Unidade, território e resistência marcam a Assembleia dos Movimentos Sociais
Assembleia destaca trabalho de base, autonomia e alternativas populares como pilares da mudança
por Janayna Rodrigues
A Assembleia dos Movimentos Sociais, que ocorreu na sexta-feira (14), no palco principal do espaço da Cúpula dos Povos na Universidade Federal do Pará (UFPA), lembrou, mais uma vez, por que seguimos na luta. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) abriu o encontro com arte, mística, trazendo a defesa da Reforma Agrária para o centro do debate. Logo depois, a Marcha Mundial das Mulheres entrou fazendo o que sempre faz: ocupar o espaço com coragem, grito, ritmo e reivindicação, reafirmando o papel das mulheres na construção de alternativas populares. A abertura, marcada pela expressão cultural, já revelava o tom da plenária de luta, unidade e compromisso coletivo.
Na primeira parte da plenária, representantes de movimentos latino-americanos trouxeram reflexões que atravessam todos os que lutam. Falaram da necessidade de reinventar nossos modos de relação — com o espiritual, com o material, com o território. E reforçaram que não existe transformação sem trabalho de base, sem olho no olho, sem conversa com o povo real. E lembraram que não dá para falar de futuro sem afirmar um mundo anticapitalista, antirracista e antimachista. A palavra desse momento foi unidade — de ação, de projeto, de articulação.
A Marcha Mundial das Mulheres lembrou que nossas alternativas parecem pequenas, até invisíveis, mas são elas que sustentam a resistência. É ali, na prática territorial, que nasce o novo e se reforça o que precisamos repetir: combater o racismo e o patriarcado não é tarefa isolada, mas trabalho de todo mundo, porque são pilares do próprio sistema que nos oprime.
A Confederação Sindical dos Trabalhadores das Américas — entidade que conta com 54 organizações afiliadas de 21 países da América Latina — abriu a segunda parte da plenária abordando a defesa da democracia e da paz; a importância da centralidade da vida ao pensar em soluções para a dignidade e a justiça; o trabalho digno e a ameaça cada vez mais evidente da ultradireita na precarização e retirada de direitos trabalhistas.
A Via Campesina do Zimbábue trouxe uma fala marcante a respeito do poder de transformação que está dentro de nós e passa pela construção de uma soberania alimentar verdadeira. Eles lembraram que esse poder de transformar o mundo, que muitas vezes a gente acha que está longe, nas mãos de governos ou empresas, também está na gente. E que essa transformação começa quando a gente recupera algo muito básico: o direito de produzir, consumir e decidir o que comemos.
Contextualizaram algo que parece simples, mas que, quando escutamos com atenção, revela nossa vulnerabilidade alimentar: a gente continua comprando comida e sementes como se essa fosse a única forma de viver. Mas não é. A verdade é que fomos ensinados a depender do mercado, e acabamos naturalizando essa dependência do mercado. E isso não acontece por acaso, é uma colonização que age primeiro na nossa mente, nos fazendo esquecer que temos outros caminhos.
Outro ponto trazido foi que a agroecologia tem o rosto de mulheres, em África e no Brasil. São elas as guardiãs dos conhecimentos e das sementes crioulas. Foi um convite a descolonizar o pensamento e recuperar a autonomia que sempre foi nossa.
Entre uma fala e outra das sessões da Assembleia, as apresentações musicais lembraram que cultura também é luta. “Mudemos o sistema, não o clima” ecoou como um lembrete do que realmente está em jogo após essa primeira parte.
O que fica da plenária?
No fim, as sínteses apresentadas reuniram o essencial das discussões da Cúpula dos Povos e deixaram evidente o rumo que os movimentos sociais apontam para o futuro. A centralidade da vida apareceu como compromisso inegociável, reforçando que qualquer projeto de sociedade precisa colocar o cuidado, o bem-estar e a dignidade no centro das decisões.
Também ficou claro que a soberania popular não virá por decreto, ela é construída no cotidiano, pelas mãos do povo organizado e pelas práticas que nascem nos territórios. Nesse caminho, os movimentos assumem para si a tarefa de enfrentar e derrubar as estruturas do sistema imperialista, colonial, racista, machista e LGBTQIAPN+fóbico que molda as desigualdades que vivemos.
As alternativas reais, discutidas na Assembleia, não brotarão dos discursos oficiais, mas da experiência concreta das comunidades que reinventam suas formas de viver. Por isso, a unidade política e econômica aparece como condição para resistir e avançar. O horizonte é de luta, sim, mas também de vitórias possíveis e palpáveis.
E, ao final, as falas que encerraram a plenária trouxeram justamente essa força: mesmo diante da violência e das tentativas de silenciamento, o povo segue se movimentando.



