A cura pelo afeto e a poesia visual de ‘O Filho de Mil Homens’
Sobre como a força do amor pode transformar o mais ferido dos humanos
Por Jonas Moura
Acabei há poucos dias “A máquina de fazer espanhóis”, do autor Walter Hugo Mãe. Esse foi meu primeiro contato com a escrita original e sensível do celebrado escritor português, que muito me despertou o interesse por seu trabalho. Portanto, assim que a produção da Netflix “O filho de mil homens” estreou, não demorei para assisti-la.
O filme é baseado no livro homônimo do autor. E, embora eu não o tenha lido, pude reconhecer com facilidade, em suas cenas, o estilo literário e a linguagem particular de Walter. Sem dúvidas, uma habilidade adquirida a partir da minha leitura atual, que tem me feito mergulhar na mente extraordinária de um célebre artista que domina como poucos a arte de concatenar as palavras e fazê-las atravessar o mais duro dos corações.
Dirigido por Daniel Rezende, “O filho de mil homens” é uma adaptação cinematográfica que carrega uma exuberância visual e poética admirável. Para muito além da bela história, o filme triunfa porque também consegue nos transportar para dentro de si e da vida daqueles personagens tão peculiares e cativantes. Transformando-se em um convite imediato à leitura.
É inevitável não sentir as dores e as alegrias dos quatro personagens principais que conduzem a trama. Aos poucos, e tendo como pano de fundo cenários que mais parecem quadros em movimento, somos apresentados a Crisóstomo, Camilo, Isaura e Antonino. Bem como às suas histórias de vida. Ao que promoveu o encontro e a formação de uma família que não tem como base da sua origem os laços sanguíneos.
Uma jornada sobre cura e acolhimento. Sobre como a força do amor pode transformar o mais ferido dos humanos. Essa sensibilidade transposta para a tela é o que faz com que o filme ganhe tanta força. Há beleza e poesia em cada minuto. Tanto que, não à toa, o próprio Walter, em entrevista, enalteceu o esplendor da película brasileira.
Do ponto de vista técnico, a produção tem muitos acertos, e a fotografia de Azul Serra é um dos grandes destaques. Ela é responsável pela imersão mágica na pequena vila perto do mar onde um homem de quarenta anos desiste da solidão e passa a buscar o amor. Para ajudar a contar essa trajetória, ainda temos um elenco competente e entregue ao seu ofício. Composto por nomes já conhecidos do grande público, como Rodrigo Santoro, Grace Passô e Johnny Massaro, além das gratas surpresas Rebeca Jamir e Miguel Martines.
A literatura de Walter invade as telas para nos ensinar sobre o amor e o afeto. E há muito o que se aprender, pois não é possível ler ou assistir a “O filho de mil homens” sem sair ileso. Sem se questionar sobre como lidamos com nossas próprias dores e com quem as compartilhamos na vida. Mergulhamos em um mar de solidão para, em seguida, emergirmos em uma superfície tomada pela compaixão humana. Um respiro em meio ao receio da possibilidade de não acreditarmos mais na humanidade.



