Na COP, Black Zone amplia debate sobre políticas de cuidado na perspectiva de mulheres negras
Dona Nilma, Anielle Franco e tantas outras manas, em uma roda afetuosa, nos lembraram que o cuidado é um ato político e multidimensional
Graziela Brum, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30
Enquanto Belém sedia a COP 30 oficial da ONU, a cidade também pulsa com diversas “COPs” paralelas, organizadas por instituições, ONGs e coletivos. Um dos espaços mais potentes neste sentido é a Black Zone, instalada em tendas na histórica Praça da República. Foi lá que, entre rodas de conversa, momentos de cura, práticas feministas e ancestralidade, testemunhamos o debate fundamental sobre as políticas de cuidado.
A iniciativa homenageia Raimunda Nilma de Melo Bentes (Dona Nilma), mulher negra, escritora e pioneira ativista pelos direitos das mulheres e da população negra, cujo legado vitaliza esse quilombo urbano. A presença da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, reforçou a importância de levar a discussão a um evento global, mobilizando mulheres negras em torno de uma questão urgente.

O tema é mais do que atual. Em 2024, o Brasil instituiu a Política Nacional de Cuidados, um marco legal que reconhece o cuidado como um direito universal. Trazer esse debate para o centro da COP 30 é essencial. O trabalho de cuidado, historicamente invisibilizado e não remunerado, é a base que sustenta a sociedade: mais da metade dos lares brasileiros, de acordo com o Censo de 2022, são chefiados por mulheres. Essa estrutura, muitas vezes, depende da rede de apoio composta, justamente, por outras mulheres – avós, vizinhas, amigas – para que a mãe chefe de família possa trabalhar fora.
O objetivo central da política é, justamente, desnaturalizar a ideia de que o cuidado é uma responsabilidade exclusiva das famílias – e, dentro delas, sobretudo das mulheres. Propõe-se uma corresponsabilidade que envolva também o Estado, o mercado, a comunidade e os homens.
Trata-se de uma ferramenta crucial para reduzir desigualdades, fechando brechas de gênero e socioeconômicas e permitindo que mulheres participem plenamente do mercado de trabalho, da educação e da vida pública. Uma pergunta que nos acompanhava antes mesmo da COP 30 ecoa aqui e agora: por que há tantos homens chefiando delegações e em cargos de liderança, e tão poucas mulheres? A resposta reside, em grande parte, nessa estrutura social, racial e econômica que sobrecarrega as mulheres com as responsabilidades do cuidado familiar.
Na Black Zone, enxergamos um farol. Dona Nilma, Anielle e tantas outras manas, em uma roda afetuosa, nos lembraram que o cuidado é um ato político e multidimensional: é fundamental conosco mesmas, com nossos filhos, com as outras irmãs e com a Mãe Terra. Ali, foi criada uma egrégora de colaboração mútua, fomentando um sentimento profundo de pertencimento a um planeta onde todas as discussões – climáticas, raciais, de gênero – estão interligadas, tendo a Terra como base.
A Política Nacional de Cuidados é, portanto, a materialização desse ideal. Ela permite a garantia de direitos, assegurando que tanto quem recebe quanto quem promove o cuidado tenha sua dignidade e direitos humanos respeitados. É a compreensão de que não há justiça climática sem justiça social e de gênero.



