Com restrição aos espaços oficiais, catadores resgatam protagonismo em eventos bilaterais da COP30
Mesmo sem contratação na COP30, catadores garantem protagonismo e apoio para fortalecer a gestão de resíduos em Belém
por Marília Cortte e Pat Lima Felix
A gestão de resíduos da COP30 expôs uma contradição recorrente entre discurso e prática. Enquanto a conferência consolidou Belém como vitrine climática internacional, quem vive diariamente os impactos da desigualdade ambiental segue lutando por espaço: os catadores de materiais recicláveis.
As cooperativas são, há décadas, pilares da economia circular brasileira. Mesmo assim, permanecem entre os grupos mais marginalizados do país, quase sempre deixados em segundo plano nos debates que moldam a política ambiental. Apesar dos avanços recentes — como a Estratégia Nacional de Resíduos Sólidos (2024) e a presença histórica dos catadores na posse do Governo Lula — a COP30 não lhes deu o protagonismo esperado.
Roberto reconhece que a delegação de catadores na COP30 é uma das maiores já registradas em conferências do clima e que o tema aparece com força nos debates sobre economia circular. Ainda assim, critica a ausência explícita da profissão nos rascunhos do documento final: “Falam de economia circular, falam da circularidade, falam da descarbonização, mas não estão colocando a profissão dos catadores de material reciclável dentro desse documento. A nossa esperança é que esse documento final esteja demarcado com o trabalho dos catadores e catadoras.”
A decisão impactou diretamente o resultado da triagem. Jonas de Jesus, presidente da Central da Amazônia, avalia que a eficiência poderia ter sido muito maior caso as cooperativas tivessem assumido o processo desde o início.
“A primeira semana ficou tumultuada. Tem muita coisa misturada chegando aqui. Se estivéssemos desde o início, mais de 80% estaria vindo para as cooperativas.”
Segundo a secretária executiva de Inclusão Produtiva de Belém, Pamela Massoud, entre 10 e 15 de novembro já haviam sido coletadas quase 4 toneladas de recicláveis e quase 3 toneladas de resíduos compostáveis apenas na área da COP. A expectativa é de que os números dobrem até o fim da conferência, à medida que a triagem se organiza e aumenta a taxa de desvio dos aterros.
Para mitigar o problema, foram criadas áreas de transbordo próximas às zonas Verde e Azul da COP, com participação de quatro cooperativas — CONCAVES, ARAL, CCB e Filhos do Sol. Os catadores receberam diárias pela pré-triagem e foram contemplados com investimentos estruturais da Prefeitura de Belém e da Itaipu. Ao todo, 40 catadores atuaram diretamente na operação.
Mas o protagonismo real emergiu nos eventos paralelos, onde a gestão de resíduos foi de fato conduzida pelas cooperativas. A CONCAVES atuou em espaços como ENZONE (Sebrae), Cúpula dos Povos, Casa Brasil e FREEZONE, integrando outras cooperativas como COCADOUT (formada por mulheres), Salvaterra e Marituba.
Segundo Débora Baia, essa atuação representou mais do que trabalho remunerado — significou reconhecimento. “Todos esses espaços garantiram diárias, alimentação, transporte e, principalmente, a oportunidade de sermos reconhecidos como prestadores de serviço. Que esse seja o legado: não queremos só o material, queremos remuneração justa e visibilidade.”
Na Cúpula dos Povos, a operação liderada pelas cooperativas coletou cerca de 10 toneladas de materiais recicláveis e orgânicos. A Central da Amazônia integrou cinco cooperativas no processo. Para Adriana Fonseca, da CONCAVES, foi um marco: “Quando vi o tamanho do evento, fiquei receosa, mas vencemos o desafio. Mostramos que somos capazes de fazer uma operação 100% gerida por catadores, sem precisar ser terceirizados ou subcontratados por startups.”
Com alojamento para 7 mil pessoas na UFPA, mais 3 mil indígenas apoiados pelo Ministério dos Povos Indígenas e um fluxo intenso de visitantes, a visibilidade foi inédita. A tenda “Maria Carolina”, montada na entrada da UFPA, tornou-se ponto de referência, com área de triagem, recepção e até uma catadora bilíngue apresentando o trabalho para delegações internacionais.
Belém segue enfrentando desafios estruturais — como os 207 pontos de descarte irregular na cidade — ao mesmo tempo em que avança com iniciativas como o primeiro pátio público de compostagem, com previsão de processar até cinco toneladas por dia. A recém-criada Secretaria de Inclusão Produtiva tenta dar conta dessa agenda emergente.
Enquanto os catadores tentam consolidar seu lugar na economia circular e na redação final da COP30, os trabalhadores da limpeza urbana — garis, coletores e varredores — seguem em um limbo jurídico. Na conferência, documentos oficiais brasileiros e internacionais usam a economia circular como palavra-chave da transição verde. A própria Estratégia Nacional de Economia Circular reforça a circulação de materiais com maior valor agregado e a redução de resíduos como objetivo central da política industrial do país. Mas, como lembra Roberto Rocha, economia circular sem catador reconhecido e sem gari protegido vira apenas um rótulo elegante: “Todas as pautas que falam sobre economia circular não deixam de falar sobre os catadores, mas a gente espera que o documento final da COP30 coloque a abordagem dos catadores. É a nossa esperança, a nossa expectativa.”
A COP30 se encerra, mas a pergunta permanece: quem vai, de fato, sustentar a economia circular no Brasil daqui para frente? Para as cooperativas, a resposta é clara — qualquer política climática que ignore os catadores nasce incompleta.



