É mais fácil ser negra e gorda no Brasil porque Preta Gil existiu
Muitos tinham o pai. Eu tinha a filha. Obrigada Preta.
Ontem à noite, em meio à notícia da passagem de Preta Gil, eu me vi pensando uma coisa muito egoísta. Para além do tiro no peito pela lembrança da perda recente da nossa Marielle Ramires pela mesma doença avassaladora, me veio à cabeça:
“Menos uma mulher parecida comigo lá.” Na mídia, na música, no pop, nos memes, no Carnaval.
É que eu acho que nem todo mundo entendeu ainda o impacto que a Preta teve nesses lugares.Desde seu álbum de estreia “Prêt-à-Porter” onde aparece nua no encarte e por isso recebe duras críticas, simplesmente por ter um corpo que ia contra os estereótipos de beleza. ‘Gente, qual o problema de eu fazer uma capa nua?’, foi a pergunta dela – e era neste mundo que eu queria viver.
Ontem revi uma entrevista onde ela falava sobre esse episódio e ela perguntava “Qual é a surpresa, vocês estão indignados por quê? É pela nudez? É pela pele negra? Ou é pelo meu peso? É pela minha gordura?” e isso – colocar o constrangimento na sala numa cena artística que acha muito inclusiva e transgressora nos fins de semana, mas onde todas as mulheres não ousam passar do mesmo peso, isso é ser Preta Gil.
Foto: Disco, Prêt-à Porter (2003)
E então 2007: Preta foi rainha de bateria! RAINHA DE BATERIA! Vocês não tem ideia da quantidade de mulheres negras e gordas que almejam esse posto, mas sabem que esse é um lugar proibido pra gente no samba. Ela disse o tempo todo que estava realizando um sonho, atravessando as críticas com um sorriso no rosto, de quem de fato tava tirando um fardo das costas. Se vestiu de verde e rosa e atravessou a avenida.
Preta Gil, em 2007 como Rainha da Bateria da Mangueira
Ela ainda fundou o Bloco da Preta, que se tornou um dos maiores do Carnaval de Rua do Rio, comprovando seu lugar na cultura popular. Tudo isso com purpurina, mas sem filtro na foto. “A gente vive no mundo da edição de imagens, e eu não edito as minhas fotos há anos, porque se fico com a barriga lisa e sem ruga na cara, na internet vai estar lindo, mas e eu com meu espelho, como vai ser? Como vai ser eu me encarando, se na vida não vai ter filtro ou Photoshop? É frustrante, mas não tem outro jeito“. É. Nossa diva
Diego Padgurschi/UOL
Entre as centenas de fotos de biquíni, dos relacionamentos e declarações públicas, também tivemos que assistir momentos onde o velho e novo se encontravam.
Em 2018, quando participava do programa de Silvio Santos, o apresentador fez piadas sobre o corpo dela, que foi de “Você está mais gorda do que da última vez que esteve aqui, mas seu rosto continua bonito” até “Como você arrumou um marido?”. Quando ela saiu aos prantos do programa, os produtores ficaram chateados, alegando que ela não tinha humor para lidar com a situação.
Mas Preta seguiu. Negra. Gorda. Bissexual. Esteve presente no Congresso, em campanhas midiáticas, nos palcos, falando contra o racismo, a homofobia, o machismo, a gordofobia, o etarismo… Usou sua voz e corpo como instrumento.
E de 2023 pra cá, como seu grande ato de resistência e, da mesma forma que fez tudo, compartilhou conosco mais essa luta, onde todas nós sussurramos orações, bendições e desejos de melhoras a cada novo relato.
E até nesse último ato, ela resolveu lutar com o corpo livre. Demonstrar como era o corpo de uma pessoa que estava atravessando esse tratamento, com uma bolsa de colostomia, e se permitir estar de volta ao sol, como ela mesmo disse, dos banhos de mar aos palcos divididos com o pai. E de novo ela sofreu ataques sobre o seu corpo – sobre o quanto ela pesava e os “efeitos” que essa doença terrível tem.
Mas, uns passarão, ela passarinho. Preta foi um marco para todas as mulheres deste país. Que a Preta tenha existido de forma terrena é mais um grande presente da família Gil para esta nação. E nessa roda de dádivas dos Gils, muitos têm o pai. Eu tinha a filha.
Daqui pra frente as coisas são mais fáceis, porque ela existiu. E mais difíceis porque a gente a perdeu.
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