Por Christina Gonçalves

O diretor e roteirista Igor Verde se define, antes de tudo, como um bom contador de histórias, habilidade que aprendeu desde criança, no terreiro onde cresceu, no Complexo do Alemão, periferia do Rio de Janeiro.

Como um bom brasileiro, Igor também é apaixonado por televisão. Ele conta que as histórias contadas pela TV o formaram antes mesmo de entrar em uma sala de cinema pela primeira vez. “Eu sou uma criatura da televisão. Fui entrar numa sala de cinema com 17 anos, quando minha mãe conseguiu dinheiro para me levar para assistir ao meu primeiro filme na sala de cinema. Então, eu sou uma criatura formada pela televisão antes do que pelo cinema. E a televisão, pra mim, sempre foi meio encantadora”, relata Igor.

Quando contou à família que iria fazer cinema — ou algo parecido —, Igor lembra que todos acharam aquilo um erro. O cineasta explica que essa não é a melhor forma de contar histórias periféricas, pois, segundo ele, “aquilo está sob o controle do capital, e o controle do capital sempre vai determinar que tipo de história, quem pode contar e como”. É justamente aí que, segundo ele, reside o erro.

Apesar das lutas, Igor Verde afirma que é fascinante poder atingir tanta gente, e que, antes de virar profissão, contar histórias é também um desejo. Um desejo de cumprir uma função social que lhe foi imposta desde muito novo e que, como efeito colateral, se tornou ofício.

Igor entrou na TV Globo em 2012 como assistente de direção, colaborando com produções como Cordel Encantado, Avenida Brasil, Malhação, Subúrbia e O Brado Retumbante. Em 2015, assumiu sua primeira direção no Zorra e, na sequência, comandou a série Filhos da Pátria. Também escreveu para programas como Lazinho com Você e para o documentário Falas Negras, exibido em 2021 pela TV Globo.

Em 2025, dirigiu a novela das 21h, Mania de Você, e estreou mundialmente sua primeira grande criação autoral, a série Reencarne, no Berlinale Series Market, uma das mostras mais prestigiadas do Festival de Cinema de Berlim. A série foi uma das 17 escolhidas em todo o mundo. A história questiona conceitos como identidade, morte e pertencimento.

Questionado sobre as barreiras que enfrentou ao sair do Complexo do Alemão para a Zona Sul do Rio, quando ainda era estudante, Igor afirma que, na verdade, não se trata apenas de superar obstáculos: “Quando as pessoas saem da periferia para a Zona Sul carioca, ou para o centro de São Paulo, elas estão levando consigo também um monte de soluções que essas centralidades não percebem. E acho que o que a gente tem que fazer é reconhecer que essas pessoas, ao fazerem esse caminho agora, não estão apenas transpassando barreiras. Na verdade, estão carregando a única possibilidade de um mundo no futuro. Se a gente continuar agindo da maneira padrão que nos é imposta pela centralidade do mundo, esse mundo vai acabar. Ele não tem mais muito tempo”, diz o cineasta.

Ele afirma que é necessário que pessoas periféricas cheguem aos centros de poder para dizer: “Olha, esse recurso precisa sair daqui, tem que ser distribuído.” Reconhece que, obviamente, existe uma barreira que não quer ouvir essas vozes, mas destaca que, se elas não forem ouvidas, talvez aí resida uma das grandes idiossincrasias do mundo e, nesse caso, segundo ele, “esse mundo vai pro buraco”.

Igor afirma que conta histórias apenas para criar espaços possíveis de luta, espaços em que vozes periféricas tragam soluções para a centralidade do mundo: “O espaço não vai vir. E é por isso que eu conto história. Eu conto história só pra criar espaços possíveis para que vozes periféricas tragam soluções para a centralidade do mundo. Soluções que consigam superar esse ponto terrível que o capitalismo ocidental nos trouxe e nos leva daqui para além”, conta.

“Contadores de histórias têm que se engajar profundamente com esses anseios da nossa sociedade. Somos uma sociedade periférica, feita de trabalhadores que são explorados dia após dia, e a gente tem que contar a história dessas pessoas, convocando-as para a construção de um futuro em que elas sejam o centro das soluções”, continua.

Ele propõe uma reflexão: o que é o futuro? Para ele, o futuro é um convite à construção e, como qualquer convite, exige o trabalho de realização. A primeira pergunta, segundo ele, deve ser: qual é o futuro que queremos? E, ao buscar essa resposta, percebe-se que esse futuro não é o mesmo para todos. Por isso, ele defende a importância da organização coletiva e de um discurso minimamente comum sobre que futuro desejamos.

Na visão dele, esse futuro passa, em primeiro lugar, por nos reconhecermos novamente como trabalhadores, e não apenas como consumidores. “Somos trabalhadores”, afirma. Inclusive, ele destaca que pessoas pretas devem ter orgulho do trabalho que construiu a nação como ela é hoje. Compreender-se como trabalhador é essencial, pois somente quem trabalha constrói o mundo. E aqui, ele ressalta, não está falando do trabalho apenas no sentido capitalista, mas sim daquele que aceita o convite do futuro e escolhe como aplicar sua ação no mundo.

“Eu sei exatamente o futuro que eu quero. O futuro que eu quero, com certeza, é pós-revolucionário. Ele passa por uma revolução. Uma revolução libertadora de pessoas pretas, uma revolução libertadora de trabalhadores.”

Para finalizar, o contador de histórias deixa uma mensagem para aqueles que ainda estão começando: “Eu sigo em frente porque eu amo esse país. Eu amo esse lugar. Eu amo as pessoas pretas que construíram esse lugar. (…) Não siga em frente por causa de você, nem siga em frente porque você quer construir alguma coisa. Siga em frente porque você quer contar uma história para aqueles que te amam. Siga em frente porque você é uma construção complexa dos seus antepassados e, através de você, os seus antepassados constroem o mundo do futuro possível para aqueles que virão depois. Siga em frente para ser maior do que você mesmo.”