Amanayé: A floresta que agoniza há 80 anos enquanto o Brasil hesita
Enquanto quase metade da madeira retirada do Pará é ilegal, o povo Amanayé luta há 8 décadas pelo reconhecimento de seu território
Por
Casa NINJA Amazônia
19 de novembro de 2025
17:56
Compartilhe:
Compartilhe:
Rafaela Collins, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30
O barulho das motosserras chega antes da devastação. No território Amanayé, em Goianésia do Pará, o som metálico corta o silêncio da mata e anuncia que mais uma árvore vai ao chão, devastando a mata e a existência de um povo. Ali, onde os Amanayé vivem há séculos, a floresta segue sendo destruída enquanto o Estado brasileiro falha repetidamente em garantir um direito básico: a demarcação do território.
Segundo o relatório mais recente do Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), quase metade da madeira retirada no Pará entre 2023 e 2024 é ilegal. Dos 43.052 hectares explorados, mais de 20 mil não tinham autorização para manejo, o equivalente à destruição de 56 campos de futebol de floresta por dia. O cenário é devastador por si só, mas torna-se ainda mais dramático nos limites da Reserva Indígena Amanayé, que registrou 2.026 hectares destruídos em apenas um ano, o que significa um aumento de 152% em relação ao período anterior.
O território que existe, mas não é reconhecido:
Criada oficialmente em 1945, a Reserva Amanayé nunca foi homologada. O vácuo jurídico abriu caminho para um ciclo contínuo de invasões, grilagem e expansão de atividades ilegais. Hoje, o território está sufocado pela expansão da soja, pela exploração madeireira e por grupos criminosos que se aproveitam da ausência do Estado. Goianésia do Pará, epicentro da destruição, teve aumento de 124% na retirada irregular de madeira, uma pressão direta sobre a vida da comunidade.
“Nosso povo fica à mercê do processo de demarcação enquanto os fazendeiros ampliam seus campos e a extração ilegal continua muito forte”, denuncia Ronaldo Amanayé, liderança do povo e diretor executivo da Fepipa.
Ronaldo Amanayé aguarda demarcação de território (Foto de Rafaela Collins)
A extração ilegal dentro de áreas oficialmente protegidas cresceu 165% no Pará, e a maior parte dessa devastação, o que equivale a 88%, está concentrada justamente dentro da Reserva Amanayé. A Reserva se tornou o principal foco de desmatamento irregular entre todas as unidades analisadas, seguida apenas pela Floresta Nacional de Caxiuanã. Para a pesquisadora do Imazon, Camila Damasceno, o cenário exige resposta imediata: “a ilegalidade destrói a floresta e rompe o equilíbrio ambiental. Povos e comunidades tradicionais são os primeiros e mais profundamente atingidos.”
80 anos de omissões e violações:
Em outubro, a Federação dos povos Indígenas do Pará (Fepipa) enviou um ofícios à Presidência da República, Ministério dos Povos Indígenas, Ministério da Justiça e Fundação Nacional dos povos indígenas (Funai), cobrando a efetivação da Reserva Amanayé e a desintrusão da Terra Indígena Sarauá, reconhecida oficialmente como terra indígena em 2011, mas ainda ocupada ilegalmente. O documento relembra que decisões judiciais já reconheceram a área como da União, devendo ser registrada oficialmente em favor do povo Amanayé. Nada foi cumprido.
“O que pedimos é o direito de existir, permanecer e manifestar nossa cultura. É um pedido de humanidade, não de conflito”, afirma a carta assinada por Ronaldo Amanayé e Concita Guaxipiguara Sompré.
A falta de regularização fundiária impede o funcionamento adequado da educação escolar indígena. Crianças estudam sem transporte regular, sem professores bilíngues e sem infraestrutura mínima, descumprindo a Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). A insegurança territorial também facilita a entrada de facções, grileiros e madeireiros, criando um ambiente de violência que atinge diretamente jovens e anciãos e interrompe práticas culturais centrais para a identidade Amanayé.
O caso se repete com os Sarauá, retirados compulsoriamente de suas terras tradicionais. São décadas de omissão estatal costurando um mesmo padrão de abandono.
A voz do território: Romário Amanayé
Romário alerta sobre danos irreparáveis (Foto: Rafaela Collins)
A reportagem ouviu Romário Amanayé, liderança indígena, que resume a dor e a resistência de seu povo: “Eu nasci e cresci aqui. Tudo que sou está ligado a essa terra que ainda não foi reconhecida oficialmente”. Sobre as ameaças constantes ele afirma que “o barulho das máquinas apavora” e que já pensaram em sair, exitam por amor à terra: “se deixarmos o território, eles destroem tudo mais rápido”.
Com a destruição da fauna e flora, o sentimento de perda também é causado pelas vidas humanas que se foram. “Perdemos parentes pela violência direta e pela violência silenciosa, doenças, contaminação, o medo que adoece a alma”. O modo de vida destas comunidades está totalmente ligado ao manejo da terra e sem ela a existência é ameaçada. “A floresta é alimento, cura, cultura e espírito. Quando derrubam a floresta, tiram o chão dos nossos pés”.
A esperança dos originários veio com a notícia da realização 30ª conferência das partes em Belém, eles esperam ser ouvidos com mais atenção durante a COP 30.
“Queremos que o governo cumpra o que já está decidido. Queremos paz para viver em nossa terra e ver a floresta em pé para os nossos filhos”, afirma.
Ele ainda alerta para o impacto das mudanças climáticas: “Já estamos vendo a extinção de espécies da fauna e da flora. Há danos irreparáveis.” Enquanto o mundo discute o clima na porta de entrada para a floresta amazônica, entre pautas discursos formais os originários buscam por justiça ambiental e preservação, escancarando que a realidade no território Amanayé expõe o maior conflito da agenda brasileira e que não existe clima protegido sem povos protegidos.
A COP 30 ocorre em uma Amazônia brasileira onde a lei é lenta, a ilegalidade é veloz, a floresta cai antes que o direito chegue e onde comunidades resistem sozinhas.
“Cada árvore derrubada é um pedaço da nossa história que desaparece. O futuro é ancestral”, resume Ronaldo Amanayé.
O território Amanayé pede socorro há 80 anos. A pergunta que ecoa na floresta e atravessa as salas da COP é simples e incômoda: até quando o Brasil vai adiar o que já deveria ter sido feito?
Para fornecer as melhores experiências, usamos tecnologias como cookies para armazenar e/ou acessar informações do dispositivo. O consentimento para essas tecnologias nos permitirá processar dados como comportamento de navegação ou IDs exclusivos neste site. Não consentir ou retirar o consentimento pode afetar negativamente certos recursos e funções. Acesse nossa Política de Cookies
Funcional
Sempre ativo
O armazenamento ou acesso técnico é estritamente necessário para a finalidade legítima de permitir a utilização de um serviço específico explicitamente solicitado pelo assinante ou utilizador, ou com a finalidade exclusiva de efetuar a transmissão de uma comunicação através de uma rede de comunicações eletrónicas.
Preferências
O armazenamento ou acesso técnico é necessário para o propósito legítimo de armazenar preferências que não são solicitadas pelo assinante ou usuário.
Estatísticas
O armazenamento ou acesso técnico que é usado exclusivamente para fins estatísticos.O armazenamento técnico ou acesso que é usado exclusivamente para fins estatísticos anônimos. Sem uma intimação, conformidade voluntária por parte de seu provedor de serviços de Internet ou registros adicionais de terceiros, as informações armazenadas ou recuperadas apenas para esse fim geralmente não podem ser usadas para identificá-lo.
Marketing
O armazenamento ou acesso técnico é necessário para criar perfis de usuário para enviar publicidade ou para rastrear o usuário em um site ou em vários sites para fins de marketing semelhantes.