Por Yasmin Henrique, para a Cobertura Colaborativa NINJA COP30

A música, tradicionalmente associada ao entretenimento e à expressão artística, vem se consolidando como ferramenta de conscientização ambiental e engajamento climático. O papel do setor musical na defesa do planeta é cada vez mais visível, refletindo a urgência de uma crise climática global que se intensifica a cada ano. A recente COP30 reforçou a necessidade de mobilização em todos os setores da sociedade, incluindo o da cultura, para enfrentar as mudanças climáticas.

A organização sem fins lucrativos REVERB, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), atua unindo músicos, festivais e casas de shows com o objetivo de tornar a música ao vivo mais sustentável. A entidade parte da premissa de que a música pode inspirar sentimentos, engajamento e ações em prol do planeta, transformando o espetáculo em catalisador de mudança social e ambiental.

Ações implementadas pela REVERB

A REVERB promove a sustentabilidade na música por meio da eliminação de garrafas descartáveis, uso de alimentos locais e biodiesel, do #RockNRefill (2,4 milhões de garrafas eliminadas desde 2013) e da campanha unCHANGEit, que reduz e compensa emissões de CO₂. A organização também cria “Aldeias de Ação” em eventos, conectando fãs a parceiros como o PNUMA e promovendo compromissos como o #CleanSeas.

Lauren Sullivan, cofundadora e codiretora da REVERB, destaca que a organização atua há mais de 15 anos na sustentabilidade das turnês, mobilizando fãs e artistas. “A crise climática é a questão mais urgente da atualidade. A comunidade musical pode ser uma força motriz de mudanças positivas”, afirma Sullivan.

Elisa Tonda, chefe da Unidade de Consumo e Produção do PNUMA, reforça que saúde humana e saúde ambiental estão interligadas, e que a música pode inspirar estilos de vida sustentáveis, ao mesmo tempo em que reduz impactos ambientais. Artistas como Jack Johnson e a Dave Matthews Band atuam como Embaixadores da Boa Vontade do PNUMA, participando de campanhas que resultaram na redução de 121 milhões de libras de CO₂ e na eliminação de 478 mil garrafas descartáveis de água em suas turnês.

Crise climática e a indústria musical

Crises ambientais ao longo da história sempre impulsionaram a atuação de artistas, mas a emergência climática contemporânea tornou-se uma pauta central. Relatórios recentes, como o do Creative Industries Policy & Evidence Centre, apontam avanços da indústria musical em direção à neutralidade de carbono, e campanhas como Music Declares Emergency, apoiadas por mais de três mil artistas britânicos, reforçam o compromisso ambiental do setor, embora a produção de “hinos climáticos” ainda seja limitada, segundo pesquisadores.

Um levantamento do Medium em 2024 indica que a década de 1990 registrou um pico de lançamentos musicais com temática ambiental, seguido por um declínio nos anos 2000. No início dos anos 2020, pelo menos 15 músicas abordaram o tema, sugerindo um possível ressurgimento. Eventos históricos, como as preocupações com o DDT no início dos anos 1970, a descoberta do buraco na camada de ozônio em 1985 e a ECO-92, influenciaram diretamente a produção musical. Hoje, a internet e os serviços de streaming facilitam a circulação de músicas climáticas, ampliando seu alcance e potencial de engajamento.

Apesar desse envolvimento, músicos enfrentam críticas devido à própria pegada de carbono do setor. A turnê “Eras” de Taylor Swift, por exemplo, foi alvo de questionamentos pelo impacto ambiental. Em resposta, artistas como Brian Eno e Thom Yorke reconhecem a hipocrisia potencial, mas defendem mudanças sistêmicas em uma economia ainda fortemente dependente de combustíveis fósseis.

Alguns artistas adotam medidas concretas para reduzir impactos. É o caso do Coldplay, que diminuiu em 50% as emissões de sua turnê mundial em comparação à de 2016–17, utilizando biocombustíveis, veículos elétricos e baterias recarregáveis para alimentar shows. No entanto, tais iniciativas demandam grande capacidade financeira, limitando sua aplicação a músicos de maior projeção.

Músicas de denúncia

Nos últimos anos, os músicos passaram a expressar emoções intensas ligadas à degradação ambiental, como desespero, raiva e tristeza, refletindo o aumento das emissões de carbono. O lançamento de HOPELESSNESS (2016), de ANOHNI, com a música “4 Degrees”, é considerado um marco de uma “revolução musical com consciência climática”.

Artistas contemporâneos produzem músicas que imaginam mundos inabitáveis, criam elegias para espécies extintas e usam o pop para evocar desgraça ou indignação, traduzindo a percepção de um futuro crítico. O desafio, contudo, é transformar essa conscientização emocional em ação concreta, algo que só pode ser alcançado com um movimento social amplo e engajamento coletivo.

Entre exemplos internacionais, destacam-se:

  • Feels Like Summer – Childish Gambino: aborda o aquecimento global de forma simbólica.
  • all the good girls go to hell – Billie Eilish: utiliza metáforas apocalípticas sobre queimadas e degradação ambiental.
  • The Seed – AURORA: inspirada em vozes indígenas, reforça a urgência da proteção de recursos naturais.

No Brasil, uma série de obras traduz o envolvimento dos artistas com  a pauta ambiental:

  • Manguetown – Chico Science: destaca a importância dos manguezais.
  • Planeta Água – Guilherme Arantes: clássico da conscientização ambiental.
  • Passaredo – Chico Buarque: alerta sobre a perda de biodiversidade.
  • O Sal da Terra – Beto Guedes: reforça a responsabilidade planetária.
  • Herdeiros do Futuro – Toquinho: música infantil educativa.
  • Xote Ecológico – Luiz Gonzaga: denuncia o esgotamento de recursos naturais.
  • Sobradinho – Sá & Guarabyra: crítica aos impactos de grandes empresas na natureza.
  • Passarinhos – Emicida (feat. Vanessa da Mata): metáfora da liberdade das aves e alerta ambiental.
  • O Rio – Marisa Monte: exalta a importância da água.

A ação coletiva da música também se manifesta em campanhas como Canção pra Amazônia (2021), promovida pelo Greenpeace Brasil com 30 artistas e apoio de líderes indígenas, destacando a devastação da Amazônia e a necessidade de proteção urgente do bioma.

A música, assim, se consolida como uma linguagem capaz de transformar sentimentos em consciência ambiental. Ao refletir sobre a condição humana diante da crise climática, artistas e organizações como REVERB e PNUMA demonstram que é possível unir entretenimento e responsabilidade social.