Cúpula dos Povos celebra protagonismo dos territórios amazônicos com programação plural na COP30
Foto: Mídia Ninja
Nicole Grell Macias Dalmiglio, para a Cobertura Colaborativa NINJA COP30
Belém vive dias de intensa mobilização popular. Especialmente, entre 12 e 16 de novembro, quando a Cúpula dos Povos reúne centenas de movimentos sociais, coletivos, redes e organizações no encontro que promete ser o coração político da COP30, evento global sobre mudanças climáticas que acontece na capital paraense. A programação oficial da Cúpula reflete a diversidade de vozes e lutas que atravessam o Brasil e a América Latina, combinando debates, feiras, marchas, oficinas, apresentações culturais e espaços de articulação política.
A Cúpula foi construída ao longo de mais de um ano por organizações indígenas, quilombolas, sindicais, camponesas, ambientais, feministas, urbanas, estudantis, de juventude e de direitos humanos, que se uniram para criar um espaço autônomo de debate e proposição frente à conferência oficial da ONU. O objetivo é fortalecer as pautas de justiça climática, democracia, solidariedade internacional e soberania dos povos, valorizando as soluções que nascem nos territórios.
O Manifesto da Cúpula dos Povos é o eixo político do evento e orienta grande parte de sua programação. No texto, elaborado coletivamente desde 2023, os movimentos afirmam que “é preciso rever o modelo econômico vigente e eliminar a produção e queima de combustíveis fósseis”, além de implementar políticas de “desmatamento zero e transição energética justa, popular e inclusiva”.
O documento denuncia as “falsas soluções climáticas” baseadas na financeirização da natureza e defende a demarcação e regularização dos territórios indígenas e quilombolas, o reconhecimento da natureza como sujeito de direitos e a ratificação do Acordo de Escazú.
Em tom de convocação, o documento conclama governos e sociedades a agir com urgência, afirmando que “nada disso ocorrerá sem a ampla pressão e participação efetiva da sociedade civil”.
Programação
A programação, disponível no site oficial (cupuladospovoscop30.org), traz uma agenda descentralizada e participativa. Durante cinco dias, Belém se transformará em uma grande arena de diálogo, onde diferentes linguagens (científica, tradicional, artística e comunitária) se cruzam para repensar o futuro do planeta.
Logo na abertura, no dia 12 de novembro, está prevista a Marcha Unificada dos Povos pela Amazônia, que deve reunir milhares de pessoas nas ruas da cidade. A caminhada simboliza a força coletiva dos povos da floresta, das águas e das periferias urbanas, e marca o início de uma programação extensa. Em paralelo, começa a Feira Popular dos Povos, aberta durante todo o evento, com exposição de produtos agroecológicos, artesanato, publicações, tecnologias sociais e experiências comunitárias em economia solidária e comunicação popular.
Nos dias seguintes, as atividades se distribuem entre rodas de conversa, painéis temáticos, plenárias e assembleias. Entre os temas em destaque estão transição energética justa, soberania alimentar, desmatamento zero, bioeconomia indígena, racismo ambiental, direitos das mulheres, juventudes e povos tradicionais. Um dos eixos mais fortes da programação é a Cúpula das Infâncias e Juventudes, que propõe pensar o futuro climático a partir da educação e da participação política das novas gerações.
As discussões também tratam de temas urgentes no cenário amazônico, como a violência contra defensores ambientais, a demarcação de terras indígenas, a mineração em territórios tradicionais, a governança da água e o enfrentamento ao crime ambiental. Painéis sobre comunicação livre e soberania digital buscam destacar o papel da informação como ferramenta de resistência e cuidado com o território.
Ao longo da semana, os espaços da Cúpula abrigarão atividades culturais e apresentações artísticas de grupos indígenas, quilombolas e periféricos, reafirmando que a arte também é uma forma de luta política. A programação prevê ainda plenárias inter-religiosas e momentos de espiritualidade coletiva, valorizando o pluralismo e as conexões entre fé, ecologia e ancestralidade.
Entre as organizações envolvidas estão a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA), a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), além de redes sindicais, ambientais, camponesas e de juventude. Essa convergência dá forma ao chamado “círculo dos povos”, que organiza os espaços de debate e articulação da Cúpula.
Mais do que um conjunto de atividades, a programação da Cúpula dos Povos revela uma visão de mundo em disputa. Cada painel, marcha e oficina é um ato de resistência e de criação: juntos, eles constroem uma narrativa comum sobre o que significa enfrentar a crise climática a partir dos territórios e das vidas que nela se inscrevem. Ao levar esse encontro para o coração da Amazônia, a sociedade civil brasileira transforma a floresta em sujeito político — não apenas cenário, mas também voz. A mensagem que ecoa de Belém é clara e urgente: as soluções para a crise não virão das cúpulas de vidro, mas das margens onde ainda se cultiva o sentido da terra, da água e do ar como bens coletivos. É ali, entre rios e raízes, que o mundo reencontra a sua possibilidade de futuro.
A Cúpula dos Povos faz da programação um manifesto vivo, um convite para repensar o que significa habitar e proteger o planeta a partir da Amazônia.



