O enigma do “Berghain”: Rosalía e uma canção que não fala apenas de um coração partido
O tema revoluciona a internet e conta com a colaboração de Björk e Yves Tumor
Berlim, epicentro da noite eterna, infiltra-se na alma partida de Rosalía. A catalã, que reinventou o flamenco em chave global, estreia hoje Berghain, primeiro avanço de Lux, seu quarto álbum, previsto para 7 de novembro. Fruto de uma colaboração com Björk e Yves Tumor, o tema não é um hino techno, mas um lamento barroco em Ré menor — a tonalidade da tristeza, segundo a Rolling Stone — que funde ópera, espiritualidade e um videoclipe hipnótico rodado em Varsóvia por Nicolás Méndez, da produtora CANADA (responsável por Malamente e TKN, com Travis Scott).
Rosalía confessou ao portal Los 40 Principales: “Lux é diferente, com sons orquestrais e temática espiritual.” Após pistas nas redes e a revelação da capa na praça de Callao, o tracklist divide o disco em atos. Berghain abre o segundo, ao lado de La Perla, Mundo Nuevo e De Madrugá, explorando “a dualidade entre desejo e redenção”. Aqui, o techno e o flamenco cedem espaço a uma ária trilíngue — em inglês, alemão e espanhol — interpretada pela Orquestra Sinfônica de Londres. A partitura, compartilhada no Substack, convidou músicos amadores a decifrá-la.
O videoclipe é uma viagem introspectiva: uma mulher, Rosalía, atravessa o luto amoroso.
Espiritualidade erótica
Em um apartamento branco, sob o olhar da Imaculada Conceição, ela segura um coração de ouro com espinhos — eco do Sagrado Coração de Jesus. “A chama penetra meu cérebro como um ursinho de chumbo; guardo muitas coisas dentro do meu coração, por isso meu coração é tão pesado”, canta em alemão, evocando a transverberação de Santa Teresa de Jesus. Tira os saltos adornados com rosários, monitora o pulso em um eletrocardiograma — símbolo de vulnerabilidade — e chupa um torrão de açúcar do café: “Eu sei muito bem o que sou, ternura pro café, só sou um torrão de açúcar. Sei que o calor me derrete, sei desaparecer.”

Ajoelhada diante de uma banheira, ela lava lençóis brancos em expiação. Passa uma tela vermelha — talvez uma mozzetta cardinalícia — purificando sua “imagem de poder”. Desce ao metrô, entra em um “Vendo Ouro” para penhorar o coração rejeitado. Regressa a um lar invadido que se transforma em bosque encantado. Cercada por animais — pássaros, gansos, raposas, guaxinins e ratos —, torna-se uma Branca de Neve contemporânea, sem príncipe salvador. “Isto é intervenção divina. A única maneira de nos salvarmos é com intervenção divina”, entoa Björk. Encolhida na cama, pílulas sobre a mesinha, vê bestas antropomórficas: “Vou te foder até que me ames. Ame-me”, rosna Yves Tumor. O clímax surge na metamorfose: Rosalía aparece como uma pomba branco-negra, alusão ao Espírito Santo, com penas nas pálpebras.
Como Madonna em Like a Prayer, Rosalía funde erotismo carnal e religiosidade mística, transmutando o desejo em êxtase divino.
Mas o que é Berghain? Não apenas o lendário clube berlinense de techno — aberto das 4h até o chá da tarde, com salas para sexo swinger, como descreve Helen Pidd no The Guardian —, mas um símbolo. Rosalía o transforma em metáfora: um limbo de experiências-limite, um êxtase místico em que a dor se converte em redenção. Teorias nas redes — de nuncore a satanismo — se dissipam; Lux promete uma religiosidade sensorial, ecoando o “perder-te a ti para melhor a Ele gozar” de Santa Teresa.
A simbologia é profusa: o Coração de Jesus expõe o amor em sacrifício; A Dama e o Arminho, de Da Vinci, com Cecilia Gallerani (ou Ana da Bretanha), evoca a pureza em meio à corte. Rosalía, de L’Hospitalet a ídolo global, transforma o luto pessoal em tapeçaria universal. Salvação na noite berlinense ou no divino?
Lux iluminará o mundo em 7 de novembro, nos LOS40 Music Awards Santander 2025, em Valência. Até lá, Berghain é o primeiro raio de uma obra que já se anuncia como o grande lançamento de 2025. Mais uma vez, Rosalía mostra que não pertence a um estilo musical — é o mundo que, fascinado, passa a pertencer a ela.



