Uso de agrotóxicos como arma química para expulsar famílias é denunciado ao Tribunal dos Povos
Mais de 20 mil famílias foram impactadas por contaminação das águas e plantações
Marcos Maia, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30
No dia 13 de novembro, o Tribunal dos Povos contra o Ecogenocídio, realizado no Ministério Público Federal de Belém (PA) durante a COP30, recebeu uma série de denúncias divididas por três eixos temáticos: Falsas soluções Climáticas, Grandes Empreendimentos e Violações no Campo.
As ações foram julgadas por ativistas dos direitos humanos, representantes de movimentos sociais e comunidades tradicionais e indígenas. Dentre os casos apresentados está uma grave violação de direitos de agricultores familiares e povos tradicionais no estado do Maranhão, nomeado como “Guerra química: Pulverização aérea de agrotóxicos em Buriti”.
As testemunhas – que por motivos de segurança não podem ser identificadas – relataram ao júri, estarem cercadas por grandes lavouras de soja e serem vítimas de violência no campo ao sofrerem o impacto de estratégias de desterritorialização e apagamento cultural a partir da prática da pulverização de agrotóxicos que contaminam a água, plantações e os fazem adoecer. Afirmam que o lugar que vivem hoje transformou-se em um local inóspito.
Segundo os denunciantes, nas comunidades de Carrancas e Araçá, no município de Buriti (MA), agrotóxicos foram utilizados como estratégia para expulsar as famílias de suas terras, com o propósito de invadir e dominar territórios. A defesa expôs ao júri a ameaça ao direito à vida, à alimentação digna, maus-tratos psicológicos, danos irreparáveis ao meio ambiente, contaminação das fontes de água e o comprometimento da biodiversidade e dos recursos naturais das comunidades.
Elas ressaltam que cerca de 20 mil famílias já foram afetadas e destacam que por práticas criminosas como essa, o estado também lidera o ranking brasileiro de ocorrências de conflitos agrários, com base nos dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre 2014 e 2024. Principalmente, de 2023 a 2024 houve um salto de 100% do número de casos de violência rural, levando em consideração apenas as denúncias registradas.
Justiça no tribunal

O cacique Ramon Tupinambá, que compunha o júri, destacou que no tribunal, a escuta é afetiva e qualificada, principalmente, pela sensibilidade e senso de justiça. E que certamente, o júri defenderia a punição dos culpados.
“Espero que o Estado seja sentenciado. E além dele, é preciso dar nome às empresas. Os culpados têm que ser responsabilizados”. E realça, os moradores dessas comunidades teriam também que ser indenizados. “Claro que a vida não volta mais, mas é pensar estruturalmente como poderemos salvaguardar essas vidas dentro de todo o processo que está em diálogo aqui”.
Sentença conjunta
Como é proferida uma sentença final com base nas semelhanças entre os casos, no dia 14, numa iniciativa de nivelamento, o tribunal decidiu pela punição a todos os acusados por ativistas e comunidades tradicionais e indígenas que testemunharam suas vivências de luta e enfrentamento a violações sistemáticas contra povos e comunidades tradicionais.
Além dos relatos, o tribunal baseou-se por provas documentais e testemunhais, exigindo reparações efetivas, sob acompanhamento de membros do Ministério Público Federal. A sentença revela que projetos ou políticas que afetaram – e ainda afetam – diretamente quilombolas, indígenas e outras comunidades tradicionais, sem consulta adequada, devem ser anulados. Também exige a imediata demarcação de terras indígenas e uma reforma agrária ampla, além da revogação do decreto federal 12.600/2025. A propósito, ele instituiu o Plano Nacional de Hidrovias, tendo os rios Tapajós, Madeira e Tocantins, como prioritários para a navegação de cargas. Indígenas do povo Munduruku denunciam que o decreto abre brecha para novas dragagens e derrocamento de pedrais sagrados.
Além de instâncias governamentais do Brasil e outros países, foram condenadas mais de 800 empresas envolvidas em processos de violações ambientais e sociais, como ADM, Cargill, JBS, Enel e Norte Energia, junto a grandes bancos nacionais e internacionais que financiam, como BNDES e Banco Mundial.
O tribunal dos povos não somente julga e sentencia, ele também encaminha processos e denúncias para outras instâncias de justiça, nacional e internacional, demonstrando a força do coletivo.



