Sara Paixão, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30

Em mais um dia de premiação concedida aos países que “estão fazendo o máximo para alcançar o mínimo” quando se fala em progresso nas negociações e soluções para o enfrentamento à crise climática, na quinta-feira (13), o Japão levou o Fóssil do Dia por “promover soluções falsas” e “financiar projetos de carvão, petróleo e gás, além de tecnologias perigosas” que devastam o planeta.

A entrega da premiação Fóssil do Dia, idealizada por uma rede internacional de organizações socioambientais, a Climate Action Network (CAN), ocorre diariamente na COP30, às 18h, na Zona D, da Blue Zone (Área de Ação 1).  

Já o primeiro ganhador do Fóssil do Dia desta COP, foi o Reino Unido, no dia 12. Segundo o júri da rede que desde 1999 realiza a premiação – “por tratar a Transição Justa global como uma ‘questão interna’ e por ‘não dar ouvidos’ enquanto o mundo se une para exigir soluções globais”.

De outro lado, o primeiro dia de premiação (11) foi diferente. A rodada de premiações em mais uma edição da Conferência das Partes sobre o Clima, teve início, excepcionalmente, com a entrega do Raio de Luz do Dia, para o G77+China. O troféu é destinado àqueles que iluminam como a luz do sol nas salas de negociações. O grupo reúne 134 países em desenvolvimento e neste ato, foi parabenizado pela intervenção que fez no Diálogo para uma Transição Justa.

E o Fóssil do Dia vai para… o Japão

Três violações da justiça climática impulsionaram a entrega do troféu, como aponta a CAN:

1. O Japão impulsiona fontes de energia fóssil

Os ambientalistas apontam que o Japão, dentro do pavilhão, apresenta como soluções a captura e o armazenamento de carbono (CCS), o hidrogênio e a co-combustão de amônia. “Essas não são soluções climáticas – são cortinas de fumaça. Soluções tecnológicas para prolongar a vida útil dos combustíveis fósseis, não para acabar com ela”, destaca a rede.

2. Violação dos direitos indígenas

A CAN aponta que o financiamento de megaprojetos de gás na Austrália – de Scarborough ao Burrup Hub – ameaçam terras, águas e cultura. E ainda, sem consulta livre, prévia e informada. “As comunidades indígenas foram pressionadas ao silêncio por meio de ordens de censura”. E destaca ainda que há impactos sobre a cultura, já que arte rupestre, mais antiga que as pirâmides, sofre erosão pelas emissões. Fora isso, destacam, o Japão está cometendo “colonialismo de exportação”, pois “contrata gás em excesso e depois o revende por toda a Ásia, substituindo as energias renováveis ​​e sabotando a Transição Justa exigida pelas comunidades em toda a região”. E ainda, que desde 2008, o Japão e a Coreia do Sul investiram US$ 20,5 bilhões em gás australiano. A agência de crédito à exportação do Japão, sozinha, garante 64% desse valor, financiando o caos climático.

3. O Japão mina uma Transição Justa

O Japão continua resistindo aos esforços para incorporar justiça, equidade e planejamento de transição centrado nas pessoas no âmbito da UNFCCC. Na COP30, o Japão está bloqueando as iniciativas para consagrar a justiça na transição. Apoia a opção de “não fazer nada até 2026”, recusando-se a apoiar mecanismos institucionais para a equidade ou a participação da comunidade. Nem sequer tenta disfarçar sua aversão à discussão sobre Transição Justa na UNFCCC.

Reino Unido emperra proposta global de transição justa

Na quarta-feira (12), quem passou vergonha foi o Reino Unido, que recebeu o Fóssil do Dia por “tratar a Transição Justa Global como uma ‘questão interna’ e por ‘não dar ouvidos’ enquanto o mundo se une para exigir soluções globais”.  

Segundo a CAN, o Reino Unido levou o prêmio por se recusar a reconhecer a necessidade de um mecanismo global, alegando que as estruturas existentes da UNFCCC eram “suficientes”, sem levar em conta os apelos por um apoio internacional coordenado. E assim, o país segue reproduzindo um padrão eurocêntrico de ignorar as realidades vividas e a experiência do Sul Global, e justamente, negar apoio aos outros países durante uma sessão da COP sobre justiça e cooperação internacional.

Além disso, o Reino Unido tentou restringir o âmbito da Transição Justa, ao lhe dar um tratamento de “questão interna” – reduzindo assim o espírito de solidariedade e aprendizagem conjunta. Houve ainda uma crítica à comunicação, que utilizava expressões como “resultados ambiciosos” e “ação acelerada”, sem embasamento algum. O que foi considerado decepcionante para um país tido como um possível campeão da Transição Justa, por conta de suas iniciativas nacionais promissoras, como a de empregos verdes. Apesar de a rede de organizações ainda esperar por uma mudança de postura, por hora, por se opor ao progresso das negociações e confundir “gestão” com justiça, o Reino Unido fatura o primeiro título de Fóssil do Dia.

G77+China faturam o prêmio Raio do Dia

O Grupo dos 77 + China receberam o prêmio “Raio do Dia” por apresentarem um caminho para uma transição justa. O título veio devido à defesa do estabelecimento de um Mecanismo de Transição Justa no âmbito da UNFCCC, por meio de uma proposta que reuniu muitos dos elementos centrais que a sociedade civil e os sindicatos já vêm promovendo por meio do Mecanismo de Ação de Belém (BAM):·        

Integrar a justiça e a equidade em todos os níveis de implementação; Promover a coordenação e a partilha de conhecimentos entre setores e instituições; Apoio a financiamentos que não gerem dívida para períodos de transição; fortalecimento do diálogo social; e garantir que as pessoas, e não os lucros, permaneçam no centro da ação climática.

Ao defender uma visão estruturada para a próxima fase do Programa de Trabalho para uma Transição Justa, o Grupo dos 77+China incorporou o espírito de liderança, que o presidente Lula chamou de “a COP da Verdade” – com uma visão baseada na cooperação mútua entre os países e sem receio de propor soluções que coloquem a justiça no centro do processo.

A declaração do G77+China reafirmou que a era da retórica vazia deve ceder à ação institucional – e que a Transição Justa não pode mais seguir como um conceito.

Ela deve se tornar um mecanismo global coordenado que ofereça apoio real aos trabalhadores, às comunidades e aos países que enfrentam crise idêntica aumentadas pelas desigualdades sociais num cenário de mudanças climáticas. Há uma esperança de que essa defesa crie o efeito bola de neve necessário para construir consenso e o reconhecimento de que essa proposta poderia ser a base para um progresso real na COP30.

Solidariedade ao Sudão

Nesta semana também foi anunciado o Prêmio Solidariedade pela Justiça, concedido ao povo do Sudão, em reconhecimento à sua extraordinária coragem, resiliência e compromisso inabalável com a justiça diante de um sofrimento insuportável. O título concedido na COP reconhece exemplos de solidariedade, coragem e de resiliência de um país, povo ou comunidade que sofre com a opressão e graves violações dos direitos humanos. O povo do Sudão perdeu vastas áreas de terra e ecossistemas, que resultaram na destruição de meios de subsistência e na grave ameaça à saúde e à nutrição de mulheres e crianças.

Em meio à guerra e à catástrofe humanitária, o povo sudanês personifica os valores centrais como solidariedade, justiça e esperança. E a CAN International apoia o apelo feito pela CAN África às Nações Unidas, ao Conselho de Segurança da ONU, à União Africana e a todos os atores internacionais para que trabalhem com todos os lados do conflito a fim de pôr fim à guerra, proteger civis e restaurar a paz, a dignidade e os meios de subsistência de milhões de pessoas que perderam seus familiares e suas casas. 

O Prêmio

A entrega dos prêmios foi iniciada em 1999, em Bonn. Na época, durante as negociações da Organização das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas (www.unfccc.int), os integrantes da Rede de Ação Climática (Climate Action Network International – CAN) decidiram eleger os países pela “melhor” atuação [contém ironia] por bloquear o avanço das pautas e as medidas de contenção que estavam em jogo. Deste então, em toda COP, a premiação contempla vencedores diários.