Thundercat sob o céu do Rio
Hoje (21), o Rio de Janeiro recebe o lendário músico norte-americano Stephen Lee Bruner, mais conhecido como Thundercat.
Por Sabrina Fidalgo
Colaboração: Gabo Belchior
O Rio de Janeiro sempre teve a vocação de ser palco de encontros improváveis e mágicos. Hoje, 21 de agosto de 2025, é a vez de receber, no lendário Circo Voador, o músico norte-americano Stephen Lee Bruner, mais conhecido como Thundercat — figura cósmica do jazz contemporâneo, virtuose do baixo elétrico, que parece ter vindo de outra dimensão para nos lembrar que a música pode ser, ao mesmo tempo, ancestral, futurista e absolutamente visceral.
Quem já mergulhou em sua discografia sabe: Thundercat não é apenas músico, é alquimista. Das colaborações com Erykah Badu, Kendrick Lamar e Flying Lotus à sua própria obra autoral, ele expande fronteiras sonoras e desconstrói gêneros com a naturalidade de quem respira arte. Seu álbum Drunk (2017) tornou-se um culto instantâneo, seguido pelo ainda mais íntimo e experimental It Is What It Is (2020), que lhe rendeu o Grammy de Melhor Álbum de R&B Progressivo. O baixo de seis cordas em suas mãos não é instrumento — é nave espacial, é portal.
E há algo de profundamente simbólico em ver esse show acontecer justamente no Circo Voador. O palco lendário da Lapa sempre foi terreno fértil para a diversidade, para a ousadia e para a música que não se contenta com fórmulas fáceis. É nesse espaço que Thundercat, com seu humor excêntrico, figurinos que beiram o onírico e letras que atravessam do trágico ao nonsense, dialogará com o coração do público brasileiro.
Rio e Thundercat compartilham um mesmo DNA: intensidade, contradição e uma certa melancolia que dança. Talvez por isso esse encontro seja tão esperado. Ele não vem apenas mostrar técnica — vem compartilhar vulnerabilidade, espiritualidade e groove. E groove, sabemos bem, é idioma universal.
Hoje à noite, quando as cordas de seu baixo vibrarem sob a lona do Circo, temos a chance rara de testemunhar um artista que não apenas toca música, mas se funde a ela. E, quem sabe, sair de lá com a sensação de que, por algumas horas, também fomos transportados para essa outra dimensão de onde Thundercat parece ter surgido.
No fundo, é isso que a arte faz de melhor: nos desloca, nos transforma, nos lembra que estamos vivos. E, no caso de Thundercat, lembra também que estar vivo pode soar como um solo de baixo, repleto de caos, beleza e luz. Conversei com ele por chamada de vídeo, e o resultado da conversa você confere a seguir:
Você começou muito jovem na música, tocando com artistas como Erykah Badu e Suicidal Tendencies. Como essa experiência ajudou a moldar a sua identidade musical?
Thundercat: Moldou muito fortemente a minha identidade musical. Erykah foi — e continua sendo até hoje — uma das minhas melhores amigas, mas também uma das minhas maiores apoiadoras em tudo que já fiz. Ela sempre esteve comigo em espírito e mente. Ajudou a moldar minha mente como artista de maneira muito delicada, mas também muito direta. Sempre me encorajava a me destacar, sem tentar apagar minha luz enquanto eu estava servindo em sua banda. Sempre encontrava um jeito de me deixar ser eu mesmo. No meu primeiro álbum, ela cantou comigo; na minha primeira apresentação, ela estava lá comigo. E, até hoje, ainda me guia e me mostra o caminho. Isso realmente moldou o artista que sou.
E o seu som mistura funk, jazz, R&B, soul e até música eletrônica. Como você constrói essa fusão de estilos?
Thundercat: Eu tento não pensar muito nos estilos, mas sim… acho que a coisa mais simples nisso tudo é manter tudo muito musical e não pensar tanto no que “deveria ser”. Em termos de gênero e coisas assim, acho isso muito importante para mim como músico. O mais importante é manter isso à frente de todo o processo: a musicalidade.
Muitos críticos dizem que há uma dimensão emocional e espiritual na forma como você toca. Você também vê sua música assim ou não?
Thundercat: Eu gostaria que fosse algo assim. Acho que a música, em geral, não apenas a minha, é muito espiritual. É algo que é nosso, que podemos moldar enquanto estamos aqui. Mas é maior do que nós. É maior do que a frequência, do que a música, do que o som e as notas. É muito maior do que o entendimento limitado da experiência humana, do que temos para brincar enquanto estamos aqui.
Como você vê a cena atual da música negra nos Estados Unidos?
Thundercat: Como eu vejo a cena da música negra agora, nos Estados Unidos? É uma conversa muito complicada, de muitas formas diferentes. Acho que o estado da música negra nos Estados Unidos é… tudo está acontecendo ao mesmo tempo agora. Porque, no mesmo mundo em que existe um Kendrick, você tem uma Sexy Red. O mundo da música sempre foi muito… não quero dizer volátil, mas tudo acontece ao mesmo tempo. Então, os melhores momentos e os mais loucos, tudo está bem na sua frente. Muitos dos nossos grandes artistas são meio loucos. Às vezes, você não sabe se são até PSYOPs, você não sabe o que está acontecendo. Mas, nesse mesmo mundo, você tem de tudo, de Anderson ao Cordae, Kendrick… estou falando das pessoas com quem já tive contato ou que fizeram parte da minha experiência. E nos momentos em que surge a grandeza, ela ainda está lá. Ainda está lá. E acho que, em algum lugar, no meio dessa abundância… porque existe uma abundância de música agora. Antes, às vezes, você não tinha tanto acesso. Então, acho que o estado da música negra nos Estados Unidos é tão épico quanto sempre foi.
E, por fim: a música brasileira tem uma forte tradição de misturar seus ritmos com o jazz. Que músico brasileiro você admira e sente que o influenciou?
Thundercat: Os nomes que têm rondado minha cabeça são João Bosco, Tim Maia e Guinga. Tenho ouvido esses artistas repetidamente ultimamente. O estilo mais clássico brasileiro é muito presente no meu processo criativo, na forma como crio música. Então, sempre que venho ao Brasil, a primeira coisa que faço é procurar discos por mim mesmo, gastar tempo só ouvindo e me deixando levar pela música daqui. Porque não existe nenhum lugar no mundo como o Brasil quando se trata disso.