
Poluição plástica na Amazônia é maior do que se estimava e ameaça populações tradicionais, diz estudo
Estudo da Fiocruz e Mamirauá aponta grave contaminação
Um estudo coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, revela um cenário alarmante: a contaminação por resíduos plásticos está disseminada em ecossistemas terrestres e aquáticos da Amazônia, com riscos diretos à saúde humana, especialmente de populações ribeirinhas e indígenas.
Publicado na revista científica Ambio, o artigo intitulado Plastic pollution in the Amazon: the first comprehensive and structured scoping review é a primeira revisão sistemática da literatura sobre poluição plástica no bioma. Foram analisados 52 estudos revisados por pares, que identificaram a presença de resíduos em fauna, flora, sedimentos e água – variando de macro a nanoplásticos.
Segundo o epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, o estudo evidencia um problema de dimensões muito maiores do que se imaginava. “Revisamos uma gama de relatos sobre lixo e fragmentos de plástico em ambientes terrestres e aquáticos, o que indica um impacto muito maior do que a maioria das pessoas supõe. O momento parece oportuno para discutir esses resultados, sobretudo em tempos de COP30 na Amazônia, palco propício para o debate de soluções”, afirma.
Orellana lembra ainda que o prazo limite proposto pelas Nações Unidas para a elaboração do primeiro tratado global contra a poluição plástica venceu em 14 de agosto, quando cerca de 180 países deveriam apresentar propostas. “O estudo foi desenhado devido à inadiável necessidade de se encarar o problema”, reforça.
Crise global, impactos locais
A bióloga Jéssica Melo, primeira autora do artigo, explica que a poluição plástica é uma crise global ainda pouco estudada na Amazônia – mesmo sendo a maior bacia hidrográfica do mundo e com o segundo rio mais poluído por plástico do planeta. “A contaminação de fontes importantes de alimentos e de água representa um grande risco para populações tradicionais. Identificamos lacunas urgentes em pesquisas, especialmente em fauna não piscícola, tributários, áreas remotas e outros países amazônicos. Destacamos também a necessidade de mitigação por meio da gestão de resíduos e da educação”, observa.
Entre as lacunas, Melo cita a ausência de estudos sobre nanoplásticos na região, tema já mais explorado em outros continentes.
Falta de infraestrutura e políticas públicas
Pesquisadores do Instituto Mamirauá, baseados em Tefé (AM), destacam que o perfil do lixo doméstico mudou drasticamente nas últimas décadas. “Antes, os resíduos eram majoritariamente orgânicos — cascas de frutas, restos de peixe. Hoje, os rios estão repletos de garrafas PET e embalagens de macarrão instantâneo”, relatam.
O problema é agravado pela falta de infraestrutura de coleta e reciclagem no interior amazônico. “Enquanto cidades como Rio de Janeiro e Salvador avançam com restrições a canudos e isopor, não conheço nenhum município no interior do Amazonas que ofereça reciclagem ou medidas para reduzir o impacto do plástico. Precisamos de políticas públicas que considerem os desafios do isolamento geográfico das comunidades”, acrescentam os pesquisadores.
Via Fiocruz e Agência Brasil