por Luana Campos, Cacique Denir Marques Da Silva, Andrew Potts e Salma Sabour

A cultura e o patrimônio são, ao mesmo tempo, altamente vulneráveis às mudanças climáticas e fundamentais para a adaptação. A COP30 representa uma oportunidade crucial de transformar os avanços obtidos nos últimos anos em políticas efetivas que integrem esses elementos às estratégias de adaptação climática. Este artigo explora como a cultura e o patrimônio se conectam às negociações de adaptação da COP30, o que está em jogo e quais prioridades os defensores da causa podem promover para transformar o reconhecimento já conquistado em financiamento e ação concretos no futuro.

Como a Cultura, o Patrimônio e a Adaptação Climática se Interligam

Os conhecimentos indígenas, tradicionais e locais — assim como a narrativa oral e as artes — fortalecem a alfabetização climática, moldam a percepção de risco e estimulam mudanças de comportamento, tornando-se essenciais para estratégias de adaptação inclusivas. A perda do patrimônio cultural, tangível ou intangível, compromete a identidade, o senso de pertencimento e a resiliência comunitária — especialmente entre povos indígenas e comunidades que dependem diretamente do clima.

No Brasil, comunidades tradicionais enfrentam ameaças crescentes decorrentes de eventos extremos, como tempestades, enchentes e incêndios. Exemplos recentes incluem as fortes chuvas que atingiram comunidades quilombolas em Camburi, no litoral de São Paulo, e os incêndios devastadores no Pantanal. Nosso coautor Denir, cacique da Aldeia Barra do São Lourenço, no sul do Pantanal, descreve assim o impacto:

“O fogo de 2024 foi um fogo muito destrutivo, sabe? Já não temos mais cambará para fazer nossas canoas. Está matando a nossa cultura. Plantamos mudas de louro e cambará, mas quanto tempo vai demorar para crescer? Tivemos até dificuldade para coletar fibra de aguapé para fazer artesanato. Essas mudanças climáticas afetaram muito nosso território, afetaram mesmo a nossa comunidade.”

O Impulso pela Adaptação na COP30

Depois de anos em segundo plano, a adaptação vem ganhando destaque nas últimas COPs. Em sua 8ª carta pública, divulgada em 23 de outubro, o presidente designado da COP30, André Corrêa do Lago, declarou que a conferência de Belém deve ser lembrada como a “COP da implementação da adaptação”, construindo sobre a base lançada em encontros anteriores — especialmente a COP28 (2023), que adotou o histórico Marco do Objetivo Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês).

O Patrimônio Cultural no GGA

Em um avanço decisivo para a integração da cultura às políticas climáticas, o Marco do Objetivo Global de Adaptação incluiu o patrimônio cultural entre seus sete temas prioritários. A nova meta estabelece o compromisso de aumentar, até 2030, os esforços para proteger o patrimônio cultural, por meio do desenvolvimento de estratégias adaptativas para sítios e práticas culturais, e de infraestrutura resiliente ao clima, informada por sistemas de conhecimento indígena. O GGA também reconhece o papel transversal dos conhecimentos tradicionais e locais, bem como das habilidades, valores e atitudes, nos processos de adaptação.

Dois anos após sua adoção, porém, muitos sítios e sistemas culturais ainda estão despreparados diante dos riscos climáticos. Ainda assim, a inclusão no GGA abre portas para que projetos voltados à cultura e ao patrimônio sejam incorporados a planos nacionais e locais de adaptação e tenham acesso a financiamento climático. Uma coalizão de organizações já se prepara para aproveitar essa oportunidade com o lançamento, previsto para 2026, da campanha Heritage Adapts! 3000 x 2030, que pretende apoiar milhares de sítios e práticas culturais na implementação de estratégias adaptativas locais até 2030. Mas, para ampliar de fato essas soluções, os novos mecanismos e indicadores de implementação do GGA — que devem ser adotados na COP30 — precisam estar à altura desse desafio.

O Que Será Decidido na COP30

Espera-se que a COP30 adote indicadores específicos do GGA, com base no Programa de Trabalho Emirados Árabes–Belém da UNFCCC, que vem desenvolvendo métricas para medir o progresso desde a COP28.

A Aliança Patrimônio se Adapta ao Clima (HACA) — liderada pela Climate Heritage Network, pelo ICOMOS e pelo projeto Preserving Legacies — tem participado ativamente desse processo. Ainda assim, há preocupações em relação à lista preliminar de oito indicadores proposta por um grupo de especialistas da ONU em setembro, entre elas:

a exclusão do conceito de infraestrutura resiliente ao clima guiada por conhecimentos indígenas e locais;

a ênfase excessiva em métricas percentuais, que podem distorcer avanços graduais e privilegiar patrimônios oficialmente reconhecidos em detrimento do local e vernacular;

o incentivo ao uso de conhecimentos tradicionais sem a criação de métricas que assegurem engajamento ético e apoio direto a povos e detentores desses saberes;

e a ausência de vínculos adequados com a adaptação de sistemas alimentares, hídricos e sociais de forma mais ampla.

Os indicadores finais, que serão adotados pelos Estados-Membros da UNFCCC na COP30, determinarão como governos, financiadores e profissionais avaliarão os resultados da adaptação, definirão prioridades de investimento e relatarão o progresso obtido. Ajustar corretamente os indicadores culturais pode ser a decisão mais importante da COP30 no que se refere à cultura.

Financiamento, Meios de Implementação e Perdas e Danos

Indicadores, por si só, não geram ação. A COP30 também precisará enfrentar a questão dos meios de implementação. O Processo de Roteiro de Adaptação de Bacu (BAR), lançado na COP29, pode oferecer uma via para isso. Embora se espere uma decisão em Belém sobre como operacionalizar essa nova função da UNFCCC, os governos ainda estão divididos.

Os defensores da cultura devem pressionar para que o BAR foque nos meios de implementação da adaptação — incluindo recursos financeiros, transferência de tecnologia (inclusive tecnologias tradicionais) e capacitação técnica a partir do apoio de países desenvolvidos. Esses mecanismos precisam contemplar ações de adaptação baseadas na cultura e viabilizar a aplicação dos novos indicadores do GGA.

Financiamento para Adaptação e Patrimônio Cultural

Há grande expectativa de que a COP30 defina os próximos passos do financiamento para adaptação, sobretudo com o fim da “promessa de Glasgow” — adotada na COP26 — de dobrar o volume de recursos em relação a 2019. Essa pauta é particularmente urgente para a cultura e o patrimônio, que há muito tempo têm sido excluídos do financiamento climático e dependem de orçamentos culturais limitados para financiar medidas de adaptação.

O Novo Objetivo Coletivo Quantificado (NCQG), acordado na COP29, triplicou o financiamento climático anual para países em desenvolvimento, chegando a US$ 300 bilhões até 2035, com a meta mais ampla de mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais de fontes públicas e privadas. O Roteiro Bacu–Belém, que deve ser adotado na COP30, buscará definir como alcançar essa meta maior. É essencial que o vínculo entre o aumento do financiamento para adaptação e as metas do GGA — incluindo o patrimônio cultural — seja reforçado na versão final do documento.

Perdas e Danos

“Perdas e danos” refere-se aos impactos das mudanças climáticas em situações em que a adaptação já não é possível. O patrimônio cultural, o conhecimento indígena e os sistemas de saberes locais já enfrentam perdas decorrentes tanto de eventos súbitos quanto de mudanças graduais — e, às vezes, até de políticas de mitigação mal desenhadas.

Após a criação do Fundo para Resposta a Perdas e Danos (FRLD) na COP27 e sua operacionalização na COP28, a atenção a esse tema diminuiu à medida que a COP30 se aproxima. No entanto, é urgente capitalizar o FRLD com recursos previsíveis. Nesse contexto, os defensores da cultura e do patrimônio devem lutar para que a COP30 estabeleça regras operacionais e critérios de financiamento claros, que possibilitem instrumentos de acesso direto, simplificado e não geradores de dívida para lidar com as chamadas “perdas não econômicas” — aquelas que envolvem cultura, patrimônio e conhecimentos tradicionais e locais.

O Exemplo do Brasil: Liderança Local em Ação

O Brasil oferece um exemplo inspirador de como traduzir compromissos da COP em ações nacionais. Sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) atualizada está alinhada ao GGA e inclui metas de adaptação voltadas à proteção dos modos de vida tradicionais e do patrimônio cultural.

O setor cultural brasileiro também elaborou a Carta Brasileira sobre Patrimônio Cultural e Mudanças Climáticas, fruto de oficinas participativas realizadas em diferentes biomas. A Carta destaca a importância das avaliações locais de vulnerabilidade, da integração entre conhecimento científico e tradicional, e da criação de mecanismos de financiamento e políticas públicas que incorporem a cultura às agendas climáticas. Resultados sólidos da COP30 podem impulsionar a concretização desses objetivos no Brasil — e inspirar outros países a seguir o mesmo caminho.

Conclusão

A COP30 representa uma oportunidade rara para transformar a cultura e o patrimônio de uma inclusão simbólica em uma realidade operacional dentro dos regimes globais de adaptação e de perdas e danos. As decisões tomadas em Belém — sobre indicadores, financiamento e implementação — determinarão se o patrimônio cultural, o conhecimento indígena e os sistemas tradicionais e locais serão de fato protegidos, financiados e integrados às estratégias de adaptação. Cabe aos defensores da cultura agir com firmeza para garantir que a COP30 entregue as ferramentas e os recursos necessários para converter reconhecimento em resiliência.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Clima de 2025 (COP30) será realizada em Belém, Brasil, de 10 a 21 de novembro. Este artigo é o segundo de uma série que explora as conexões entre ativismo cultural e climático e as decisões políticas que deverão ser tomadas durante a conferência. O primeiro abordou os esforços passados e futuros para integrar a cultura às políticas climáticas internacionais; o terceiro e último analisará os pontos de entrada da cultura e do patrimônio nas negociações de mitigação da COP30.

Luana Campos – Doutora em Quaternário, Materiais e Culturas. Docente do Campus Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Secretária do Comitê sobre Mudanças Climáticas e Patrimônio do Icomos – Brasil.
Denir Marques Da Silva (Negré) – Cacique da Aldeia Barra do São Lourenço, no Pantanal do Mato Grosso do Sul, em Corumbá (MS).
Andrew Potts – Diretor de Políticas e Práticas do projeto Preserving Legacies, financiado pela National Geographic Society, onde coordena a Heritage Adapts to Climate Alliance (HACA).
Dra. Salma Sabour – Engenheira física e ambiental, especialista em risco climático e adaptação. Integra modelagem geoespacial, análise de risco e abordagens participativas para desenvolver soluções locais diante das mudanças climáticas. Sua pesquisa explora as interconexões entre riscos e adaptações que afetam costas, comunidades, patrimônio, ecossistemas e mobilidade humana em um clima em transformação.