Aldeia COP e o desafio de descolonizar o debate climático
Povos indígenas transformam a COP30: Aldeia COP marca a luta por autonomia e justiça climática
por Nicole Grell
Instalada no campus da Universidade Federal do Pará, em Belém, a Aldeia COP se tornou o espaço mais simbólico e politicamente significativo da 30ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP30). Idealizada para acolher cerca de três mil indígenas de diferentes regiões do Brasil e de outros países, se afirmando como território de encontro e de diplomacia entre povos que há séculos são protagonistas da defesa da floresta e da estabilidade climática.
A Aldeia COP, portanto, não é apenas um gesto simbólico de inclusão, mas uma reivindicação de soberania epistêmica e política: um espaço onde os povos falam por si mesmos e desafiam as hierarquias que historicamente os silenciaram dentro da governança climática global. usar como lead
A diversidade que compõe a Aldeia rompe com a visão genérica e homogênea que frequentemente reduz os povos indígenas a uma única identidade. Estão representados ali mais de 180 povos, entre eles Tikuna, Baniwa, Kayapó, Guarani, Tukano, Karajá, Krahô, Warao, Yanomami, Huni Kuin e Munduruku, além de delegações de países andinos, amazônicos e de outros continentes.
Essa multiplicidade transforma o espaço em uma verdadeira assembleia internacional dos povos originários, em que diferentes cosmologias e modos de existir se cruzam para propor outras formas de pensar o clima, o território e o futuro.
A Aldeia COP é, assim, um território de escuta, troca e articulação política que reposiciona o papel dos povos indígenas dentro das discussões globais sobre a crise climática.
Embora a Aldeia COP simbolize a maior presença indígena já registrada em uma conferência do clima, o acesso aos espaços de decisão continua restrito. Apenas cerca de 360 indígenas, o equivalente a 14% do total de participantes, foram credenciados para a chamada “Zona Azul”, o núcleo onde ocorrem as negociações oficiais entre Estados, organismos multilaterais e corporações. Essa disparidade explicita o caráter seletivo da governança climática: enquanto milhares de lideranças ocupam os espaços de mobilização e diálogo, as instâncias decisórias permanecem sob controle de atores estatais e econômicos.
A limitação de acesso à Zona Azul transforma a presença indígena em uma participação condicionada, em que a escuta é permitida, mas a influência ainda é bloqueada por filtros institucionais e diplomáticos. Para as lideranças que participam da Aldeia COP, atravessar essas barreiras não é apenas uma questão de representatividade, mas um ato político de contestação à hierarquia global que define quem pode decidir sobre o futuro do planeta.
Idealizada e coordenada pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI), em parceria com a UFPA e com apoio da Secretaria Extraordinária da Presidência da República para a COP30, a Aldeia COP foi pensada como um território autônomo dentro da conferência. Mais do que um alojamento ou estrutura de apoio logístico, a Aldeia COP simboliza uma disputa histórica por reconhecimento e autonomia política. Suas lideranças não falam em nome de governos, partidos ou instituições estatais, mas em nome de comunidades, associações e coletivos que definem suas próprias formas de representação e decisão.
Ao atuar de maneira autônoma, essas organizações afirmam um modelo de diplomacia que não depende das mediações estatais, mas que emerge de suas práticas de governança tradicional e de seu vínculo direto com os territórios. Essa presença reconfigura as fronteiras da COP30 ao inserir, no centro de um evento dominado por Estados e corporações, uma arena em que o conhecimento ancestral, a gestão comunitária e a ética da reciprocidade com a natureza ganham estatuto político.
A estrutura montada na área da Escola de Aplicação da UFPA, na Avenida Perimetral, bairro Terra Firme, se tornou um espaço de convergência entre centenas de etnias e organizações, entre elas a FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), a UNIVAJA (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e a Comissão Guarani Yvyrupa.
A expectativa é reunir lideranças de todas as regiões do país, além de representantes de povos andinos, centro-americanos e do norte global, compondo uma geopolítica indígena própria que tensiona o formato tradicional da COP.
A programação da Aldeia COP se estende por toda a duração da conferência e expressa a amplitude das pautas que estruturam a luta dos povos indígenas frente à crise climática. Além de painéis conduzidos pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI), dedicados à Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI), ao Plano Clima 2024-2035 e ao Ciclo COParente, o espaço reúne debates sobre transição energética justa, soberania alimentar, economia da sociobiodiversidade, juventude, mulheres indígenas e financiamento climático.
Outros ministérios, como o das Mulheres e o do Turismo, e autarquias federais, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), também integram a programação com atividades voltadas a políticas públicas estruturantes, demarcação de terras, saúde, cultura e fortalecimento das economias locais.
As discussões são acompanhadas por plenárias interétnicas, rodas de conversa, rituais e apresentações culturais que reafirmam a centralidade dos territórios e saberes indígenas na construção de alternativas à crise climática.
O enfoque político é evidente: transformar a presença indígena em poder de incidência. Cada painel propõe uma leitura crítica do sistema climático global e busca inserir na agenda internacional princípios de autodeterminação, reparação histórica e justiça ambiental. Como destacou a ministra Sônia Guajajara, trata-se de “garantir que a voz dos povos não esteja apenas nas margens, mas no centro das decisões que definem o futuro da humanidade”.
A Aldeia COP, portanto, não é um espaço folclórico ou complementar, é um território político que desafia as fronteiras da própria COP30. Ao ocupar a universidade e reorganizar o modo de participação dos povos indígenas, o governo brasileiro e as lideranças originárias sinalizam uma tentativa de reposicionar o país e a Amazônia no mapa da diplomacia climática. Nesse processo, a luta por visibilidade se transforma em uma reivindicação de soberania: falar pelos territórios é também disputar o sentido de justiça climática no século XX.
A programação completa da Aldeia COP pode ser consultada no portal oficial do Ministério dos Povos Indígenas: https://www.gov.br/povosindigenas/pt-br/assuntos/noticias/2025/10-1/mpi-divulga-a-programacao-da-aldeia-cop.



