Ativistas periféricos refletem sobre as barreiras de acesso à COP30
Ativistas relatam sobre a importância e as principais dificuldades da mobilização popular em regiões periféricas.
Por Mica Pereira
A COP30, realizada em Belém, teve a presença significativa de moradores das periferias de todo o país, que exigiram soluções para os desafios impostos pela crise climática em suas regiões. Apesar da forte presença, sobretudo na Cúpula dos Povos e na Marcha das Periferias, que aconteceu nesta quinta-feira (20), ativistas periféricos ainda lutam para que suas vozes sejam ouvidas nas negociações oficiais.
As periferias são os territórios mais afetados pelas mudanças climáticas, sendo o superaquecimento, falta de água, alagamentos e doenças respiratórias devido à má qualidade do ar, alguns dos principais problemas relacionados.
“São muitas faltas e urgências que afetam os territórios diretamente com as injustiças ambientais”, afirma Ju do Coroadinho, moradora da comunidade de Coroadinho, em São Luís, Maranhão, diretora do PerifaConnection e fundadora do Coletivo Mulheres Negras da Periferia.
Para essa conferência, Ju acredita que debater o clima a partir de uma visão plural é essencial, considerando as nuances que envolvem gênero, raça e território, para que, de fato, se tenha justiça climática. Ju ressalta que as soluções estão nas mãos de quem atua nesses territórios, sejam eles as periferias, quilombos ou territórios indígenas.
O PerifaConnection lançou um livro durante a Conferência, chamado “Periferias e o combate ao racismo ambiental”. O trabalho destaca alternativas comunitárias contra o racismo ambiental e critica as “falsas soluções” criadas por quem não pertence a esses espaços.
A COP no Brasil trouxe mais acesso?
Essa é a primeira vez que o Brasil está sediando uma COP, fato que trouxe esperança para que a população civil e movimentos sociais tivessem mais espaço durante as negociações. Mas, na prática, essa aproximação não aconteceu.
A ativista climática Jahzara Ona, moradora da Zona Leste de São Paulo, acredita que existe uma série de fatores que influenciam o afastamento da sociedade civil das áreas de negociação. Ainda, é bastante desafiador obter uma credencial de acesso à Blue Zone, o local onde os debates acontecem. Ou, quando se consegue uma entrada, é apenas com uma credencial de “observador”, o que impede uma participação ativa.
A jovem também acredita que os termos técnicos utilizados nesses debates também dificultam o envolvimento da sociedade nas pautas. Mas, segundo ela, uma das principais barreiras que impedem o acesso a esses lugares ainda é a falta de financiamento.
“Como a gente vai levar a juventude periférica para esses espaços se falta apoio a essas organizações de juventude e aos jovens, de fato? Como eles vão estar lá?” questiona.
O estudo Youth Climate Justice Study , realizado entre 2021 e 2022, mostrou que apenas 0,7% do financiamento para causas climáticas são destinados para a juventude. Os dados também mostram que desse valor, 25% são destinados apenas para jovens baseados na América do Norte, tornando o desafio ainda maior para os jovens de países da América Latina, como o Brasil.
Para Bia Diniz, ativista maranhense, fundadora e diretora executiva da organização Meninas que Brilham, muitos jovens que estão na luta diária pelos seus territórios não conseguiram ir para a COP por não terem recursos financeiros. “Tem vários ativistas que são do Pará, mas não conseguiram estar aqui por questões de financiamento.
Ela ressalta que, apesar da ausência de muitos desses ativistas na conferência, são eles que estão fazendo a diferença em seus territórios e lidando diretamente com os problemas causados pela crise climática. “Nós já utilizamos tecnologias ancestrais para lidar com as questões climáticas, e quando acabar a COP, vamos voltar para nossos territórios para continuar tentando adiar as consequências das mudanças climáticas”, afirma.
Para além das dificuldades impostas para que os moradores das periferias cheguem até a COP, alguns ativistas também relatam que existe falta de diálogo com as comunidades de Belém, levando essas pessoas a compreenderem a conferência apenas como um “evento”, sem ligação direta com as suas rotinas.
“Eu estava lanchando na comunidade em que estou me hospedando e ouvi alguns moradores dizerem ‘vamos lá na COP pegar brinde, estão dando coisas de graça’”, conta Zag, ativista urbano de Manaus. Ele acredita que esse grande volume de distribuição de produtos é um dos artifícios que tira o foco das discussões principais e afasta a população das pautas importantes.
Em um dos dias de negociação, ele relembra que, junto com outros ativistas de Manaus, conseguiu um espaço dentro da Green Zone para fazer um debate sobre as questões climáticas nas periferias, mas que, em meio a tantas coisas, iniciativas como essas não chegam às pessoas e não interessam às autoridades.
“A nossa pauta é superimportante, é algo falado em vários cantos do mundo, mas nós não estamos sendo ouvidos. E quando temos a oportunidade de falar, as pessoas não querem escutar”, diz.
O papel das manifestações externas
Depois de três anos sem mobilizações em COPs que foram sediadas em países não democráticos, as ruas de Belém se tornaram cenário de pressão social. “É uma mega oportunidade para moradores da periferia estarem juntos, pressionando e sendo ouvidos, mesmo sem estar na mesa oficial”, afirma Jahzara.
As manifestações nas ruas são um ponto em que todos eles convergem, e mesmo em meio às dificuldades, a juventude periférica tem se tornado cada vez mais engajada. A nossa juventude não está abrindo portas, ela está arrombando portas”, afirma Bia.
“Aqui fora temos a oportunidade de levar um pouco das nossas experiências e luta pelas mudanças climáticas e outras questões”, diz Zag. Mas ele também ressalta a importância de que as vozes periféricas sejam ouvidas também pelas pessoas que possuem o poder de liberar recursos. “É dessa maneira que vamos conseguir seguir firmes. E estamos tentando mudar esse cenário”, diz.



