
As artes e uma nova primavera democrática no Brasil
É importante ressaltar o papel da cultura no l levante doúltimo domingo
A imagem de grandes orixás da cultura brasileira, sentados em cima de um trio elétrico na orla de Copacabana, contemplando uma multidão que se reuniu para defender a democracia brasileira, é um daqueles registros que entrou para a história. Ali estavam Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Paulinho da Viola e Djavan, gênios que, com suas composições e consciências, embalam gerações em torno da arte e de ideais de liberdade. A partir da atitude de, mais uma vez, tomarem a dianteira na necessária defesa do nosso país e dos direitos de milhões de pessoas, muitos outros e outras artistas emprestaram a sua arte e visibilidade e lideraram atos em todo o Brasil nesse histórico 21 de setembro de 2025. Destaco o papel de Daniela Mercury, artista de uma outra geração e em quem nunca serviu o cômodo figurino da isenção diante de momentos decisivos, que puxou uma multidão de milhares de pessoas nas ruas de Salvador.
Os atos multicoloridos que tomaram as ruas do país neste domingo foram convocados e organizados em quatro dias. E foi a arte o grande polo agregador dessa multidão. Se integraram posteriormente os movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos, a diversidade de pessoas, bandeiras e causas. Mas é inegável que foi a força da cultura a grande impulsionadora da opinião pública e da mobilização dessa consciência cidadã. O domingo de véspera da chegada da primavera representou a virada de chave para o rompimento de uma inércia diante do avanço de pautas no Congresso que não são do interesse da população.
Enquanto a taxação dos super ricos e a isenção de imposto de renda para quem ganha menos repousam nas gavetas de parlamentares, a última semana foi marcada pela aprovação, na Câmara, de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reforça os mecanismos corporativistas de proteção dos parlamentares diante de investigações judiciais e da urgência para votação de um projeto cujo objetivo é a impunidade para aqueles que tentaram dar um golpe de estado no Brasil, já condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), apelidado de PL da Anistia. Projetos que, nitidamente, não estão na pauta da esmagadora maioria do povo brasileiro. Porém, que avançaram diante de uma combinação entre a prepotência de congressistas que se consideram imunes para fazerem o que bem entendem e uma certa apatia de quem se opõe. Mas “amanhã vai ser outro dia”, como sentenciou Chico, em plena ditadura militar.
É importante ressaltar o papel da cultura nesse levante por ter sido justamente esse um dos alvos prioritários desses mesmos golpistas, hoje condenados, quando de sua trágica passagem pelo governo federal. E tentaram sufocar a cultura porque sempre souberam do nosso poder de mobilização e de produzir senso crítico na sociedade. Tudo que os totalitários mais odeiam.
Só que o “tempo” é “rei”, diria Gil, e foi justamente a arte quem sensibilizou brasileiras e brasileiros neste 2025 a tomarem o espaço público para reivindicarem que a política esteja a serviço do interesse comum, o que é determinante para a vida de milhões de pessoas. Como eternizou Caetano, “será que apenas os hermetismos pascoais e os tons, os mil tons, seus sons e seus dons geniais, nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais”?. Acrescento que são os tons e os dons geniais de Caetano, de Gil, de Chico, de Paulinho, de Djavan, de Daniela e de tantos outros e outras que inauguraram uma nova estação da luta democrática no Brasil.
Agora essas coisas não acontecem do nada, nem por acaso, muito menos se auto organizam. Se o Brasil se levantou diante dos desmandos, se deve, essencialmente, à perseverança de um movimento que surgiu há nove anos, para defender eleições diretas após o golpe de 2016: o 342 artes.
Liderado pela produtora e empresária Paula Lavigne e pelo ativismo da Mídia NINJA foi este movimento, que nunca desistiu, quem soube melhor conciliar o poder de sensibilização dos artistas com a articulação capilarizada dos movimentos sociais. Como participante desde o início desse movimento, muitas vezes questionado e estigmatizado como “Partido da Paula Lavigne” ou como “A Esquerda do Leblon”, fico especialmente satisfeito em ver esse resultado. E sinceramente agradecido à grande amiga Paula Lavigne por sua abnegada dedicação a causas tão importantes para o país. Seu entusiasmo é contagiante e seu comando é essencial.