por Emiliano Graziano, Diretor de Desenvolvimento Institucional do Instituto Fome Zero

Enquanto as manchetes globais se perdem nas complexas negociações sobre metas de emissões e financiamento climático, entendo que um legado mais profundo e transformador emergiu da COP30: a reinserção, definitiva e irrevogável, das pessoas no centro do debate sobre as mudanças climáticas. O sucesso desta conferência não será medido apenas em gigatoneladas de carbono, mas no reconhecimento de que não há solução para o planeta que não passe pela justiça social, pelos sistemas alimentares saudáveis e pelo saber dos povos tradicionais e da agricultura familiar.

Durante décadas, nosso sistema alimentar global se desconectou radicalmente da natureza. Transformamos a produção de comida em uma linha industrial a céu aberto, marcada pela tripla ou quádrupla monotonia: monoculturas extensas, poucas espécies cultivadas, paisagens homogêneas e uma dieta global padronizada. Os mosaicos produtivos — que outrora coloriam nossas paisagens com biodiversidade e resiliência — deram lugar a longos campos uniformes, vulneráveis e ecologicamente pobres.

Contra essa lógica desgastada, a COP30 em Belém se tornou um palco de contrapontos potentes. No coração da Zona Azul, o Restaurante da Sociobio tornou-se um símbolo vivo desse novo paradigma. Ele não apenas serviu mais de 4 mil refeições por dia, mas o fez com um compromisso radical: todos os ingredientes foram adquiridos de pequenos agricultores e de comunidades próximas, estabelecendo a chamada cadeia curta. O cardápio — composto por comida não ultraprocessada, sucos de frutas nativas e saladas frescas — era a prova prática de que um sistema alimentar saudável, saboroso e sustentável é possível. Essa iniciativa materializou a decisão governamental de que todos os restaurantes da COP comprariam da agricultura familiar, traduzindo discurso em pratos de comida de verdade.

Esse não é um gesto simbólico, mas a semente de uma transformação necessária. Os dados nos confrontam: 92% das cooperativas da Unicafes já desenvolvem ações de sustentabilidade, mostrando que a base produtiva está se movendo. Ainda assim, persistem contradições gritantes, como o fato de que 91% do Pronaf na Amazônia Legal ter sido destinado à pecuária — um modelo que pressiona a floresta, onde 32% do desmatamento ocorre dentro de assentamentos.

A solução, como ficou claro na COP, é reconhecer que trabalhar com a agricultura familiar é trabalhar de forma territorial. Não se trata de subsidiar, mas de co-criar. Como bem pontuou uma pesquisadora, ao questionar o futuro desejado pelos agricultores, a resposta não se resumiu a tecnologia; incluiu lazer, descanso e qualidade de vida. Esse anseio por dignidade é o motor de qualquer transição justa.

A presidência brasileira deu clareza à urgência dos financiamentos para adaptação — tema vital para quem já sente os impactos climáticos no campo. E aqui, aprendemos com o passado: o sucesso do projeto Fome Zero nos mostra que a transformação só é real quando é participativa, com protagonismo de agricultores, poder público, academia e sociedade civil caminhando juntos. Esta é a essência da sociobioeconomia — um termo que, longe de ser um jargão vazio, representa uma “estante nova para livros velhos”, valorizando saberes ancestrais com novas ferramentas.

O caminho à frente é desafiador. A agitada Zona Verde, as diversas Casas paralelas promovidas por movimentos e organizações sociais, a Cúpula dos Povos, o Banquetaço e a Marcha Global pelo Clima, com mais de 70 mil pessoas, demonstraram a força mobilizadora da sociedade civil. Mas esta COP também revelou dissonâncias — iniciativas bem-intencionadas, mas desconectadas de sua própria agenda, como o caso do patrocínio das latas de água por uma empresa de cerveja. A lição é clara: as pessoas se mobilizam por comida de verdade, não por soluções de marketing.

É crucial lembrar que cada dólar investido em prevenção economiza ao menos cinco em perdas e danos. E, ainda assim, não há recursos suficientes no Fundo de Perdas e Danos da ONU. A conta não fecha se não atacarmos a raiz do problema.

A COP30 nos deixou uma lição indelével: daqui em diante, não será mais possível falar de clima sem incluir as comunidades e os sistemas alimentares saudáveis. Apoiar a agroecologia e reconectar nossos sistemas alimentares à natureza não é uma pauta paralela; é a agenda central para combater a fome e garantir um futuro habitável. A COP deve ser vista não como um momento, mas como um processo. E esse processo, felizmente, agora tem o rosto, as mãos e a voz de quem alimenta o mundo: o pequeno agricultor.