Por Luiza Martins*

É impossível refletir sobre os rumos da educação superior brasileira sem olhar para o presente com a coragem de quem sabe que o futuro está em disputa.

Nos últimos anos, o Brasil tem assistido a uma silenciosa reconfiguração do ensino superior, longe das manchetes, mas presente na vida de milhões de estudantes. A universidade brasileira atravessa uma encruzilhada: ou caminha para se tornar um espaço cada vez mais excludente, mercantilizado e distante dos interesses populares, ou se reconstrói como parte de um projeto nacional de desenvolvimento com justiça social.

Dados do Censo da Educação Superior de 2023 mostram que quase 78% das matrículas no ensino superior brasileiro estão em instituições privadas. Destas, uma parcela crescente está sob controle de grandes grupos empresariais, como Kroton, Ser Educacional, Estácio e Ânima, que, ao concentrarem o mercado, impõem um modelo baseado em ensino à distância de baixa qualidade, com mensalidades abusivas e condições precárias para professores e estudantes. A maioria dessas instituições não investe em pesquisa, não possui carreira docente estruturada e atua de forma desconectada dos três pilares constitucionais da educação superior: ensino, pesquisa e extensão.

O crescimento desordenado do setor privado, sem regulação eficaz, desvirtua os princípios estabelecidos pela Constituição de 1988. Nesse contexto, o novo Marco Regulatório da EaD precisa ser mais do que uma burocratização de formatos: deve ser um instrumento que assegure qualidade, equidade e controle público sobre um setor que cresce sem compromisso com a formação plena dos estudantes. Por isso, as entidades estudantis defendem a criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES), vinculado ao MEC, como órgão com capacidade de garantir transparência, qualidade acadêmica e responsabilidade social por parte das instituições. Defendemos que esse instituto tenha poder para intervir em instituições irregulares, suspender abusos e assegurar que estudantes não sejam tratados como meros consumidores. A popularização do acesso à universidade não pode se dar às custas de diplomas esvaziados de sentido e valor social.

Enquanto isso, as universidades públicas — responsáveis por quase 95% da produção científica no Brasil — enfrentam um severo processo de estrangulamento orçamentário. Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), desde 2015 o orçamento das universidades federais encolheu mais de 30%, em valores corrigidos pela inflação. Os impactos são visíveis: cortes de bolsas, infraestrutura deteriorada, suspensão de projetos de extensão e crescente evasão de estudantes em situação de vulnerabilidade.

O Brasil vem caminhando na direção contrária à meta dos 10% do PIB para a educação, prevista no Plano Nacional de Educação (PNE). Os constantes ataques à educação têm inviabilizado o avanço dos recursos necessários e sabotam o cumprimento de metas fundamentais para a democratização do ensino superior.

Se estamos dizendo que, num país que tem Instituto Butantã, Fiocruz, IPEA e tantas outras instituições de pesquisas, as universidades ainda são responsáveis por grande parte da produção científica brasileira, isso deixa ainda mais claro a importância das universidades para a construção de um projeto autônomo e soberano para o Brasil.

Olhando por outro ângulo, sabendo que duas das melhores universidades da América Latina estão no Estado de São Paulo (USP e UNICAMP), isso se torna ainda mais grave.

Não é novidade nem segredo para ninguém que, em São Paulo, a educação tem um inimigo com nome e sobrenome: Tarcísio de Freitas. A última grande medida apresentada pelo governador foi a PEC 9/2023, que reduz de 30% para 25% a obrigatoriedade de investimento da receita do Estado em educação pública. Essa mudança afeta diretamente todas as etapas do ensino, inclusive as universidades públicas estaduais.

As estaduais paulistas são financiadas com um percentual fixo da arrecadação do ICMS, atualmente em torno de 9,57%. Embora esse valor não esteja diretamente na PEC, a redução do investimento geral em educação abre precedentes para futuras mudanças nesse repasse, ou até pressões políticas para redistribuir verbas internamente. A autonomia financeira das universidades pode ficar ameaçada. Com menos recursos destinados à educação como um todo, o Estado tende a priorizar gastos de curto prazo, afetando a capacidade das universidades de manter e expandir seus campi, financiar bolsas de estudo e programas de permanência estudantil (moradia, alimentação, transporte), sustentar projetos de pesquisa científica e inovação, apoiar a extensão universitária e inviabilizar demandas básicas para o funcionamento dessas universidades.

Com o orçamento da educação mais apertado, o governo pode começar a interferir na gestão das universidades, alegando “ineficiência” ou “necessidade de ajuste”. Isso pode enfraquecer a autonomia universitária, constitucionalmente garantida, e sujeitar as instituições a uma lógica de produtividade empresarial.

Está mais do que claro que as universidades públicas estão sob ataque, tanto por políticas de desfinanciamento quanto por ofensivas ideológicas que tentam desqualificar o conhecimento crítico. A universidade existe para ensinar, pesquisar e se integrar com a sociedade. Esse tripé, no entanto, vem sendo desmontado lentamente.

Defendemos a ideia de uma universidade socialmente referenciada, ou seja, conectada com os problemas concretos da população. Isso inclui pesquisas voltadas para a agricultura familiar, a saúde pública, a habitação, o transporte, as energias limpas e o desenvolvimento regional.

A ausência de uma política de Estado que compreenda a universidade como ferramenta de soberania científica, inovação tecnológica e inclusão social compromete profundamente a capacidade do Brasil de se reinventar enquanto nação. Sem universidades públicas fortes, o país segue dependente de tecnologia importada, de soluções externas e de modelos que não dialogam com sua realidade social e econômica.

Vivemos um momento decisivo. A universidade está em disputa, assim como o projeto de país.

Ou avançamos na construção de uma nação soberana, que valorize a ciência, a cultura e o conhecimento como bens públicos estratégicos, ou seguimos no caminho da dependência, da precarização e da mediocridade.

E então, para onde caminhamos? A resposta não é simples, mas também não está escrita, não existe fórmula pronta. Ela depende da luta política e do projeto de país que se constrói nas ruas, nas salas de aula e na luta política cotidiana. A universidade brasileira pode se tornar um centro de excelência popular, capaz de enfrentar os desafios do nosso tempo — da desigualdade à emergência climática. Mas também corre o risco de ser reduzida a um diploma digital, sem conteúdo, sem crítica e sem projeto.

Não, essa não é uma resposta desesperançosa, mas um chamado a todo estudante que acredita na educação como ferramenta de transformação e libertação.

Para onde caminha a educação superior? Para onde a juventude organizada for capaz de empurrá-la!

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Luiza Martins tem 22 anos, é estudante de jornalismo e ativista da educação.