralda quanto Tereza são retrato de um problema maior que nem as estatísticas escondem mais: as mulheres estão entre as mais afetadas pelos impactos das mudanças climáticas, incluindo enchentes, secas e ondas de calor. 

Segundo a ONU Mulheres, até 2050, as mudanças climáticas podem levar até 158 milhões de mulheres e meninas à pobreza e 236 milhões à fome, impactando desproporcionalmente países do Sul Global, como o Brasil. Quando se trata de eventos climáticos extremos, 80% das pessoas deslocadas pela crise climática são mulheres. Além disso, crianças e mulheres têm 14 vezes mais chances de morrer em desastres agravados pelo clima.

Apesar da vulnerabilidade intensificada pelas crises climáticas, as mulheres são líderes poderosas na resposta e adaptação às mudanças climáticas em suas comunidades. No entanto, muitas vezes, faltam recursos, capacitação e redes de influência para ampliar seu impacto e acessar espaços de tomada de decisão. Além disso, essas mesmas mulheres enfrentam desafios contínuos devido à escassez de políticas públicas de apoio, à falta de dados desagregados por gênero sobre o clima e à limitação de financiamento. Isso sem fazer um recorte racial, o que intensifica ainda mais o problema se tratando de mulheres negras e indígenas. 

E qual a solução? 

O primeiro passo se dá, muitas vezes, pela sociedade civil, em iniciativas como o programa Mulheres Pela Resiliência Climática, da organização ecofeminista EmpoderaClima.

O programa realizou workshops de capacitação em resiliência climática nas cidades de Belém, Porto Alegre, Recife — locais brasileiros que, mais do que pontos no mapa, simbolizam a vulnerabilidade diante das crises climáticas. 

O Mulheres Pela Resiliência Climática é resultado do Prêmio Beautiful Forces da Vital Voices (da ONG de Hilary Clinton), e encontrou terreno fértil para cultivar liderança feminina, justiça de gênero e fortalecimento comunitário. A EmpoderaClima foi única organização brasileira premiada, utilizando o recurso da premiação para realizar três workshops de capacitação, com a meta de formar mulheres de diferentes territórios e histórias (indígenas, negras, periféricas, LGBTQIA+ e mães solo) capazes de enfrentar as emergências climáticas a partir da base.

“Esses workshops não são apenas oficinas; são espaços de troca, reflexão, ação, e muitas vezes até de desabafo”, afirma Fernanda Lagoeiro, voluntária na equipe do programa. As atividades incluíram rodas de conversa, dinâmicas, oficinas práticas e discussões sobre políticas públicas e defesa civil, contando com a participação de autoridades locais, especialistas em clima e gênero, além de lideranças comunitárias, algumas beneficiadas com bolsas-auxílio para participar.

A ideia é que estratégias de enfrentamento às crises climáticas sejam integradas, inclusivas e eficientes. Foram cerca de 100 mulheres capacitadas, abordando gênero, justiça climática, gestão de riscos, resiliência comunitária e autocuidado. Nos próximos meses, o programa vai virar uma base de dados online.

Iniciativas como essa se mostram ainda mais importantes em ano de COP30, na qual, inclusive, o Ministério das Mulheres anunciou o novo Protocolo de Proteção às mulheres em emergência climática, uma iniciativa inédita dada a gravidade da questão. 

As diretrizes anunciadas estabelecem seis eixos centrais: a produção de dados desagregados por gênero, raça, etnia, idade e deficiência; a prevenção e eliminação da violência de gênero em contextos de crise; a garantia de abrigos seguros, acesso à saúde, direitos sexuais e reprodutivos e apoio psicológico; além do fortalecimento da liderança feminina nos espaços de governança climática.

O ministério explicou que o protocolo, atualmente em elaboração, vai passar por um processo de validação e consulta pública antes de sua publicação final.

Segundo a ministra Márcia Lopes, “não haverá justiça climática sem justiça de gênero”, destacando que as mulheres “não são apenas as mais afetadas pela crise climática, mas também guardiãs de soluções inovadoras e sustentáveis”. As declarações foram dadas em nota oficial da Secretaria de Comunicação Social do Governo Federal (SECOM) durante a COP30. A ministra também ressaltou que a construção do protocolo envolve movimentos sociais, comunidades tradicionais e populações vulneráveis, enfatizando que o documento se baseia em uma abordagem participativa e territorializada, conforme informou o Ministério das Mulheres em seus comunicados oficiais.

Em tempos de tantas emergências ambientais e desigualdade social, a mudança pode começar de baixo, mas atingir horizontes cada vez mais amplos — e são as mulheres, muitas vezes em silêncio, que carregam o protagonismo dessa transformação.