Jorge Fagundes, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30

Na COP 30, em Belém (PA), o Governo Federal anunciou um pacote robusto de medidas para fortalecer os direitos territoriais indígenas: homologação de quatro Terras Indígenas, assinatura de portarias declaratórias de outras 10, além de compromissos globais para proteger milhões de hectares até 2030. Esses passos são apresentados não apenas como medida de justiça social, mas como políticas estratégicas para o enfrentamento da crise climática.

 O que foi anunciado na COP 30?

  • O governo brasileiro homologou 4 Terras Indígenas em processo formal de regularização. Este é um passo que antecede a demarcação.
  • Ao mesmo tempo, foram assinadas 10 portarias declaratórias pelo Ministério da Justiça, reconhecendo oficialmente os perímetros dessas novas Terras Indígenas. No processo completo de demarcação, essa é a segunda etapa, que antecede a de demarcação física e homologação.
  • Também foram aprovados seis Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação pela FUNAI. O RCID é um documento técnico e científico elaborado por especialistas, que detalha as características de uma área para identificar e delimitar terras indífenas, conforme a legislação brasileira. Ele serve como um passo fundamental no processo de demarcação de terras, apresentando a fundamentação antropológica para o reconhecimento de ocupação tradicional pelo povo indígena, com base em estudos de campo. 
  • No plano climático mais amplo, o Brasil se comprometeu a regularizar e proteger 63 milhões de hectares de terras indígenas e quilombolas até 2030, como parte de um acordo global.  
  • Além disso, o Brasil lançou uma iniciativa global durante a COP para proteger a posse de terras tradicionais, junto com outros países e filantropias.  

Benefícios e impactos esperados

  • Benefícios ambientais e climáticos

Segundo a FUNAI, as terras indígenas no Brasil têm desmatamento muito baixo (menos de 3%) em comparação com outras regiões — o que reforça que essas terras são efetivas na preservação florestal.  

A demarcação desses territórios é vista como uma “política de mitigação climática”: povos indígenas protegem a floresta, o que ajuda a reduzir a emissão de gases de efeito estufa.  

A inclusão de territórios indígenas nas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) pode fortalecer o papel dessas populações na agenda climática nacional.  

  • Direitos indígenas e justiça social

A homologação e assinatura de portarias declaratórias de territórios significam mais segurança jurídica para os povos indígenas, garantindo posse permanente.  

Ao reconhecer esses territórios, o Estado dá um passo importante para reparar injustiças históricas, fortalecendo a cultura, a autonomia e a cosmovisão dos povos originários. A FUNAI destaca que a maneira de habitar tradicionalmente a terra está diretamente ligada à preservação ambiental.  

O pacote também abre caminho para planos de gestão territorial e ambiental (PGTAs), o que deve dar mais protagonismo às comunidades na administração das terras demarcadas.  

  • Compromissos financeiros e institucionais

O anúncio global de proteger 160 milhões de hectares para povos indígenas, afrodescendentes e comunidades tradicionais reforça a articulação internacional da pauta territorial.  

O “Pledge 2.0” (compromisso financeiro renovado) prevê aportes bilionários para apoiar os direitos fundiários, com parte dos recursos sendo destinada diretamente a comunidades tradicionais.  

Esses recursos e reconhecimento podem dar base para fortalecer a infraestrutura institucional da FUNAI e de outras entidades indígenas, favorecendo estudos técnicos, identificações territoriais e desintrusão (remoção de invasores).

Desafios e riscos

  • Apesar dos avanços, o processo demarcatório ainda enfrenta obstáculos legais e institucionais. A declaração e declaração não são etapas finais: ainda é preciso registrar essas terras, implantar planos de gestão, garantir fiscalização, entre outras ações.  
  • O Marco Temporal (lei que condiciona a demarcação ao fato de os povos estarem nas terras em 1988) permanece como fonte de insegurança jurídica para alguns territórios, segundo a própria Funai. Afinal, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a tese inconstitucional, o Congresso aprovou a lei 14.701/2023, vetada pela presidência, mas cujo veto foi derrubado pelo Congresso, mantendo a legislação em vigor.
  • Há riscos de pressão por mineração, extração de recursos ou invasões ilegais mesmo após a demarcação formal. Como apontado pela ministra Sônia Guajajara, reconhecer território indígena é fundamental para protegê-lo de interesses econômicos.  
  • Líderes indígenas também alertam para projetos de infraestrutura no país que ameaçam suas terras, como estradas, exploração de petróleo e expansão de rodovias.  
  • Além de todo efetividade do compromisso de 63 milhões de hectares depende não apenas da demarcação, mas de financiamento constante, políticas públicas de longo prazo e participação ativa das comunidades tradicionais.

Contribuição simbólica e estratégica

Fazer esse anúncio durante a COP não é apenas simbólico: serve para vincular internacionalmente os direitos indígenas à agenda climática, mostrando que a proteção territorial é parte essencial das soluções para o aquecimento global.

A ministra Sônia Guajajara reforça que os povos indígenas devem ter protagonismo nas discussões climáticas porque são guardiões de grandes extensões de floresta e detêm conhecimentos ancestrais valiosos para a resiliência ecológica.  

A visibilidade internacional (com apoio de países e filantropias) pode aumentar a pressão para que novos investimentos e políticas de proteção sejam implementados efetivamente, não apenas como anúncio, mas como ação concreta.

O pacote indígena anunciado na COP 30 representa um marco importante, combinando justiça territorial e estratégia climática. Ao homologar 4 Terras Indígenas e declarar outras 10, o Brasil mostra compromisso com a proteção ambiental e os direitos tradicionais. O compromisso de mais 63 milhões de hectares até 2030 reforça essa visão de longo prazo. No entanto, os desafios são substanciais: garantir que esses territórios não sejam apenas reconhecidos no papel, mas também efetivamente geridos, protegidos e financiados. Para muitos povos indígenas, esse não é apenas um ganho político, mas uma garantia de existência.