O Futuro do Trabalho na Era da IA: desafios e possibilidades para o Design
Estamos diante de paradoxos alarmantes que colocam em xeque a ideia de que tecnologia “sempre” vem acompanhada de progresso e bem-estar. Será?
Por Isabel Elia
Vivemos um momento de transição no mundo do trabalho. A ascensão da inteligência artificial (IA) está transformando a economia de forma irreversível e afetando diretamente como pensamos e atuamos no mercado de Design.
Recentemente, a ONU alertou, em abril de 2025, que até 40% dos empregos podem ser impactados pela IA até 2033, intensificando os riscos de desigualdade.
Em paralelo, a crise de saúde mental no Brasil atingiu um ponto crítico em 2024, com 472 mil afastamentos por transtornos mentais, o maior número desde 2014.
Para entender o impacto destas transformações no nosso comportamento, basta lembrar que até 2016 não havia Stories, até 2020 não havia Reels e não era possível acelerar áudios. Hoje, ouvir mídia em velocidade humana de 1x já soa lento e improdutivo.
Curiosamente, esta sensação confirma um padrão: as últimas revoluções prometeram abundância, mas entregaram excessos. A Revolução Industrial massificou o consumo, e, na sequência, a Revolução Digital massificou a informação. A exposição diária a múltiplas abas e telas levou à fragmentação da comunicação e à saturação da nossa atenção.
Estamos diante de paradoxos alarmantes que colocam em xeque a ideia de que tecnologia “sempre” vem acompanhada de progresso e bem-estar. Será? Estamos há mais de duas décadas imersos na digitalização e o que conquistamos foi a chamada Sociedade do Cansaço: muitas horas não remuneradas de trabalho, perda de sentido nas relações profissionais e pessoais, corrosão da credibilidade institucional, pouca qualidade de vida e muitas incertezas sobre o futuro.
Nesse contexto, o Design tem papel central — para o bem e para o mal. Quando orientado fundamentalmente para o lucro, ele pode levar a um uso nocivo de redes sociais e aplicativos (como visto no caso recente das Bets). Mas, quando voltado às demandas reais da sociedade, transforma para melhor nossos modos de pensar, liderar e comunicar.
Para sobreviver à redundância humana, preservar a saúde mental e atrair oportunidades, precisamos restaurar o potencial de habilidades esquecidas — e o Design pode nos guiar nesta jornada com seu excelente repertório de métodos e ferramentas para os desafios cotidianos.
Historicamente, a profissão se desenvolveu a partir da Revolução Industrial e se consolidou no século 20 como ferramenta funcional e estética para diferenciação de produtos. Mas, diante da crise atual, precisamos refletir criticamente como profissionais e resgatar as abordagens mais estratégicas, emocionais e relacionais do Design.
Dominar softwares já não é mais suficiente – os diferenciais do Designer do século 21 serão sua inteligência emocional, senso crítico, capacidade de criar relações e interpretar contextos.
Outro desafio é a formação: muitas instituições ainda continuam presas a uma lógica racionalista e linear, pouco conectada às transformações sociais e demandas reais em curso.
A IA automatiza tarefas, mas não substitui as conexões que dão sentido ao trabalho. Ainda assim, essas competências seguem sub-valorizadas no mercado, por estarem erroneamente associadas ao feminino e à ideia equivocada de que “emoção” é fraqueza.
A era da IA não acaba com o Design — apenas exige seu reposicionamento. Precisamos integrar humano e IA de forma estratégica, para podermos focar em decisões mais sensíveis.
E o que isso significa na prática? Num mundo onde imagens realistas são geradas em segundos, vão se destacar os Designers que desenvolverem um olhar curatorial e intuitivo para separar informação de ruído e qualidade de quantidade. Este é um aprendizado que exige de nós tempo e presença e não pode ser acelerado em 2x.
Em breve, não será a execução ágil que nos distinguirá, mas a capacidade de dar sentido, criar vínculos e relações entre pessoas e o meio-ambiente.
Os chamados “Soft skills” — que de “soft” não têm nada — são habilidades críticas para navegarmos com confiança por essa revolução e sermos capazes de transformar estruturalmente a sociedade.
A boa notícia: estas poderosas tecnologias são 100% humanas e ancestrais, e podem ser aprendidas por todos. Logo, investir em Inteligência Natural, como nas habilidades sociais, criativas e estratégicas, não é um luxo: são as ferramentas centrais de inovação na era da inteligência artificial em massa.
Adiciono, contudo, uma ressalva: a promessa de poder focar em decisões mais sensíveis e menos operacionais é bastante tentadora, mas também conduz àquela intrigante pergunta – se podemos produzir mais em menos tempo, por que estamos trabalhando de duas a três vezes mais que as gerações anteriores?
Romper com antigos modelos mentais — especialmente a crença de que tecnologia equivale a progresso (para quem?), ou que presença pode ser substituída por velocidade e algoritmo – é o primeiro passo para a transformar as estruturas que nos conduziram à sociedade do cansaço.
Além disso, verdade seja dita, queremos a ajuda dos robôs, mas não queremos ser tratados como um. Ainda que usemos a IA para redigir mensagens, desejamos que este conteúdo seja lido e sentido por um humano.
Portanto, para que esta conta feche, somente nós (e não as IAs), lembraremos que na outra ponta da tela há sempre um outro, como você, com sentimentos, dúvidas, fome ou cansaço.É hora de repensar essa equação e usar a inteligência natural a nosso favor. Afinal, abraço também é tecnologia — e, nesse mundo de afetos artificiais, pode ser justamente o que nos torna indispensáveis.
Sobre a autora

Isabel Elia é designer, fotógrafa e carioca. Atua há 20 anos na interseção entre o desenvolvimento humano e tecnologia, capacitando equipes para os desafios da nova economia. Sua jornada profissional é marcada por um longo período em Berlim, onde se tornou Mestre em Design e liderou projetos para grandes organizações ligadas à economia criativa. De volta ao Rio de Janeiro, Isabel atua como consultora e palestrante, facilitando processos de inovação com foco em inteligência emocional e tecnologia, além de desenvolver o projeto de fotografia Portais, de valorização da arquitetura urbana.
Isabel acredita no Design como ferramenta de transformação social e atua como consultora, palestrante e mentora para construir uma visão de futuro possível — econômica, humana e ambientalmente viável — por meio de processos criativos que ampliem o acesso, o diálogo e a empatia.