Agenda climática não é assunto só de adulto!
A crise climática afeta diretamente a vida das crianças, mas também inspira a mobilização e soluções lideradas por famílias do mundo inteiro
Bia Aflalo, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30
As mudanças climáticas não são um problema do futuro das crianças. São um problema do presente delas. O calor extremo invade salas de aula, ônibus e hospitais, as enchentes interrompem aulas, desalojam famílias, alagam creches. A infância brasileira está sendo moldada por um clima em colapso e isso exige que olhemos para ela com urgência, cuidado e responsabilidade intergeracional.
ASSUNTO SÓ DE ADULTO?
É nesse cenário que movimentos como o Famílias pelo Clima e Mulheres pelo Clima se organizam para enfrentar a crise com afeto, ciência e ação. Para Samantha Proença, voluntária desde 2019, quando acompanhou a onda de mobilização iniciada por Greta Thunberg, a prioridade é clara.
“As crianças sabem o que precisa ser feito, mas precisam de direcionamento para saber como fazer”.
O movimento cresceu e mais organizações surgiram em benefício do clima e da infância. Hoje, 1400 escolas no Brasil e fora dele participam do Escolas pelo Clima, um projeto que transformou educação em transformação, e já impactou mais de 1 milhão de estudantes.
Mas, se a emergência climática é tão urgente, porque esse assunto não havia sido apresentado às nossas crianças e adolescentes, nas escolas, ainda? Em duas escolas-piloto, uma pesquisa revelou a dificuldade dos professores em tratar do tema. Alguns apontaram sobrecarga de trabalho, outros falta de formação sobre o assunto.
Nasceu assim, o “Educação climática: guia prático para famílias e educadores”, um compilado de conteúdos, ferramentas e práticas que apontam alguns caminhos possíveis para a inclusão da agenda climática de forma transformadora, mobilizadora e engajadora no ambiente escolar. A obra literária foi idealizada por Daniela Vianna, Samantha Graiki Proença, Livia Ribeiro e Mariana Menezes.
UM CLIMA MATERNAL
Se por um lado há juventude interessada e ativa, por outro há mães que carregam os impactos da crise no corpo, na rotina e na memória. Clarissa Canova, fundadora do movimento Mães Pelo Clima, no painel realizado na Central da COP (Obervatório do Clima), no dia 11 de novembro, contou que viu sua vida virar de cabeça para baixo após a enchente que atingiu sua casa no Rio Grande do Sul.
“Não estamos preparadas para o enfrentamento real das mudanças climáticas. E reforça o que os números comprovam: 80% das pessoas afetadas por eventos extremos são mulheres, mães e crianças”.
No Brasil, o conceito de maternidade, é sombreado pela vulnerabilidade e injustiça social. 52% dos lares são chefiados por mulheres pretas ou pardas, a maioria delas mães solo vivendo em situação de pobreza (Think Eva, 2024). Paralelo a isso, “projetos dentro e fora da agenda climática, liderados por mulheres mães, costumam gerar melhores resultados”, afirma Clarissa.
Assim como muitas mães brasileiras, Clarissa transformou a dor em ação. Após enfrentar os eventos climáticos extremos, além de fundar o projeto Mães pelo Clima, lançou o livro infantil “O Ar que Respiramos”: uma ferramenta para introduzir o tema às crianças com leveza e verdade, unindo pais, cuidadores, responsáveis, e filhos, em um movimento de educação ambiental e mobilização para transformação do presente e do futuro.

“Temos que dizer aos nossos filhos que a culpa não é deles, mas que esse é o mundo que estamos entregando. E ainda assim, as crianças estão mais preparadas do que a gente imagina.”, disse Clarissa Canova, durante o lançamento do livro na Casa COP do Povo, no dia 12.
Na ocasião, o projeto Somos do Mar, liderado pelo casal de artistas circenses Juli e Rafa, também engenheira ambiental e oceanógrafo respectivamente, apresentaram seu livro “Oceano Climático”, que assim como o de Clarissa também promove a educação ambiental e climática de forma lúdica e acessível, através da leitura. Além disso, o Somos do Mar viaja a costa brasileira promovendo outras ações voltadas à famílias e crianças, com foco na preservação ambiental das nossas águas e educação ambiental.
AS CRIANÇAS TAMBÉM TÊM SOLUÇÕES!
Reconhecendo a voz das crianças e adolescentes, durante a COP30, a Cúpula das Infâncias, se apresentou como um importante espaço de discussão sobre os impactos das mudanças climáticas na vivência das infâncias e adolescências.
A cúpula aconteceu como um afluente da Cúpula dos Povos, e aproximou organizações, instituições e outros coletivos defensores das crianças e adolescentes, visando a mobilização dessa agenda, o protagonismo dos menores e a defesa de sua autonomia para pensar soluções e decidir sobre seu próprio futuro. Tudo isso através de atividades educativas, interativas e painéis, com perspectiva antirracista, antixenofóbica e verdadeiramente inclusiva.
“Curumins, Cunhatãs, Erês, ribeirinhos, quilombolas, migrantes, refugiados, crianças das florestas, das águas e das cidades — todas as infâncias importam.” (Redes Sociais da Cúpula das Infâncias).

A Cúpula aconteceu entre os dias 12 e 16 de novembro, na Universidade Federal do Pará, e culminou com a entrega da Carta das Infâncias ao embaixador da COP30, André Corrêa do Lago e outras autoridades como a Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, e a Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara.
Falar de clima com crianças não é falar apenas de características e parâmetros de temperatura, nível da água, chuvas e radiação solar. É falar de conforto ambiental nas escolas, de ônibus lotados e quentes, de alagamentos que cancelam aulas, da quantidade de carros nas ruas, e educá-las para compreender o seu contexto, mas enxergando esperança.
Proteger as crianças significa proteger o futuro, e proteger o futuro começa agora. Com políticas públicas, educação climática, mobilização das famílias e uma escuta ativa da infância.



