Fóssil do Dia: Dos EUA à União Europeia, mais nações “conquistam” antiprêmio
Nações são alvo de crítica de rede internacional de organizações, por atrapalharem progresso nas negociações
Jorge Fagundes, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30
As negociações da COP30 revelaram mais do que divergências: escancararam uma crise de liderança global quando o assunto é ação climática. E assim, países como o Japão, Reino Unido, Estados Unidos, Indonésia, Nova Zelândia, Canadá e a União Europeia entraram na mira da rede ativista Climate Action Network (CAN International).
Esses países foram premiados com o tradicional troféu Fóssil do Dia por atrapalhar os rumos das negociações, por ausência, omissão ou mesmo recuo, quando o mundo esperava era o progresso nas negociações.
Enquanto comunidades mais vulneráveis à crise climática pedem respostas – ao tempo em que a temperatura global segue batendo recordes e eventos climáticos extremos se tornam mais frequentes – essas nações muitas vezes vistas como referências geopolíticas deixaram clara a distância entre discurso e prática.
O resultado é um efeito cascata perigoso, capaz de desorganizar negociações, reduzir ambições e desestimular países menores a assumir compromissos mais fortes. Como diz a CAN, esses países levam o Fóssil do Dia para casa, por “fazer o máximo para alcançar o mínimo” e por se “esforçarem para serem os piores”.
Em reportagem anterior já destacamos as premiações do Japão e Reino Unido. Então, apresentamos aqui novo balanço que traz novos premiados. Confira a seguir.
Estados Unidos: premiados “in absentia” pela paralisia no financiamento climático
O troféu entregue “in absentia” aos Estados Unidos não foi apenas simbólico: expôs o impacto concreto da maior economia do mundo se mostrar reticente em uma conferência decisiva. A CAN Internacional apontou que o país, historicamente o maior emissor do planeta, chegou à COP sem representação efetiva e sem apresentar novos aportes significativos para o Fundo de Perdas e Danos, frustrando expectativas de países vulneráveis. A organização ironiza que o governo norte-americano “fala em ambição, mas entrega muito pouco”, especialmente em um momento em que o financiamento internacional é decisivo para viabilizar adaptação e mitigação.
Quando um país com a capacidade financeira e histórica dos EUA não apresenta novos aportes ao Financiamento Climático, o recado enviado é devastador. A ausência norte-americana não paralisa apenas fundos, paralisa a confiança!
Sem clareza de que receberão apoio, nações em desenvolvimento hesitam em assumir metas mais ambiciosas, temendo não ter recursos para implementá-las. Além disso, a falta de protagonismo dos EUA permite que outros países também recuem, sob a lógica de que “se nem eles fazem, por que nós deveríamos fazer?”.
O vazio criado pela ausência dos EUA desequilibra negociações e compromete o ritmo coletivo da COP. Em um cenário em que cada fração de grau importa, omissões têm efeitos multiplicadores.
Indonésia: retrocessos no combate ao desmatamento e dependência do carvão
A Indonésia foi premiada por recuar em compromissos ambientais e seguir impulsionando a expansão da indústria do carvão, indo na contramão da transição energética global. Quando um dos maiores produtores de carvão do planeta ignora compromissos internacionais, isso reforça o discurso de países que também dependem de combustíveis fósseis. A Indonésia acaba, assim, funcionando como um “escudo político” para nações que querem postergar suas transições.
Apesar de abrigar uma das maiores florestas tropicais do mundo, o país mantém taxas elevadas de desmatamento e incentiva atividades que pressionam ecossistemas críticos. Para a rede de ação climática internacional, o governo indonésio “promete modernização, mas mantém políticas de emissões típicas do século passado”, além disso, eles também que retrocessos em florestas tropicais têm potencial de desencadear novas pressões sobre outros biomas, já que mercados e cadeias de produção deslocam seus impactos para áreas onde a fiscalização é mais frágil.
Nova Zelândia: da liderança climática ao retrocesso regulatório
Reconhecida por anos como exemplo de ambição climática, a Nova Zelândia surpreendeu negativamente ao afrouxar regulações ambientais essenciais, especialmente no setor agrícola, responsável pela maior parte das emissões do país.
As mudanças foram interpretadas como retrocesso político que enfraquece compromissos internacionais assumidos pelo país. Organizações socioambientais neozelandesas presentes no evento disseram que anos de avanços regulatórios foram desmontados em poucos meses, numa movimentação que surpreendeu diplomatas e ONGs estrangeiras.
Esse recuo preocupa especialmente porque a Nova Zelândia sempre ocupou posição simbólica de liderança entre países desenvolvidos.
A crítica ficou clara na ação do Fóssil do Dia: “Se até os exemplos positivos começam a ceder, o efeito cascata mina toda a ambição global”, destacou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Canadá: discurso verde, prática fóssil
Levando para casa também um troféu Fóssil do Dia, o país foi “premiado” por manter uma política contraditória. Embora se apresente como defensor da transição energética e anuncie metas agressivas de neutralidade climática, continua financiando e autorizando novos projetos de petróleo e gás — incluindo infraestrutura de extração e transporte.
Além disso, organizações indígenas e ambientais denunciam que políticas federais e provinciais têm falhado em proteger adequadamente territórios tradicionais e a floresta boreal, um dos maiores sumidouros de carbono do hemisfério norte. O país também enfrenta cobranças por atrasos na entrega de financiamento climático prometido.
O político e ativista canadense, Steven Guilbeault sintetizou o impasse.
“O Canadá quer ser líder climático, mas ainda investe em petróleo como se fosse 1975. Esse nível de contradição não cabe mais em 2025.”
União Europeia: prêmio por violar direitos de Povos Indígenas da Amazônia
Em um dos momentos mais simbólicos da semana, a União Europeia levou o Fóssil do Dia por ações consideradas contraditórias com seu discurso de liderança climática. O bloco, apesar das políticas avançadas de neutralidade de carbono, vem apoiando acordos comerciais e iniciativas econômicas que pressionam territórios indígenas da Amazônia.
O prêmio foi entregue em ato de solidariedade aos Povos Indígenas da região, com lideranças amazônicas denunciando projetos que ameaçam comunidades tradicionais, ampliam impactos socioambientais e desrespeitam a consulta prévia garantida em tratados internacionais.
“Não existe justiça climática sem justiça para os povos originários. A União Europeia precisa alinhar sua política externa ao discurso ambiental que promove”, realçou a ministra Sonia Guajajara.
Um retrato do impasse global
O conjunto de prêmios mostra que, enquanto a ciência exige cortes imediatos de emissões e mais financiamento para adaptação, grandes nações ignoram o chamado. A CAN ressalta que o Fóssil do Dia é simbólico, mas expõe contradições reais: países que se apresentam como líderes climáticos continuam promovendo retrocessos, flexibilizando políticas internas ou negligenciando compromissos internacionais. Sem que essas potências invertam suas prioridades, o mundo permanecerá distante das metas que podem evitar impactos climáticos catastróficos.
A mensagem final da sociedade civil
No encerramento da semana de prêmios, o recado do mestre de cerimônias ecoou forte nos corredores da COP:
“O mundo não fracassa por falta de soluções. Fracassa por falta de coragem política.”
Enquanto países seguem acumulando Fósseis do Dia, a temperatura global continua subindo e o custo da inação recai, sobretudo, sobre populações mais pobres, povos indígenas e países que menos contribuíram para a crise climática.



