Com o fim da COP 30: E você, já pensou no seu privilégio climático?
Não é irônico que tenha pegado fogo dentro da COP 30?Que as pessoas que estavam lá, discutindo o futuro climático do mundo tenham sentido o calor de um incêndio quase na pele?
por Paula Cunha para a Cobertura Colaborativa Mídia Ninja da COP 30
Não é irônico que tenha pegado fogo dentro da COP30? Que as pessoas que estavam lá, discutindo o futuro climático do planeta, tenham sentido o calor de um incêndio quase na pele? Impedir que o fogo comece é muito mais fácil do que impedir que ele se alastre.
Sábado acordei para fazer um exame no laboratório. Nove da manhã e já fazia 30 graus. Na noite anterior, quando fui dormir, fazia 16. Eu queria colocar uma bermuda, mas o ar-condicionado do laboratório é muito forte e eu ia passar frio — as pessoas que trabalham lá só usam manga comprida. Saí de casa de calça com aquele solão na cara; as pessoas correndo na rua, levando seus cachorros, e a moça que vende água de coco na Sumaré atendendo dois clientes na barraca, num espaço quase sem grama, mas coberto de árvores. Mesmo assim, o bafo era fortíssimo.
Quando voltei para casa, duas horas depois, o sol já estava mais fraco e o céu cheio de nuvens. Entrei, coloquei minha bermuda e saí de novo com o casaquinho de vó que tinha levado para o laboratório, porque o dia já estava nublado e pesado. Passou um tempo e começou a chover. Eu vesti o casaquinho e, mesmo assim, ainda senti frio: o dia já não era mais o mesmo de quando acordei, e agora fazia 22 graus.
Fiquei preocupada com a chuva porque estava muito quente antes e eu moro no fim de uma ladeira — ou seja, a rua da minha casa alaga. Se viesse uma pancada de verão, podia ser que eu precisasse ficar mais tempo que o planejado no sacolão, porque não teria como entrar no prédio com a rua alagada; o portão simplesmente não abre. Não é à toa que você sai na rua e encontra gente de vestido, outra de calça e casaco, outra de gorro e regata (na porta do laboratório): as pessoas não sabem mais o que vestir porque não sabem como vai estar o tempo. E ninguém quer passar mal de calor ou de frio. Eu sei que o que eu passo é fichinha, mas ano passado um homem morreu na rua ao lado da minha porque foi levado pela água e caiu dentro de um bueiro igual ao que tem na porta da minha casa.
Logo nos primeiros dias da COP30, li sobre as pessoas lidando com as chuvas fortes no final da tarde e como o calor e a umidade tinham mudado os looks de quem estava lá trabalhando. Tinha gente que nunca tinha visto uma umidade como a de Belém. Provavelmente o chanceler da Alemanha. Falta saneamento básico nas áreas periféricas da cidade. “Querem que a gente fique com o cocô dos ricos.” Daqui a pouco só vai ter açaí em Miami. O calor resseca até o açaí.
Os impactos da crise climática não são homogêneos, não são iguais para todo mundo — e é aí que o privilégio começa. É uma crise de direito, e quem sofre são as pessoas. Sabe quem mais sofre com os deslocamentos por causa do clima? As mulheres, que acabam em empregos de remuneração menor quando se mudam ou presas em casa cuidando da família quando decidem ficar, mesmo com as intempéries. As mulheres estão acostumadas a cuidar.
A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, lembra: “Eu tenho um amigo que costuma brincar sobre a temperatura no Rio de Janeiro. Se você está no Complexo da Maré, faz 45 graus. Se você chega no Flamengo, está 30, 35 graus. A gente brinca com isso, mas essa é a realidade.” Os menos afetados têm menos pressa na resolução dos problemas.
A gente sabe que o mundo não vai acabar, né? Quem vai acabar é a humanidade — e quanto antes a gente pensar nisso para correr atrás do prejuízo, melhor. Porque, enquanto isso, a vida só tem ficado mais difícil.