Por Lilianna Bernartt

O Festival do Rio chega à sua 27ª edição com mais de 300 títulos de mais de 70 países e se reafirma como, além de importante vitrine de lançamentos, um espaço de disputa sobre o lugar do cinema no Brasil e no mundo.

A escolha da abertura e do encerramento já sinaliza essa intenção. Depois da Caçada (After the Hunt), de Luca Guadagnino, e Hamnet: A Vida Antes de Hamlet, de Chloé Zhao, além de serem estreias badaladas que passaram por Veneza, Nova York e Toronto, são obras que dialogam diretamente com as tensões de uma indústria em mutação, em que a dimensão autoral precisa encontrar respiro em meio às engrenagens de mercado. Colocar esses títulos no palco do Cine Odeon é marcar posição: o Festival do Rio quer ser também a ponte entre o circuito internacional e o olhar do público brasileiro.

No eixo nacional, a Première Brasil apresenta a maior seleção da história do Festival — 124 obras — com o retorno do voto popular, agora digital. Em tempos de polarização e disputas pela legitimidade da crítica e dos júris, conceder ao espectador a possibilidade de escolher seus favoritos é reafirmar e incentivar o olhar coletivo que o cinema precisa para existir.

Outro ponto de inflexão é a aposta em séries nacionais em sessões de gala e gratuitas. A decisão de colocar obras como Ângela Diniz: Assassinada e Condenada, AYÔ, De Menor e Tremembé na tela grande é uma demonstração de que o audiovisual brasileiro hoje transborda as fronteiras do cinema tradicional. A sala escura vira palco para narrativas que circulam majoritariamente em plataformas de streaming, como forma de promover diálogo democrático entre o público assíduo do cinema e das séries.

Falando em democratização, o Festival continua com o Cinema Circulação, que leva filmes a regiões como Penha, Nova Brasília e Realengo, e com o Première Brasil Debates, que transforma sessões em rodas de conversa. Tudo isso, além de ampliar o alcance geográfico do festival, também exercita a formação de público no que diz respeito ao olhar crítico.

Mas dentro dessa curadoria o passado também é celebrado, já que não é possível falar de futuro sem o pleno conhecimento de nossa memória. Os 25 anos do Programa Geração reafirmam o papel do audiovisual na formação de crianças e adolescentes, com curtas produzidos por estudantes brasileiros e internacionais e o tradicional Encontro de Educadores. A permanência de um segmento voltado à infância mostra como o festival compreende a importância de cultivar novos públicos e futuros realizadores.

Seleção internacional com forte presença feminina

Na seleção internacional fica evidente a força da presença feminina: são 90 filmes dirigidos ou codirigidos por mulheres apenas nessa seção.

A atriz Juliette Binoche estreia como diretora e vem ao Brasil apresentar seu primeiro trabalho, enquanto Teresa Villaverde lança mundialmente Justa, ao lado de Betty Faria. Essas presenças dialogam com um panorama que inclui nomes já consagrados como Claire Denis, Agnieszka Holland e Lynne Ramsay, confirmando a presença feminina no eixo central da curadoria.

Première Latina

A Première Latina mantém sua função histórica de aproximar o público carioca da produção vizinha. A presença de Nuestra Tierra, novo documentário de Lucrecia Martel sobre povos indígenas, conecta diretamente a mostra às urgências sociais e políticas da região. Aqui, o festival reforça que pensar cinema latino-americano é também pensar território, memória e luta.

A memória, aliás, tem espaço garantido com a exibição de clássicos como Incêndios (2010), de Denis Villeneuve, e Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola. Ao recolocar essas obras no presente, o festival sugere que a experiência da sala de cinema ainda é o lugar onde se entende o tamanho de um filme — e que a história não deve ser esquecida em tempos de consumo fragmentado.

Por fim, é possível notar que a edição de 2025 assume um papel tanto de espelho quanto de laboratório. Espelho, porque reflete uma indústria que não se organiza mais apenas em torno do longa-metragem e da sala comercial. Laboratório, porque se arrisca a testar novas formas de circulação, engajamento e participação. Mais do que uma listagem de filmes, o Festival do Rio se firma como território que preza pela experiência coletiva, capaz de se reinventar sem abrir mão do que torna o cinema essencial: a partilha do olhar.

O Festival acontece de 2 a 12 de outubro e a programação completa está disponível no site oficial do evento.