Flora Miguel, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30

Para as Suraras do Tapajós – associação e grupo musical nascido em Alter do Chão, distrito de Santarém (PA) – a música é uma ferramenta de luta. Considerado o primeiro grupo de mulheres indígenas a tocar carimbó, formam um coletivo que une arte e defesa de territórios. Durante a COP 30, em apresentação na Cúpula dos Povos, na Universidade Federal do Pará (UFPA), elas mostraram ao vivo a potência de quem, diante de sucessivas investidas de apagamento, não se cala.

“Suraras”, em nheengatu, língua indígena originária do tupi-guarani [que já foi a mais falada no país antes de ser proibida no processo de colonização], significa “guerreira”. É nesse ímpeto de força que o grupo atua, tocando carimbó, gênero fortemente marcado pela presença masculina. 

“A partir do momento que a gente ocupa esse espaço, fazemos uma nova configuração, onde, além de dançarinas, trazemos para as rodas de carimbó todo nosso saber ancestral e temáticas como o feminismo, empoderamento, luta contra o machismo e questões ambientais como a contaminação do mercúrio, o projeto da Ferrogrão e a privatização de nossos rios”, afirma Carol Borarí, uma das integrantes do grupo.

Foto: Oliver Kornblihtt/Mídia Ninja

Compõem ainda o Suraras do Tapajós Adelina Borarí, Estefane Galvão, Jaciara Borarí, Keisse Borarí, Leila Borarí, Marina Arapiun, Samara Borarí e Val Munduruku.

Nas composições, elas fazem ecoar pautas urgentes sob um ritmo envolvente e vozes marcantes, cujo som é realçado ainda, por instrumentos igualmente especiais, como o banjo, maracas e curimbós. “Dessa forma, fortalecemos a presença das mulheres nos diversos espaços nos quais tentaram nos apagar por muito tempo”, complementa Carol. 

Inspirações

Foi justo em uma roda de conversa, sobre carimbó, que tiveram contato com o grupo Sereia do Mar e com Dona Onete, referência do gênero musical. “Desse primeiro contato, surgiu um interesse a mais pelo carimbó”, relembram Carol e Adelina. 

Depois, em 2017, foram convidadas a fazer uma aula de carimbó organizada pelo Mestre Capoeira. A ideia de criar um grupo musical veio no ano seguinte. 

“Começamos a ensaiar no espaço onde o grupo do Mestre Osmarino Kumaruara ensaiava, e ele nos emprestava os instrumentos para os ensaios e foi assim na nossa primeira apresentação. Depois, também tivemos apoio do Mestre Silvan Galvão com aulas de curimbó, e sempre contávamos com o apoio de outros mestres. Hoje, nós levamos aos lugares nosso repertório autoral, referências femininas da nossa Amazônia e mestres da cultura popular”, revelam.

Para além de grupos, cantoras e mestres, a inspiração para agir e criar vem da própria linhagem. A música “Carimbó da Beca”, que estará no EP de estreia de Carol Borarí, é uma referência direta a sua avó Isabel Pedroso. 

“Cada vez que eu lembro dessa mulher, não há como conter as lágrimas. Completam-se seis meses da maior perda da minha vida: minha maior referência de mulher guerreira. Desde criança, minha avó sempre me manteve presente no campo musical. Nessa canção, eu expresso resumidamente a herança cultural que recebi dela”.

Foto: Acervo pessoal/Carol Borarí

A avó Beca também foi homenageada no livro de poesia Carimbó da Beca, lançado por Carol Borarí pela editora paraense Tamba-Tajá. Quando perguntada de onde acredita que se dá o encontro entre diferentes manifestações artísticas e lutas, Carol desfaz as fronteiras que categorizam e hierarquizam o mundo.

“Acredito que se encontra no respeito pela expressão de cada manifestação. Cada ser expressa um sentimento único. E na nossa visão indígena, não colonial, a arte se torna existência; as histórias, rezas e resistência. A nossa arte é livre de hierarquias e fronteiras”. As Suraras dos Tapajós revelam como a arte é um instrumento de luta e resistência.