Por Angel Duarte e Paulo Gama

Na Cidade Velha, território de muitas histórias, uma nova narrativa se inscreve: a de corpos dissidentes que resistem, brilham e reescrevem o futuro. No dia gratuito do Festival Psica, na sexta-feira (12), a Ball Corpo Dourado chegou à sua segunda edição criando um legado ao tomar conta do palco Karretinha e transformar o centro histórico de Belém em uma verdadeira passarela.

Organizada pela Haus of Carão e pela Ballroom Pará, a Ball Corpo Dourado transformou a Cidade Velha em um grande espetáculo da ballroom amazônica, reunindo manas, monas, bixas, travas, corpos periféricos e negros que encontram no vogue, na performance e na moda um espaço de afirmação, afeto coletivo e sobrevivência.

Para Gato Maniva, da Casa de Maniva — a casa em atuação mais antiga da cena ballroom em Belém —, a Ball representa um processo contínuo de fortalecimento da cultura ballroom no Pará e no Norte do país. “É um grande orgulho fazer parte desse movimento e fortalecer cada vez mais a cena ballroom junto com a Haus of Carão. A cena vem crescendo dentro da cidade e do estado, e temos fomentado conversas com outros municípios, como Altamira e Santarém, para engajar mais pessoas da comunidade e espalhar a palavra da ballroom pelo Pará”, afirma.

A expectativa em torno da Ball Corpo Dourado é altíssima. Segundo Gato, ela se tornou um dos momentos mais aguardados do ano pela comunidade. “A Corpo Dourado é a Ball mais esperada. As pessoas se preparam desde janeiro, pensando no look, na performance, na produção. O Psica é o maior festival do Norte, e todo mundo quer descer grande pra esse dia”, conta.

A segunda edição da Ball Corpo Dourado contou com seis categorias, grand prize e prêmios em dinheiro, reafirmando a força da cena ballroom amazônica. Ao som do DJ set de Diana 007, jurades como International Legendary Prada De Abloh, Rubi 007, Mother Coytada Carão, Overall Founding Father Hian Maniva e Princess Demétria Carão acompanharam performances marcadas por muita beleza e entrega.

Passarela, identidade e território

Entre as categorias, uma ganhou destaque especial: Passinho do Treme. Para Gato Maniva, essa modalidade reafirma a identidade nortista dentro da ballroom. “O Treme é muito importante porque insere na ballroom a nossa identidade enquanto paraenses, bregueiros, tremedores. A cultura ballroom também é isso: misturar, jogar o corpo, trazer essa identidade mais animal, mais feroz. Elas não saem de casa pra qualquer coisa. Quando saem, é pra barbarizar”, afirma.

As categorias também celebraram beleza, moda e ancestralidade. Face com Revelação: Golden Face exaltou, no brilho dourado, os traços da pele preta. Runway Up in Pumps: Amazônia Diva trouxe referências a divas amazônicas sobre saltos altos. Batekoo: Fera Amazônica incendiou a passarela com rebolado, funk, brega funk, kuduro e animal print. Já Fashion Killa: Rainha do Cunt transformou o Psica em um concurso de exuberância inspirado nas matas, enquanto Vogue Performance: Cunt Paraense celebrou as veteranas e as cores da bandeira do Pará.

Brilhar também é resistir!

Para quem está nos bastidores, a Ball também representa um gesto político de ocupação e visibilidade. Anastasia Marshelly, da produção de backstage do Psica, destaca a importância do festival em criar espaços reais para a comunidade LGBTQIAPN+. “O Psica é uma produção 100% paraense. A gente se reencontra nos rostos dos artistas e da produção. Trabalhar aqui é se ver no palco e nos bastidores”, afirma.

Foto: Paulo Gama

Segundo ela, a presença da ballroom no festival reafirma corpos historicamente apagados da cena cultural. “A produção artística sempre esteve no imaginário associada à comunidade trans, pela criatividade, mas esse lugar de palco sempre nos foi negado. Agora somos nós fazendo nossa história, produzindo nossa cultura e mostrando nosso jeito. Isso é maravilhoso”, destaca.

Em uma Amazônia atravessada por violências contra corpos LGBTQIAPN+, a Ball Corpo Dourado reafirma que existir, brilhar e festejar também é luta. Em uma realização do Festival Psica, da Haus of Carão e da Ballroom Pará, a Ball chega potente em sua segunda edição, consolidando Belém como território de criação, liberdade e futuro para corpos que sempre resistiram.