Na COP30, Braskem exibiu discurso verde enquanto vítimas do maior crime ambiental do país seguiram silenciadas
A empresa adotou o discurso de liderança sustentável, consolidando a narrativa do greenwashing.
Por Layla Alves e Jhessyka Fernandes, para a Cobertura Colaborativa NINJA COP30
A COP30, carinhosamente apelidada de COP da Implementação, chamou atenção pela presença da Braskem como patrocinadora e participante ativa em duas mesas — apesar de ser responsável pelo crime socioambiental que provocou o afundamento de cinco bairros em Maceió e o deslocamento forçado de quase 60 mil pessoas.
A empresa adotou o discurso de liderança sustentável, consolidando a narrativa do greenwashing — quando instituições buscam apresentar uma imagem “verde” em contrapartida à verdadeira atuação, pouco sustentável e, muitas vezes, resultante em desastres sociais.
Em seus canais oficiais, a Braskem vendeu a falácia do “ambiente regulatório favorável”, maquiando sua atuação passada na qual, conforme a investigação da CPI da Braskem realizada em 2024, foi comprovada a falsificação de relatórios e a omissão na adoção de medidas preventivas a desastres. Foram aproximadamente 60 mil pessoas deslocadas de suas casas por conta do colapso do solo, comprometendo até hoje o mercado imobiliário da cidade e colocando a capital no topo da lista de municípios com o metro quadrado mais caro do país.
A companhia, que se autointitula “protagonista” na transformação industrial rumo à transição para o baixo carbono, anunciou na terça-feira (11), junto ao governo de Alagoas, um acordo no valor de R$ 1,2 bilhão que será pago ao longo dos próximos dez anos. A Associação do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) relembrou, em postagem publicada nas mídias sociais, o esquecimento do governo em relação ao “valor de R$ 30 bilhões estimados pelo próprio Estado” referentes aos danos totais aos moradores — valor ainda considerado baixo por especialistas e pela população afetada.
Em nota oficial, a MUVB também apontou que as negociações excluíram os moradores: “O que se esperava como gesto de justiça converte-se em renúncia de direitos coletivos, firmado sem debate público, sem transparência e sem respeito àqueles que carregam as consequências do crime socioambiental todos os dias.” Além disso, a Associação lembrou que o governo estadual criticou o “modelo excludente” da prefeitura de Maceió, comandada pelo prefeito JHC, nas negociações de ressarcimento às vítimas — embora tenha seguido a mesma linha.
Enquanto isso, áreas inteiras hoje pertencem às mesmas pessoas que as tornaram inabitáveis. E as pessoas afetadas pela tragédia premeditada são re-traumatizadas pela falta de empatia e pela exclusão em debates sobre o que elas sofreram e ainda sofrem.
7 anos de perdas em Maceió

Em 2018, moradores do bairro do Pinheiro e de áreas próximas perceberam o surgimento de rachaduras nas construções. Pouco tempo depois, tremores que atingiram 2,4 mR na escala Richter foram registrados, provocando medo na população. No ano seguinte, o Instituto do Meio Ambiente (IMA) cancelou a licença ambiental concedida à Braskem, em resposta ao relatório técnico do Serviço Geológico do Brasil, que expôs a desestabilização das cavidades da extração de salgema em decorrência da mineração desordenada.
Os afundamentos e deformações na superfície da região ganharam espaço na mídia nacional. A Braskem, então, anunciou o fechamento definitivo das minas. Desde então, toda a população que habitava os bairros do Pinheiro, Mutange e Bebedouro sofre com as consequências de uma mudança abrupta nos territórios onde construíram e investiram toda uma vida.
Em 2023, novos tremores foram registrados e parte da mina 18 rompeu. O movimento do solo registrado nos dias anteriores ao rompimento foi de 13 cm, e o dano estrutural do que é considerado o maior crime ambiental em área urbana no país atingiu 20% do território de Maceió, comprometendo, além das famílias afetadas, a oferta de serviços básicos — como educação e saúde —, prejudicando o trânsito da região e a saúde mental de milhares de civis.
A Braskem, que iniciou as atividades na região na década de 1970, quando ainda se chamava Salgema, ignorou protestos de maceioenses que repudiavam a mineração no local: a atuação da empresa poderia resultar na poluição irreversível do santuário ecológico, base do complexo estuarino-lagunar Mundaú-Manguaba, e prejudicar toda a comunidade pesqueira do entorno — do Pontal da Barra.
Atualmente, a população encontra dificuldades no acesso aos documentos resultantes das negociações com a empresa, tanto por parte da Prefeitura de Maceió como por parte do Governo do Estado de Alagoas — que, desde a eclosão do crime ambiental, teve sua maior cadeira ocupada pelos governadores Renan Filho (MDB), Klever Loureiro (sem partido) e Paulo Dantas (MDB).
A ironia do discurso da COP na Amazônia
O governo federal, que disponibiliza um pequeno guia de como identificar greenwashing, se propôs a apoiar exatamente o que critica. Oferecer espaços para empresas que possuem histórico de degradação socioambiental enquanto grupos e organizações não conseguiram estar presentes devido às inúmeras problemáticas estruturais que cercaram a COP30 define exatamente o que se conhece por greenwashing.
Não é a primeira vez que a Braskem adota essa estratégia maquiavélica: em 2023, a mineradora foi patrocinadora do Big Brother Brasil, um dos programas de maior audiência da televisão. Durante o reality show, a empresa buscou promover práticas sustentáveis, construindo o imaginário de uma instituição preocupada com o meio ambiente e empenhada em “tornar o mundo mais verde”, com ações como a reciclagem.

Vale lembrar que, em 2023, a mineradora desistiu de participar da COP28 em meio a críticas sobre sua hipocrisia, após a repercussão do colapso em Maceió se expandir nacionalmente. Enquanto isso, bairros fantasmas — resultantes da remoção dos moradores — estavam abarrotados de lixo, escombros e pedaços de vidas.
Onde está o lugar das vítimas na COP30? Ou será que todas as cadeiras já foram ocupadas por aqueles que causaram danos irreparáveis, mas têm dinheiro suficiente para cobri-los?
Sobreviventes sem um lar para onde voltar
Lavínia Padilha Monte é advogada e ex-moradora do Pinheiro. Ela contou como foi ter que abandonar o único lar que conheceu, onde morava com o pai, o irmão mais velho e a avó: “Primeiro veio aquela sensação de insegurança, de não saber ao certo o que iria acontecer, embora já imaginássemos que algumas casas poderiam ser desabitadas, mas não tantas. Mais adiante, fomos informados de que teríamos que sair, pois a área poderia colapsar a qualquer momento.”
Relembrando a ansiedade e o desgaste mental que a situação causou, além da instabilidade no conforto e na segurança da família, Lavínia relata que sua casa foi uma das últimas a ser desocupada: “Acabei vendo e ouvindo muita coisa acontecer. No começo, teve gente que nem esperou aviso; saiu logo de casa, morrendo de medo do que pudesse acontecer. Muita gente se mudou no desespero e muita gente também acabou ficando doente, tanto pelo estresse de abandonar o lugar onde viveu a vida toda quanto pelo medo de a casa desabar. As casas que ficavam vazias eram alvo de assaltos, porque ninguém conseguia levar tudo de uma vez. Eu mesma cheguei a ver uma pessoa pulando o muro da casa ao lado da minha, que já estava desocupada havia um tempo, mas mesmo assim entravam. Com o passar do tempo, a situação só piorava, pois a gente tinha medo de sair e, quando saía, ficava pensando se, na volta, ia encontrar tudo intacto ou se teria sido invadido por bandidos. Portanto, o bairro ficou mais inseguro, aumentou a quantidade de mosquitos e apareceu até gambá. Foi um processo muito difícil e cheio de tensão do começo ao fim.”
Monte foi obrigada a deixar sua casa em 2022, após 20 anos de moradia. Ao sair, o lugar estava praticamente irreconhecível: sem o calor das pessoas que te conhecem desde pequena, sem as conversas no mercadinho da esquina, sem a segurança de ter um lar. Apenas sujeira, dor e sensação de despejo — mãos atadas, órfã da própria história. A nova casa não tem desenhos nas paredes, não tem o mesmo vizinho de sempre, não fica na rua cujo caminho até as rodas do carro conheciam. É apenas um alívio imediato diante de uma ferida profunda, que não se resolve apenas com indenizações.
Perguntada sobre sua perspectiva diante da presença da Braskem em um evento como a COP30, Lavínia respondeu: “Muita indignação, principalmente por tudo que a gente viu acontecer ao longo desses anos, desde o momento do primeiro tremor de terra que desencadeou toda essa situação. É revoltante ver a empresa se promovendo com discurso de sustentabilidade, enquanto aqui em Maceió tantas famílias sofreram e ainda sofrem por conta do desastre ambiental que fez todo mundo que habitava os bairros afetados se mudar.”
A ganância compensa?
A palavra “acidente”, de acordo com o dicionário Oxford, significa “acontecimento casual, fortuito, inesperado; ocorrência”. Essa definição claramente não pode ser aplicada à situação causada pela petroquímica, já que, segundo documentos oficiais, a empresa ignorou exigências de monitoramento mais rigorosas em suas minas.
A punição, entretanto, não parece condizente com o ato. A Braskem, como supracitado, realizou indenizações às vítimas do desastre causado pela mineração exacerbada da empresa. Segundo Monte, o pagamento consistiu em danos morais — cada pessoa do núcleo familiar recebia um valor — e o valor definitivo do imóvel era destinado ao proprietário.
Mas o preço que a empresa colocou nessas histórias, além dos seus acordos com autoridades, causou repúdio nas famílias afetadas, que tentam reconstruir suas vidas com a quantia ofertada e com sonhos quebrados nos bolsos.
Enquanto isso, a Braskem segue lucrando e expandindo sua presença no mercado. Além de ser dona dos imóveis desocupados, a mineradora “saltou na B3 com a expectativa de novo acionista e programa de subsídios”, segundo matéria do InfoMoney de 19 de novembro deste ano. A empresa obteve alta nas suas ações nesta quarta-feira (19) por conta da transferência da participação da Novonor/Odebrecht para a IG4 Capital e da aprovação do PL 892/2025, que tem como objetivo criar o programa PRESIQ de subsídios para a indústria química nacional.
A empresa cresce, empurrando o que fez para debaixo do tapete, como uma lembrança ruim que deve ser esquecida. Mas os maceioenses enfrentam as consequências dessa ganância até hoje. O ressarcimento não cobre totalmente o dano causado: as memórias, a vida como costumava ser, jamais voltarão.
“Eu praticamente vivi a vida toda ali. Foram várias coisas deixadas para trás — os momentos em família, os da infância, os vizinhos e as confraternizações feitas em conjunto, além da rotina de sempre. Então, foram várias histórias vividas nesse local. Fica para trás aquela sensação de pertencimento”, lamenta Lavínia.
Resistência e cuidado: o povo pelo povo
Se os comandantes no poder falham ao cuidar do seu povo, o povo não tem opção a não ser cuidar de si mesmo. Em meio ao colapso ambiental provocado pelas ações da Braskem, moradores dos bairros afetados se mobilizam para ajudar uns aos outros — e também aos animais.
Entre as iniciativas está o SOS PET PINHEIRO, movimento criado em 2019 que visa fornecer cuidados aos animais abandonados nas áreas afetadas pelo afundamento do solo. De acordo com a organização, já foram mais de 700 animais resgatados e, no momento, há mais de 70 que ainda buscam um novo lar. Os bichinhos, em sua maioria gatos, variam entre poucos meses de vida e 14 anos de idade.
A gente foi feliz aqui é um projeto criado pelo artista visual Paulo Accioly, ex-morador do Pinheiro, que colocou imagens em preto e branco, utilizando a técnica lambe-lambe, das vítimas nas paredes quebradas — trazendo uma mensagem clara: aquilo não era só concreto, cimento e tijolo. Era gente. Ainda é gente.

Durante entrevista ao Portal Pepper, Accioly contou como surgiu a ideia da iniciativa: “Morei no bairro por aproximadamente cinco anos, até me mudar para a França. Quando voltei, meus pais já tinham se mudado do bairro. A ideia veio da aflição de acompanhar de longe o drama dos meus pais tentando conseguir outra casa para morar, no meio do caos da pandemia e da especulação imobiliária gerada pelo problema. E, além disso, a falta de informações. Era quase impossível saber o que estava acontecendo; a mídia não divulgava o problema”, disse.
O trabalho de Paulo também ganhou um documentário de mesmo nome, que conquistou diversos prêmios, como Melhor Filme pelo Júri Oficial na 12ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano e Melhor Direção no 1º Festival de Cinema de Arapiraca.
No fim, o que sobra?
O silenciamento dos ex-moradores do Pinheiro ocorre de maneira sistemática. Aqui, no entanto, o protagonismo vai para aqueles que tiveram que reconstruir toda a sua vida, carregando pedaços da própria história e deixando parte de si para trás. Desta vez, são as palavras de uma vítima que narram a história.



