‘Aprender a Sonhar’ celebra a ancestralidade no espaço acadêmico
Produção independente baiana convida o espectador a refletir sobre as experiências de diferentes comunidades no acesso à universidade pública
Por Duda Araújo
Muito mais que um filme, “Aprendendo a Sonhar”, a nova produção de Vítor Rocha, é um manifesto visual sobre a realidade de jovens quilombolas, indígenas e periféricos na trajetória rumo ao ensino superior nas universidades brasileiras. A narrativa viva e pulsante é contada em seis anos de filmagens, entre 2016 e 2022, em meio a profundas transformações e desafios políticos no Brasil.
Vítor Rocha, jornalista de formação e cineasta por paixão, dirige o longa com a sua produtora independente, Caranguejeira Filmes. Embora a produção tenha começado em 2016, a temática das políticas de ações afirmativas estava em seu radar desde a graduação. Do jornal-laboratório da faculdade ao seu ingresso no mercado de trabalho, Vítor dedicou seu jornalismo aos debates acerca da implantação de cotas nas universidades públicas.
“Eu sempre acreditei que esses espaços da universidade tinham que ser mais democratizados. Com a representatividade do que a população ali, dentro desses espaços de conhecimento. Eu achava que era importante dar luz também e importância a esse debate, porque ele devia realmente ser implantado e hoje eu defendo que as cotas sejam ampliadas”, conta.
A sua bagagem jornalística, aliada a um extenso trabalho documental, registra uma transformação real no caminho dos personagens durante a trajetória acadêmica. Nadjane Cristina, ex-moradora de ocupação, Ana Paula Rosário, vítima da violência urbana, Marina Barbosa, quilombola, e Taquari e Tamiwere Pataxó, indígenas, são as jornadas que o longa acompanha após o ingresso desses jovens na universidade pública através da Lei de Cotas.
Com poderosos relatos pessoais, o filme se finca como um manifesto coletivo que expõe a realidade do acesso ao ensino superior em diferentes comunidades e territórios. É um protesto contra as desigualdades históricas e sociais e um lembrete de que ocupar a universidade é, também, um ato político.
“É fundamental que o cinema independente e baiano continue se conectando com essas lutas históricas e contemporâneas”, enfatiza Vítor Rocha.
Mas o documentário não apenas mostra essas lutas, como também envolve o espectador em uma experiência simbólica e estética profunda com a ancestralidade. Durante as gravações, o acontecimento da celebração Aragwaksã no território Pataxó trouxe luz para o princípio originário de sonhar com outras cosmovisões.
A natureza também se integrou à narrativa, mas não como um puro elemento estético, e sim como personagem. Esse fator trouxe uma dimensão simbólica que reforça que o propósito do filme não é simplesmente retratar as conquistas acadêmicas, mas também celebrar o conhecimento ancestral e comunitário que torna possível uma reconfiguração do eurocentrismo presente nas universidades. O documentário propõe que o saber ancestral é essencial para ampliar e renovar o espaço acadêmico.
“Não é coisa do passado, o presente e o futuro são ancestrais mesmo. Está do nosso lado, é só a gente olhar”, reflete Vítor.

A recepção do filme nas salas de cinema tem sido bastante significativa. O longa rodou diversas cidades ao redor do Brasil, em espaços culturais e salas de cinema independentes. Sessões especiais com debates com as comunidades retratadas no filme geraram momentos especiais e de troca enriquecedora após as exibições. Além das exibições públicas, o filme foi premiado na Mostra Sesc de Cinema 2025 e também foi selecionado para festivais internacionais, como o Bollywood International Film Festival (BIFF), que acontece em Mumbai, na Índia.
Rocha relembra a importância do cinema como um espaço onde o espectador se dedica à experiência coletiva e reforça a necessidade de frequentar salas de cinema e apoiar filmes independentes em tempos onde o streaming toma lugar.
Como um manifesto poético, “Aprender a Sonhar” emerge como uma obra que emociona e conscientiza, fortalecendo identidades e resgatando a filosofia ancestral que tantas vezes é invisibilizada. É um convite para agir, reivindicar a universidade enquanto um espaço onde todos possam existir e, enfim, sonhar.



