Por Noé Pires

O metal experimental brasileiro ganha asas com sotaque paraibano. A banda Papangu, fenômeno da cena alternativa do Nordeste, anuncia sua primeira turnê pela Europa e Reino Unido, batizada de “Umburana”, com paradas em festivais de prestígio como o ArcTanGent (Reino Unido) e o Complexity Fest (Holanda).

Após conquistar público e crítica com seus dois discos – o intenso e visceral Holoceno (2021) e o aclamado Lampião Rei (2023) – a Papangu transforma em roteiro internacional o som que mistura metal progressivo, jazz fusion, ritmos nordestinos e psicodelia. E não por acaso: Lampião Rei figurou nas principais listas de melhores discos do ano (APCA, Scream & Yell, Hits Perdidos, Popload), teve tiragem especial em vinil  pela Taioba Discos e garantiu à banda um show histórico no Knotfest Brasil 2024.

Agora, a banda paraibana atravessa o Atlântico com uma bagagem sonora que percorre sua discografia completa – e ainda apresenta músicas inéditas do próximo LP, previsto para gravação logo após o retorno ao Brasil. “Cada show do Papangu é único, pois improvisamos e rearranjamos as músicas ao vivo. Estamos muito ansiosos para levar essas apresentações malucas ao público estrangeiro”, afirma Marco Mayer, baixista da banda.

A turnê europeia marca o ápice de uma fase intensa da Papangu, que já rodou o Brasil em duas turnês nacionais, com passagens por nove estados e plateias lotadas. Mesmo enfrentando obstáculos – como um assalto durante uma das viagens –, a banda foi amparada por uma rede solidária da cena musical independente, e essa força coletiva agora ecoa como impulso para a turnê internacional.

O som da Papangu é tão ousado quanto seu percurso. Com produção assinada por Fernando Sanches, Richard Behrens e Andrea Petucco, e participações de membros do Magma, Deafkids, Jaguaribe Carne e Test, o álbum Lampião Rei é uma narrativa sônica sobre o cangaço, contada com guitarras explosivas, percussão regional, vocais guturais e passagens que evocam tanto King Crimson quanto Hermeto Pascoal.

Na Europa, a Papangu divide palco com nomes como Melvins, Imperial Triumphant e Kayo Dot, além de ter a companhia da banda norueguesa Sex Magick Wizards em datas selecionadas.

Mais que uma turnê, Umburana é um epicentro sonoro: um passo audacioso da música paraibana rumo à expansão global, mantendo firme a raiz e o sotaque. Porque o peso da Papangu não se mede em decibéis – se mede em identidade. 

 O S.O.M. – Sistema Operacional da Música, o canal de música da mídia NINJA, bateu um papo com a banda Papangu.  

S.O.M: A sonoridade da Papangu mistura referências do progressivo com elementos da cultura nordestina. Como vocês enxergam essa fusão sendo interpretada por públicos fora do Brasil?

Rodolfo: O público que frequenta shows de rock progressivo, metal extremo e música alternativa já tem, em geral, uma escuta mais aberta ao experimentalismo e à mistura de linguagens. Isso cria um terreno fértil para a nossa proposta, que mescla elementos pesados com ritmos e atmosferas muito específicas do Nordeste brasileiro. Além disso, existe um fascínio real lá fora pela música brasileira — e não só pela bossa e MPB, mas pela vastidão que ela representa, incluindo as vanguardas psicodélicas Nordestinas. Quando trazemos para o palco algo que é ao mesmo tempo pesado, progressivo e marcado por referências locais como o baião, o repente ou o maracatu, estamos apresentando algo que é novo para muita gente, mas que também se conecta com uma curiosidade genuína que o público internacional costuma ter pela nossa cultura.

S.O.M: O disco Lampião Rei carrega um conceito forte, que envolve história, política e ficção. Como essa narrativa influencia a performance ao vivo da banda?

Rodolfo: Com uma história carregada de contradições, altos, baixos, tragédia, estética única, visceralidade e música, o Virgulino real e o mítico se encontram representados em músicas que buscam, especialmente ao vivo, transbordar essas qualidades, defeitos e peculiaridades.

Queco: Eu diria que essa influência ocorre em dois pilares. O primeiro seria na interpretação, em realmente fazer aquelas músicas com sentimento. Eu acho que canalizar um pouco de raiva, sofrimento, alegria, leveza ou de qualquer sentimento real e humano que a canção carregue, será sempre uma excelente forma de transformar uma simples execução da canção em uma verdadeira apresentação O segundo pilar que eu destacaria é na hora de montar o repertório. Nós temos muito cuidado com o “flow” de um concerto. Buscamos sempre levar o público por um caminho que vai de algo completamente brutal e inesperado até momentos de catarse e de sorrisos, buscando essa nuance de emoções ao passo que as músicas vão se sobrepondo: nós conversamos entre nós, verbalmente e musicalmente, e vamos conduzindo essa dança.

S.O.M: A turnê passa por lugares como Bélgica, Alemanha e Reino Unido. Que tipo de intercâmbio musical vocês esperam vivenciar nesses territórios?

Queco: As cenas de Londres, Canterbury, Berlin e Oslo, apenas para citar algumas, estão recheadas de artistas e locais que são fontes vivas para nós. É bem interessante pensar também no que a gente vai deixar da gente em cada um desses lugares. Como o público europeu vai receber as nossas músicas repletas de nordestinidade brasileira: isso é algo que tem despertado nossa curiosidade. Nós sabemos que a música brasileira é apreciada em todos os lugares do planeta, mas a experiência específica de vivenciar como o público europeu vai interpretar nossa música é algo realmente instigante.

Rodolfo: Uma outra grande troca musical será com a banda Sex Magick Wizards, da Noruega, com quem tocaremos juntos alguns shows na segunda parte da turnê na Europa continental. Sendo eles mestres do improviso e também da música experimental, é certo que teremos a oportunidade de trocar figurinhas no palco e fora dele.

S.O.M: Essa turnê representa um marco importante na trajetória da Papangu. O que ela simboliza pra vocês enquanto banda nordestina e independente?

Marco: Como é bem raro que bandas da Paraíba façam turnês fora do Brasil, a gente acaba assumindo o papel de representar bem o som lindo que é feito na nossa terra para um público que, provavelmente, teve pouquíssimo (ou nenhum!) contato com a música nordestina. Claro que sempre prezamos por entregar o melhor show que a Papangu pode fazer, e essa régua alta vai continuar nos guiando, mas a ideia é deixar esse público com gostinho de quero mais – e, quem sabe, com vontade de também descobrir mais música paraibana e nordestina.

Marco: Além disso, como artistas independentes realizando uma turnê sem apoio de editais ou de patrocínios gigantescos, temos a enorme responsabilidade financeira de levantar fundos, cortar gastos desnecessários e nos planejar bem para evitar ficar no vermelho. Já somos lobos velhos de estrada e somos extremamente organizados, mas ainda há riscos. É nessas horas que o apoio dos fãs, que vão a shows e compram merch, importa ainda mais; especialmente nesse momento, que precede imediatamente a gravação do nosso terceiro disco de estúdio.

Ouça!