Mindfulness para a Amazônia? O absurdo de tratar desmatamento com frases motivacionais
A Amazônia não se salva com mindset: crise ecológica exige política, não autoajuda
Chris Zelglia, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30
Nos anos recentes, tornou-se frequente observar discursos públicos que abordam a crise ecológica como se fosse um dilema emocional, e não político. A Amazônia arde, rios somem, comunidades tradicionais perdem suas terras, e a resposta das instituições muitas vezes vem na forma de aconselhamento ambiental: “vamos adotar uma mentalidade positiva”, “é necessário ter esperança”, “a transformação começa em nosso interior”.
Essa abordagem de converter uma crise estrutural em um problema de mentalidade reflete um sinal profundo do neoliberalismo: transfere a responsabilidade dos sistemas para o indivíduo, da política para a autoajuda, e da ação coletiva para o gerenciamento emocional. A lógica é clara e arriscada: se estamos ansiosos em face do colapso, devemos meditar. Se a floresta está sob ameaça, devemos respirar profundamente. Se a destruição avança, nossa função é sintonizar na frequência da cura.
Do ponto de vista psicanalítico, essa mudança demonstra a operação de um mecanismo defensivo coletivo: ignorar a gravidade traumática do desastre e substituí-la por um ideal de autocontrole. O mindfulness se torna uma espécie de ilusão de proteção, um modo de evitar a dura realidade da destruição. É como se o verdadeiro problema não fosse o desmatamento em massa, mas nossa relação interna com ele.
Certamente, as práticas de atenção plena têm um valor subjetivo. Elas podem amenizar o sofrimento mental, melhorar a presença e auxiliar as pessoas a lidarem com a angústia real de viver em um mundo em colapso. O problema não está na prática em si, mas em empregá-la como um substituto para políticas públicas, como uma forma de fugir da responsabilidade ecológica, ou como uma narrativa de pacificação em um espaço que requer ação política, e não mantras.
O Brasil não necessita de frases motivacionais para a Amazônia, demanda demarcação de terras, monitoramento, políticas robustas, combate ao extrativismo predatório e um verdadeiro compromisso com os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. O planeta não será salvo por respirações conscientes, mas por escolhas coletivas que estejam fundamentadas em justiça climática e social.
Quando consideramos o colapso ambiental como uma questão de mentalidade, reiteramos a perigosa ilusão de que basta mudar nosso estado de espírito para que o mundo se ajuste por conta própria. Essa é a grande bizarrice: a noção de que o indivíduo concentrado e sereno pode substituir o Estado, a ciência e as políticas ambientais. A Amazônia não precisa de nossas meditações, ela precisa de nossa luta.
*As opiniões expressas neste artigo são de inteira responsabilidade do autor, produzidas durante a cobertura colaborativa da COP30.