Foi inaugurada no dia 29 de agosto a Exposição Fatumbi, no Museu de Arte da Bahia em Salvador, como parte da celebração da abertura da Temporada França – Brasil 2025, sobre a obra e a história de Pierre Verger.

Pierre Verger (1902-1996) nasceu em Paris e foi fotógrafo, etnógrafo e antropólogo autodidata. Viajou por diferentes continentes registrando culturas e rituais, mas foi na Bahia, a partir dos anos 40, que encontrou sua casa. Ali, aproximou-se do candomblé e das tradições afro-brasileiras, que o levaram a um encontro definitivo com a África. Desde então, deixou de ser apenas o observador estrangeiro para se tornar também participante e mensageiro entre dois mundos.

A exposição conta essa história: Verger chega ao Brasil como fotógrafo e observador da cultura, registrando vivências em Recife e Salvador nos anos 40. Mas ali começa a se aproximar das pessoas e da cultura. Ao visitar o Benin, é iniciado no vodun e renasce como Fatumbi — “renascido pela graça do Ifá”, discípulo e mensageiro que passa a unir duas pontas. Ele se torna de certo modo um acadêmico — não no olhar distante do antropólogo que classifica um exotismo — mas porque vive, entende e percebe que pode auxiliar no compartilhamento da função cultural e ancestral do candomblé.

As três partes da exposição percorrem desde esse início até os anos 70, reunindo fotos conhecidas e inéditas a partir de pesquisa de Alex Baradel nos acervos da Fundação Pierre Verger, do Instituto Nacional do Audiovisual (INA), em Paris, e do Instituto Fundamental da África Negra (IFAN), em Dacar.

É difícil não pensar na apropriação cultural — um homem branco vindo da elite intelectual europeia que se torna babalaô, pai dos segredos. Mas Verger se entregou à experiência por uma necessidade que ele mesmo sentiu: se não entendiam iorubá, como poderia entender, explicar e repassar? Aprendendo, vivendo, escrevendo. Neste ponto, sua vantagem de elite foi usada para beneficiar quem não vinha do mesmo lugar.

Fica claro na exposição a sensibilidade e o amor que Fatumbi sentia pelo seu renascimento. Ele viveu na Bahia por mais de 50 anos, até a sua morte.

Na Fundação que leva seu nome, no Engenho Velho de Brotas, a estrutura parece precária, antiga. Mas o quarto em que Fatumbi vivia permanece como ele deixou. Me fez pensar que talvez não gostaria de mudar uma telha daquele lugar. Que vivia como vivia porque aquilo era parte dele, e era como ele comungava com o restante de sua comunidade.

Ao conhecer a Fundação Pierre Verger, talvez se espere encontrar apenas o fotógrafo e antropólogo. Mas o que se encontra lá é Fatumbi.

Alex Baradel, hoje diretor cultural da Fundação, já foi responsável pelo acervo do fotógrafo e é curador da Mostra Fatumbi. Foi ele quem me recebeu para uma entrevista. Contei a Alex que a experiência de cobertura dos eventos culturais que produzíamos no Fora do Eixo nos levou a desenvolver métodos para outros temas, como política e rua, porque a gente vivia aquilo. Não era um trabalho contratado para fotografar e escrever. Era nossa vida sendo contada pelo nosso olhar. Isso é nosso DNA.

Ele me levou para dentro da exposição, que ainda não tinha sido aberta, e leu uma frase dita por Fatumbi:

Quando eu cheguei na Bahia, eu era fotógrafo jornalista, e o candomblé era uma das coisas que eu queria fotografar. Eu era obcecado pelo assunto, mas com o tempo fiquei mais discreto. E a partir de certo momento, me recusei a publicar as fotografias na revista que havia me encomendado essas imagens, pois considerei que faria fotografias que não agradariam as pessoas que eu tinha ido documentar e que viraram meus amigos. Eu me sentia muito mais próximo deles do que dos leitores, que para mim, eram pessoas desconhecidas. Inclusive, isso quase me custou meu emprego no Cruzeiro, já que, a partir daquele momento, não trabalhei mais para eles.

Esse sentimento — de não querer agradar o externo, mas entender seu lugar na comunidade e contar sua história — nos aproxima, e ajuda a compreender porque ele retratou tão bem o candomblé.

Além de Alex, Emo de Medeiros é outro curador da exposição. Artista franco-beninense, descendente de beninenses afro-brasileiros, pesquisou a obra de Verger, mas também ocupa uma sala inteira com obras suas, reunidas na mostra FatumbIA, que merece uma próxima coluna.

A Exposição Fatumbi fica em cartaz no Museu de Arte da Bahia até o dia 30 de novembro.