Ernesto Magalhães, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30

A Marcha pelo Clima, realizada na manhã de sábado (15) durante a COP30, reuniu cerca de 70 mil pessoas em defesa da Terra e contra os grandes responsáveis pela crise climática. Mas não foi apenas o tamanho da mobilização que impressionou, foi a força estética que tomou ruas e avenidas da cidade amazônica.

Símbolos visuais e culturais transformaram o protesto em arte-atividade. No coração da marcha, uma imagem se fez presente: uma cobra de 30 metros, conduzida por dezenas de pessoas, com uma faixa clara e direta: “Financiamento direto para quem cuida da floresta”. 

Enquanto era carregada os manifestantes bradavam essa mensagem com o complemento: “A gente cobra!”. Nesta segunda-feira (19), voltou a circular, mas desta vez dentro da Blue Zone. 

“Queremos que o financiamento chegue na base. Para aqueles que sofrem com as consequências do agronegócio, da exploração do minério, da soja e do gado. Estamos sofrendo com muitas coisas e esses financiamentos que falam que chegam, não chegam na base. Estamos vindo com a nossa protetora cobrar pelos nossos territórios”, explicou Jaciara Borari, ativista, comunicadora indígena e integrante do grupo musical de mulheres indígenas, Suraras do Tapajós.

A escultura é um trabalho coletivo de 16 artistas de Alter do Chão (PA) que levou 15 dias para ser criada, sob liderança do artista plástico e cenógrafo, Relison Sousa. Sua inspiração partiu do sonho da pajé Kamirrã, da aldeia Mupá, do território indígena Capoto Jarina, ao norte do Mato Grosso, fronteira com o sul do Pará, nas margens do rio Xingu, com o chamado de que os povos precisam se unir na defesa dos territórios. 

A ação foi apoiada pelos movimentos Amazônia de Pé e Aliança dos Povos pelo Clima. A escultura viajou de barco, por dois dias, até chegar a Belém. A serpente reverencia a entidade Kamalu Hai (ou Kamalu-hái), considerada a “dona do barro”, responsável por ensinar ao povo Waurá, habitantes do Parque Indígena do Xingu, a arte da cerâmica.

Essa grande representação artística avançou junto à “Ala do funeral dos combustíveis fósseis”, um segmento da marcha que propunha o enterro simbólico do petróleo, gás e carvão. Três grandes caixões estilizados — um para cada combustível fóssil — foram arrastados lentamente acompanhados por personagens vestidos de preto enquanto eram entoados cantos ao som de tambores, formando uma coreografia de denúncia: “não adiar mais o fim dos fósseis, mas enterrá-los no passado.

A presença da arte na mobilização ganhou assim uma narrativa dupla: por um lado, evocava a ancestralidade, a cultura amazônica e o imaginário da Boiúna; por outro, denunciava a influência recorde da indústria fóssil na COP30 — com mais de 1.600 lobistas relacionados a petróleo, gás e carvão credenciados para o evento, como aponta reportagem de A Pública.

A cobra avançou junto ao cortejo do Arraial da Pavulagem (Ernesto Magalhães)

No cortejo, o Arraial da Pavulagem, manifestação viva da cultura paraense reconhecida como patrimônio cultural de Belém, do Pará e do Brasil, transformou a marcha em cortejo cultural. O grupo trouxe às ruas a pulsação da cultura paraense com tambores, estandartes, brincantes na perna de pau de todas as idades e passos coreografados em diferentes ritmos musicais das toadas, carimbó, quadrilha e retumbão que fizeram do protesto político também um espetáculo popular. Com seus tambores, flautas, estandartes e passos, o Arraial da Pavulagem levou à COP30 aquilo que Belém tem de mais essencial: a potência da cultura como forma de resistência.


Éden Penelva, artista brincante do Batalhão da Estrela, do Arraial da Pavulagem, que se apresentou com o grupo também à ocasião da abertura da Cúpula dos Líderes sobre Clima, contou sobre sua experiência de estar ali: “É como se fosse um grito nosso, da nossa cultura dizendo para o mundo, eu existo. As músicas que dançamos falam sobre a preservação da natureza. Trazer isso pra rua é reafirmar que essa luta também é nossa”, disse enquanto caminhava nas pernas de pau, durante a marcha.

A cultura popular amazônica colocou as cores, os sons e os ritmos da floresta na marcha, lembrando que a arte sempre foi — e continua sendo — uma forma de luta.

A arte que marcha não é enfeite: é ferramenta política

A COP30 discute, no espaço da Blue Zone, em diferentes línguas representadas nesta edição pelos países membros da ONU, o financiamento, a governança internacional e os compromissos climáticos. Mas, nas ruas de Belém, o recado veio em outra linguagem, a universal: a da arte, da ancestralidade e da ocupação do espaço público com simbolismos que mandam mensagens pela imprensa internacional e pelas redes sociais.

A escolha pela escultura da cobra-grande, os caixões dos fósseis e o bloco carnavalesco do Arraial traduzem o que se entende por artivismo: a convergência entre arte e ativismo vivo — a arte que ocupa espaço, que manifesta corpo, que toca emoção. A cobra de 30 metros tem corpo, tem cor, tem movimento. Ela pede, exige e reivindica. O Arraial da Pavulagem dá som ao pedido. A marcha dos seus integrantes dá corpo coletivo à demanda. A arte transforma o que poderia ser apenas uma reivindicação em uma experiência sensorial e coletiva — impossível de ser ignorada. 

“Arte é sobre linguagem e comunicação, logo é espaço propício para que articulemos nosso estar no mundo”, disse a artista visual e ativista Bárbara Milano, de São Paulo, que esteve em Belém durante a COP30 para ministrar uma oficina de colagem de cartazes lambe-lambe no MABE, Museu de Arte de Belém, e na ocupação “Mairi Vive – Corpo, Território e Artivismo”, realizada nos dias 10, 11 e 12 de novembro, na Faculdade de Artes Visuais da UFPA.

A mobilização de 15 de novembro, demonstrou que a arte não está nas ruas apenas como recurso estético. Nos protestos ela pode ser ferramenta de comunicação, denúncia e afeto coletivo. A ala com seu simbólico funeral dos combustíveis fósseis mostrou que a floresta exige protagonismo e visibilidade, associando a arte à demanda concreta da transição justa para a Amazônia.