A Energia Feminina da Flotilha Yaku Mama
Por Daniela Beltrán / Fotos: Cobertura Colaborativa Yaku Mama Yaku Mama significa Mãe Água na língua kichwa; é essa mãe que dá vida, acolhe e sustenta tudo o que existe, tudo o que morre, tudo o que é. A água é gerada no ventre da terra, é feminina e tem memória. Nela pulsarem milhões de […]
Por Daniela Beltrán / Fotos: Cobertura Colaborativa Yaku Mama
Yaku Mama significa Mãe Água na língua kichwa; é essa mãe que dá vida, acolhe e sustenta tudo o que existe, tudo o que morre, tudo o que é. A água é gerada no ventre da terra, é feminina e tem memória. Nela pulsarem milhões de corações, ressoando em todos os territórios que oferecem o sopro da vida no planeta.
Respiramos graças ao movimento e ao equilíbrio perfeito de cada ser humano e não humano, visível e invisível, que habita este território. De alguma forma, esse entendimento está presente em todas as comunidades indígenas que fazem parte deste movimento, mesmo sendo de diferentes partes do mundo.
A flotilha Yaku Mama é uma voz coletiva de resistência e de luta pela vida, uma flotilha que unifica vozes de diferentes nacionalidades indígenas (e não indígenas) com o objetivo de levantar uma mensagem clara: os tempos de extração indiscriminada, espoliação e abuso nos territórios ancestrais precisam acabar agora. Temos clareza de que a terra não é uma coisa material ilimitada que existe para ser destruída por nós a fim de alimentar a ganância e a acumulação de poder de poucos. Entendemos que tudo está tão vivo quanto conectado, e que a água, o ar, os alimentos e o calor são um presente que nos permite estar aqui; por isso, somos recíprocas e gratas à terra.
Você me cuida, e eu te cuido de volta. Sagrada reciprocidade.
A jornada de aproximadamente 3.000 km pelo rio rumo à COP30, desde os Andes equatorianos até o oceano Atlântico, no Brasil, tem sido uma viagem tão sonhada quanto desafiadora. Talvez agora pareça natural que tantas de nós, filhas, irmãs, mães, ativistas, artistas, lideranças, criadoras, sábias, mulheres, estejamos presentes em uma travessia como esta.
Reconhecemos a luta das que vieram antes e abriram o caminho para que agora possamos estar aqui representando e falando por aquelas que não puderam vir, comunicando a partir de nossa voz e nossa perspectiva, compartilhando os desejos e propostas de nossas comunidades em um espaço de decisões internacionais sobre o futuro da nossa terra. Sabemos que agora estamos abrindo caminho para as próximas gerações, que terão de enfrentar uma luta complexa pela defesa da vida.
São mais de quinhentos anos de violência e extração em nossas terras. Árvores morrem, montes caem, rios secam, os seres fogem da destruição, e nos arrancam os e as defensoras da vida. Nós sustentamos com amor e agimos sem hesitar para proteger o lar.
Compreendemos a diversidade de histórias, línguas, seres e costumes de cada povo, e abraçamos todos por igual, porque sabemos que, na raiz de toda história, existe respeito e gratidão pela existência que nos dá a oportunidade de respirar, de sentir a água correr por nosso corpo, a brisa soprar nosso cabelo, o alimento que nos nutre e nos permite compartilhar em família.
Deixamos em pausa uma vida, filhos, filhas, esposos, companheiros, família, rios, lares e responsabilidades, ara estar aqui. As realidades de muitos dos territórios ameaçados habitados pelas mulheres presentes na flotilha são complexas e dolorosas. E aqui estamos, juntas, tecendo sonhos, compartilhando histórias, trançando o cabelo umas das outras, cuidando do espaço; sentindo profundamente esta travessia pela Amazônia de mãos dadas com Serena, Gunayala, Gareno, Santa Clara, Cuzco, Dayak Bahau, Pukayaku, Nina Amarun, Porto Lindo, Itia, Llanchama Cocha, Totonicapán, Yana Cocha e Sarayaku.
Dizem que as mulheres sentem a partir de outro lugar. Muitas de nós, ancestralmente, enterramos o cordão umbilical na terra, conectando-nos diretamente à raiz. Geramos vida em nosso ventre de água e sangramos com a lua. Nossos ciclos estão conectados aos da terra e agimos a partir da intuição. Sentimos profundamente a dor da destruição e a transformamos em paixão e compromisso. Buscamos o bem-estar coletivo de todos os seres que merecem viver em liberdade.
Nossa essência é criadora, não destruidora. Queremos existir, não resistir. A força feminina é feroz e doce, é determinada e flexível, é sábia e sensível.
Estar aqui não é fácil, mas o fazemos porque entendemos a responsabilidade que habita em cada uma de nós ao reconhecer as realidades de tantos territórios que clamam por justiça, e podemos fazê-lo porque estamos juntas e porque sabemos que nossa voz não é apenas importante, mas fundamental na luta pela vida.
A Yakumama nos permitiu mover-nos ao longo da floresta, fluindo por seu corpo que nos sustentou em múltiplas embarcações, para ouvir sua história e suas feridas. Em cada comunidade ribeirinha recolhemos sementes nas quais nos vemos refletidas. Entendemos que o rio é o sangue que corre em nossas veias e que, se não pudermos nos ver refletidas nele, não saberemos reconhecer nossa origem e nossa história. Como lembramos nossa memória se não podemos nos ver na água?
Nossa luta é um grito pela recuperação da consciência, um ato de amor profundo pela existência.



