Dia do Pantanal homenageia ambientalista que ateou fogo no próprio corpo em protesto pelo bioma
Passados 20 anos do sacrifício do herói – como o homenageou Manoel de Barros -, ameaças se multiplicam, como projetos de hidrovia e hidrelétricas
Layla Alves, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30
Em 12 de novembro de 2005, o ambientalista e jornalista Francisco Anselmo Gomes de Barros, também conhecido como Francelmo, ateou fogo no próprio corpo. Há 20 anos atrás, em Campo Grande (MS), colocou dois colchonetes em forma de cruz na calçada, jogou gasolina neles, sentou-se e deixou que as chamas o devorassem.
Esse ato extremo que o fez sofrer com queimaduras em 100% do corpo, e o levou à morte, foi em protesto à instalação de usinas de álcool e açúcar na bacia do rio Paraguai, no Pantanal. Após 30 anos de luta pela preservação do Pantanal, abriu mão de tudo que tinha para colocar a maior planície alagável do planeta, em uma posição de protagonismo, clamando para que o mundo ficasse atento ao risco de perda do bioma.
‘’A minha vida sempre foi um sacerdócio em defesa da natureza. É a nossa casa e o presente maior de Deus. Se ele deu a vida por nós, eu estou dando a minha vida por ele, defendendo o futuro dos nossos filhos’’, disse Francisco em uma das cartas deixadas antes do ato.
O dia de hoje, que celebra o dia do Pantanal, homenageia Francisco, a partir de uma moção aprovada em 2008 pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). No próximo sábado (15) ele também será lembrado durante atividade na COP30, em Belém (PA), realizada pela Escola de Economia Criativa da Zona Verde no Parque da Cidade. Trata-se do seminário “Vidas que vão, lutas que ficam: Francelmo, o Pantanal e os defensores do clima”, organizado pela Environmental Justice Foundation (EJF).
E duas décadas depois, o Pantanal continua sob risco…
Estamos perdendo tempo, água, fauna e flora

Reconhecido como Patrimônio Nacional e da Humanidade, o Pantanal – que tem porções nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul – dispõe da ‘’vista pantaneira’’.
A paisagem ampla do ecossistema permite que os visitantes apreciem seu cenário natural: repleto de variedade ambiental, cores, formatos e pluralidade.
Peculiar e sensível, esse bioma é a casa de uma das maiores biodiversidades do mundo e reúne vegetação nativa e espécies endêmicas, como savanas, matos, cerrados, onças-pintadas, jacarés, capivaras, araras-azuis e muito mais.
Além de ser berço de uma pluralidade enorme de fauna e flora, também compõe a maior área úmida do planeta, atuando no abastecimento de água de várias regiões, e tendo importância inestimável na regulação do clima.
As áreas úmidas desse ecossistema retém carbono em maior quantidade por metro quadrado do que outros ecossistemas, diminuindo a probabilidade de eventos climáticos extremos.
Entretanto, apesar de toda sua relevância e o sacrifício de Francisco, o Pantanal segue sob ameaça.
Segundo dados fornecidos pelo Programa de BDQueimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 2024, os focos de incêndio no Pantanal tiveram um aumento de 8% em comparação ao números de 2020, que era considerado o ano com maior índice de queimadas que atingiram o bioma.
E não para por aí: de acordo com o mapeamento da Amazônia do MapBiomas, ocorreu um aumento de 157% dos incêndios no ecossistema, tornando-o o bioma com maior incidência de queimadas no país, proporcionalmente.
A preservação do Pantanal se torna um desafio cada vez maior à medida que os anos passam, e os danos se intensificam e multiplicam.
SOS Pantanal
Reverter essa situação é crucial na luta pela sustentabilidade e equilíbrio climático. E muitos aguerridos defensores do bioma, seguem na luta, principalmente, tendo a COP30 como espaço de denúncia.
As organizações socioambientais SOS Pantanal, EJF, Chalana Esperança e Documenta Pantanal, por exemplo, lançaram uma campanha em favor da inclusão e destaque das áreas úmidas na agenda climática da COP 30, visando soluções sustentáveis para proteção desse bioma, a fim de garantir, também, a participação dos povos indígenas e das comunidades locais nesses meios de debate.
Realçam que é preciso dar voz à ciência e às pessoas que vivem nos territórios, pois não há progresso sem esses elementos.
O Instituto SOS Pantanal trabalha pela conservação do Pantanal desde 2009, lutando pelo refinamento de políticas públicas e a disseminação de informação sobre o tema. A iniciativa tem como objetivo montar uma “linha de frente” em questões relacionadas ao ecossistema, seja na esfera da sociedade civil ou do setor público, para garantir que o Pantanal continue a existir e, mais do que isso, se desenvolva com os tempo ao invés de ser diminuído e destruído gradativamente.
Além dessa campanha, aconteceu uma pré-COP centralizada na questão pantaneira, que trouxe visibilidade para as dificuldades que esse bioma e seus defensores enfrentam diariamente, em preparação para o evento em Belém (PA).
COP Pantanal
Paralelamente à COP em Belém, em Cáceres, ativistas do bioma realizam até esta quarta-feira (12), a “COP Pantanal: Saberes e ações pelo clima”, organizada pela Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat) e pelo Instituto Federal do Mato Grosso (MT). O encontro foi sediado no município pantaneiro de Cáceres, a 218 km de Cuiabá. As atividades envolvem apresentação de trabalhos relacionados à biotecnologia e soluções sustentáveis, além da elaboração da Carta do Pantanal.
A Carta do Pantanal é uma declaração dos compromissos e diretrizes regionais para utilizar o bioma de maneira responsável e preservá-lo. Posteriormente, o documento será levado para o diálogo climático em nível mundial; qualquer pessoa ou comunidade poderá contribuir por meio do preenchimento de um formulário digital.
A COP Pantanal une diferentes agentes de comunidades tradicionais, escolas, movimentos sociais, representantes dos setores público e privado. Seus anseios, além da proteção ao bioma, miram na justiça climática e justiça social.
Uma prova de que o cuidado e a garra pelo Pantanal, vai além da COP 30, é uma preocupação e uma batalha que se renova diariamente.
No Pantanal, segue-se o ritmo das águas

O Pantanal é a maior planície alagável do planeta: o ritmo da vida nesse bioma é declarado pelo ritmo das águas. Todavia, essa dança está sendo ameaçada por planos que cobiçam implementar, de maneira permanente, portos, barragens e canais de navegação.
No momento, uma das maiores preocupações envolvendo os pantaneiros, como divulgado pelo Ministério Público Federal (MPF), é a implementação e utilização de hidrovias e hidrelétricas que afetam a dinâmica hídrica do Pantanal.
Em matéria publicada no dia 7 de novembro, três dias antes do início da COP 30, o MPF apontou que existem inúmeros projetos que podem afetar irreversivelmente o contexto de alagamento e esvaziamento do bioma. Contudo, a Hidrovia Paraguai-Paraná vem se mostrando uma ameaça crescente ao ecossistema.
Mas por que?
Segundo o Ministério Público Federal, “O empreendimento prevê intervenções agressivas, como dragagens, derrocamentos (remoção de rochas com explosivos) e retificação de trechos em mais de 50 pontos críticos do Rio Paraguai, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.”
No decorrer do texto, o ministério também aponta que os afloramentos rochosos, conhecidos como gargalos naturais, que agem como reguladores do fluxo da água, também estão sob risco: de acordo com técnicos, a remoção desses afloramientos podem “antecipar as cheias e intensificar inundações em áreas a jusante, ou seja, rio abaixo, inclusive na Argentina.”
O procurador da República Marco Antônio Delfino, atuante em Mato Grosso do Sul, explicou a extensão do problema: “O aumento da velocidade de escoamento da água pode acarretar uma drenagem do Pantanal com efeitos irreversíveis para as áreas úmidas ali existentes. Pode reduzir as inundações laterais e drenar a planície pantaneira, comprometendo o ciclo natural que mantém o bioma vivo”.
Outro grande preocupação diz respeito aos impactos culturais e sociais. O MPF alerta que a drenagem é nociva para as comunidades ribeirinhas, pescadores e indígenas do povo guató, que dependem dessa dinâmica já conhecida.
“Podemos falar da Mata Atlântica, da Amazônia, da Caatinga ou do Pantanal, mas nenhum desses biomas existe de forma plena sem as comunidades que vivem e cuidam deles”, diz Delfino.
Essa briga nunca vai acabar
Essa matéria não visa romantizar a morte precoce de um idealista, mas destacar o que esse dia representa: a luta incansável, — e que, por vezes, parece interminável — pela justiça climática. A crença no ideal não foi o único motivo que catapultou a decisão extrema de Fernandes, mas, também, um estado de espírito que todos conhecem: o desespero. Desespero pelo futuro, desespero pela natureza, desespero por gritar e não ser ouvido, desespero de tentar mudar para melhor.
É o mesmo desespero estampado nos jornais: ano mais quente até agora, número de queimadas bate recorde, meta de diminuição de emissão de carbono não é alcançada, fauna e flora sofrem risco de extinção, entre tantas outras. É o mesmo desespero dos povos originários que, a cada dia, perdem mais hectares das suas terras e do seu espaço político e cultural. É o mesmo desespero que sentimos frente às ameaças à fauna e flora brasileira, a brutalidade que cerca cada ato e decisão.
Francisco, que deu sua vida pelo Pantanal, não deve ser visto como último herói, como versificou o poeta Manoel de Barros, mas como o herói que abriu portas para os próximos defensores da causa.
A 30ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que está acontecendo no mesmo mês do Dia do Pantanal, é uma grande oportunidade de mudança. Na ocasião, chefes de estado, ativistas, ambientalistas, pesquisadores e indígenas de diversas regiões se encontram para discutir sobre soluções.
Pois, para além de acordos e negócios, é preciso colocar a mão na massa. Uma forma que a sociedade civil tem, é de pressionar os líderes a seguirem as diretrizes, buscar se informar sobre políticas públicas e defender a proteção ambiental ao tempo em que luta contra os retrocessos.



