Por Daryl Hannah, para a Cobertura Colaborativa NINJA COP30

Durante a COP30, em um encontro marcado pela força ancestral, pela articulação política e pela presença viva das tradições afro-amazônicas, a Audiência Pública da Década dos Povos Afrodescendentes reuniu comunidades tradicionais, juventudes, pesquisadores, gestores públicos e organizações parceiras para debater os avanços e desafios do ciclo instituído pela ONU entre 2015 e 2024. Realizada em um clima de escuta ativa e construção coletiva, a atividade reafirmou o papel central dos povos afrodescendentes na formulação de políticas públicas voltadas à igualdade racial, à educação afrocentrada e à justiça climática.

A voz do território e a força da ancestralidade

O coordenador da Rede Afroambiental, mestre Aderbald Ashogun, destacou a força espiritual do território e a necessidade de recolocar a ancestralidade no centro das discussões sobre crise climática. “Viemos em viagem pelas águas do Rio Amazonas, do Amapá para Belém, defumando e cantando porque entendemos que este é um momento de cura preventiva. Não queremos esperar o resultado da perfuração de petróleo na bacia do Rio Amazonas; por isso, viemos com nossa medicina fortalecer essa entidade que é o Rio Amazonas, essa entidade que é Oxum. Viemos para esta COP ensinar que a natureza é sagrada, que a natureza é a nossa grande mãe. É fundamental retomarmos os debates sobre ancestralidade e crise climática, precisamos entender que a natureza é sagrada  e sentir isso”, explica ele.

Foto: Mídia NINJA

O espaço foi pensado como um momento de balanço histórico, mas sobretudo de projeção. Os participantes enfatizaram a urgência de fortalecer a proteção territorial e a valorização dos saberes tradicionais como pilares para enfrentar a crise climática que atinge de forma desigual as populações negras e periféricas. O encontro também consolidou, buscando garantir protagonismo às comunidades de matriz africana nas negociações climáticas internacionais.

Educação afroclimática e enfrentamento ao racismo ambiental

A professora da UFRJ e parceira da Rede Afroambiental, Márcia Cabral, destacou os avanços recentes da rede. Segundo ela, as formações e debates realizados ao longo dos encontros reforçaram a importância de registrar oficialmente a potência dos povos de terreiro. “Firmamos um protocolo de cooperação técnica para criar a Escola Mãe Beata de Iemanjá, voltada à formação afroclimática e à educação ambiental baseada nos saberes tradicionais”, afirmou. A iniciativa também prevê estratégias de enfrentamento ao racismo ambiental a partir das epistemologias dos povos de matriz africana e de terreiro.

Professora da UFRJ e parceira da Rede Afroambiental, Márcia Cabral / Foto: Daryl Hannah

Um dos destaques da programação foi o momento “Arte como Oferenda”, que trouxe ao público uma vivência sensorial e espiritual com a presença de Mestres, grupos tradicionais e coletivos culturais, entre eles Ekedi Fabiola Machado, Samba de Bumbo Nhô Arruda, Camila Barbosa, Batuque do Malocão do Pedrão, Herdeiros do Marabaixo de Campina Grande, Quilombo do Rosa e o MOJAAP – Movimento de Jovens Afrodescendentes do Amapá. As apresentações, permeadas por cantos, ritmos e instrumentos sagrados, mostraram que a arte ancestral não é apenas celebração estética: é ferramenta política, pedagógica e civilizatória.

Ancestralidade como tecnologia de cuidado e reparação

Foto: Daryl Hannah

Ao longo da audiência, a noção de ancestralidade ocupou papel central. Lideranças destacaram que os territórios tradicionais, as corporeidades rituais e os instrumentos de matriz africana carregam memórias e tecnologias de cuidado que apontam caminhos para a reparação climática. Para muitos participantes, reconhecer o valor desses saberes é condição para romper com o racismo ambiental e garantir respeito às comunidades que historicamente preservam a floresta e suas dinâmicas de vida.

A advogada e jovem mestra da Rede Afroambiental, Larissa Grazielle, chamou atenção para a situação de vulnerabilidade enfrentada pelos terreiros na Bahia. Segundo ela, o grupo realizou uma peça jurídica que denuncia as irregularidades e os constantes atos de violência contra casas tradicionais. “Os terreiros da Bahia têm sofrido agressões físicas, morais e culturais por pessoas que não aceitam a presença dessas comunidades perto de suas casas. É racismo religioso, e isso precisa estar no centro das discussões, como trazemos nesta conversa de direitos humanos”, afirmou.

A juventude também se fez presente com vigor. Representantes de coletivos jovens reforçaram a necessidade de ampliar a participação nos processos de decisão e defenderam uma educação afrocentrada que valorize a identidade, a espiritualidade e a história dos povos negros. Segundo eles, enfrentar os efeitos da emergência climática depende de políticas voltadas à equidade e ao protagonismo de quem vive diretamente os impactos da destruição ambiental.

Foto: Mídia NINJA

Espiritualidade, política e futuro do planeta

Ao final, o encontro reafirmou uma mensagem contundente: a luta dos povos afrodescendentes é inseparável da luta pelo futuro do planeta. Entre espiritualidade, política e territorialidade, a audiência mostrou que a cultura de matriz africana não só resiste, ela aponta alternativas de mundo capazes de frear o colapso climático e orientar novos caminhos de justiça, memória e pertencimento para as próximas gerações.