Por Ruan Nascimento

No último domingo (13), o Chelsea, da Inglaterra, venceu o Paris Saint-Germain, da França, por 3 a 0, na final da Copa do Mundo de Clubes, competição em formato inédito promovida pela FIFA, que reuniu 32 equipes de todos os continentes. Durante um mês, alguns dos principais estádios dos Estados Unidos foram palco de grandes jogos, e de surpresas, como a participação das equipes brasileiras. Ao fim da decisão, coube ao capitão do clube inglês, Reece James, erguer a taça de campeão do mundo. Pelo menos, uma réplica dela.

Isso porque a taça original da Copa do Mundo de Clubes não ficou na sede da FIFA, em Zurique, na Suíça, e nem foi levada para o estádio de Stamford Bridge, em Londres, casa do Chelsea. O troféu repousa na Casa Branca, em Washington, dentro do Salão Oval, onde o presidente Donald Trump realiza algumas das suas principais reuniões. O próprio Trump confirmou que recebeu de presente o troféu.

Donald Trump aparece ao lado do capitão Reece James durante a festa do título do Chelsea (foto: Selcuk Acar/Anadolu)

“Eles (FIFA) disseram ‘vocês poderiam segurar este troféu por um tempinho?’. Nós o colocamos no Salão Oval, e então eu disse: ‘quando vocês vão pegar o troféu?”. E Gianni Infantino (presidente da FIFA) disse ‘nós nunca vamos pegá-lo, vocês podem ficar com ele para sempre no Salão Oval. Estamos fazendo um novo’. E eles realmente fizeram outro”, disse o presidente, em entrevista ao DAZN.

O caso envolvendo a taça da Copa do Mundo de Clubes é mais um exemplo da intensa aproximação entre o presidente dos Estados Unidos com a entidade máxima do futebol mundial. E é um caso de “sportswashing”, quando governos se utilizam do esporte como meio para gerar uma imagem mais simpática da população e da comunidade internacional, ignorando violações de direitos humanos, censura, guerras, entre outros problemas de quem faz esta prática.

Sportswashing pelo mundo

A realização da Copa do Mundo de Clubes de 2025 nos Estados Unidos, assim como a da Copa do Mundo de seleções de 2026 – em conjunto com o México e o Canadá –, são exemplos recentes de como o sportswashing está presente no dia a dia da FIFA. E não são casos únicos praticados pela entidade em seus mais de 100 anos.

Um dos exemplos foi com a realização da Copa do Mundo de 1978, na Argentina. O torneio foi utilizado pela ditadura militar como forma de mascarar crimes como torturas, desaparecimentos e mortes de opositores do regime. A competição ocorreu dois anos após o golpe de estado de 1976, e foi um sucesso, para a FIFA e para os militares que comandavam o país, já que a Argentina conquistou sua primeira Copa ao bater a Holanda na decisão.

Outras edições da Copa do Mundo de seleções também envolveram o sportswashing, até mesmo na Copa mais recente, em 2022, no Catar. Foram inúmeras denúncias de violações de direitos humanos feitas pela comunidade internacional, como o tratamento do país com as mulheres, criminalização de quem é LGBTQIA+, além de censura à imprensa. Durante as obras para aquele mundial, o jornal The Guardian denunciou que mais de 6.500 trabalhadores morreram na construção dos estádios, sendo pessoas vindas de países do sul da Ásia.

Ditador Emílio Médici (ao centro), com a taça Jules Rimet, ao lado do técnico Zagallo e do jogador Carlos Alberto Torres, após o título do Brasil em 1970 (foto: reprodução)

O Brasil também tem um sportswashing para chamar de seu. Na ditadura militar (1964-1985), o regime usou da popularidade do futebol para melhorar a sua imagem. Quando a Seleção Brasileira venceu a Copa do Mundo de 1970, os jogadores foram recebidos no Palácio do Planalto pelo ditador Emílio Médici, que posou orgulhoso com a taça ao lado de nomes como Carlos Alberto Torres, Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivellino, além do técnico Zagallo, ao mesmo tempo em que o país vivia sob o regime do AI-5, de maior repressão naquele período. Além disso, o Campeonato Brasileiro de clubes passou a contar com um número cada vez maior de clubes, chegando a 94 equipes na edição de 1979.

Donald Trump e Gianni Infantino, um namoro de longa data

Para entender a aproximação entre Trump e Infantino, é necessário voltar 10 anos atrás. Em 2015, o FBI norte-americano realizou uma megaoperação na sede da FIFA, na Suíça, prendendo sete dirigentes, e os extraditando para os Estados Unidos. O motivo foi a investigação de casos de corrupção dentro da entidade, com direito a compra de votos para a escolha das sedes das Copas do Mundo de 2018 (na Rússia) e 2022 (no Catar). Há um detalhe, os Estados Unidos concorreram ao direito de sediar a Copa de três anos atrás.

Presidente da FIFA durante o escândalo de corrupção, Joseph Blatter renunciou ao cargo (foto: A. Wiegmann/Reuters)

Por conta do escândalo de corrupção, até mesmo o presidente da FIFA na época, Joseph Blatter, caiu, renunciando ao cargo. Em 2016, Gianni Infantino foi eleito presidente da entidade, prometendo uma revolução no esporte, como o aumento de seleções na Copa do Mundo masculina, e a criação da Copa do Mundo de Clubes a cada quatro anos. Foi em 2016 também que Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, abrindo caminho para o fortalecimento da extrema-direita a nível global.

Dois anos depois, em 2018, Donald Trump e Gianni Infantino se aproximaram de vez, no processo eleitoral que definiu a escolha da sede da Copa de 2026. A candidatura de Estados Unidos, México e Canadá venceu a candidatura de Marrocos, por ampla maioria de votos. No pleito, já foi definido que seria a primeira Copa com 48 seleções, com a grande maioria dos jogos se concentrando nos Estados Unidos.

Gianni Infantino e Donald Trump celebrando a escolha dos Estados Unidos como sede da Copa de 2026 (foto: FIFA)

O relacionamento entre o chefe de estado e o presidente da entidade máxima do futebol não esfriou nem mesmo com a derrota de Trump nas eleições presidenciais de 2020. Infantino visitou o então ex-presidente diversas vezes em sua residência, na Flórida, de acordo com diversos registros nas redes sociais. Em 2023, com a possibilidade de Trump voltar a ser eleito presidente estadunidense, a FIFA anunciou que os Estados Unidos sediariam a Copa do Mundo de Clubes.

Além disso, no ano passado, o presidente da FIFA parabenizou Trump por ter sido eleito novamente ao cargo. “Parabéns, senhor presidente! Teremos uma grande Copa do Mundo FIFA e uma grande Copa do Mundo de Clubes da FIFA nos Estados Unidos da América! O futebol une o mundo”, postou, em uma rede social.

Dez anos depois daquele escândalo de corrupção, a FIFA acaba de realizar a sua primeira Copa do Mundo de Clubes, em um formato que ganhou o público, e falta menos de um ano para a Copa do Mundo de Seleções, aquela com 48 equipes, prometida por Infantino quando foi eleito. Como mais um passo da aproximação entre Donald Trump e Gianni Infantino, agora a FIFA terá um escritório na Trump Tower, em Nova York, um dos inúmeros prédios construídos pelo bilionário.

Ligação com a Arábia Saudita

Outro país que se torna ponto chave para o momento atual da FIFA, e as ligações com os Estados Unidos, é a Arábia Saudita. Nos últimos anos, o país do Golfo Pérsico se abriu para o mercado esportivo e utiliza do sportswashing para maquiar inúmeros casos de violações de direitos humanos em seu território, como violência contra a mulher, criminalização da comunidade LGBTQIA+, censura à imprensa, e ataques militares contra o Iêmen, país vizinho.

Nos últimos anos, o Fundo de Investimento Público (PIF, sigla em inglês), realizou diversos investimentos esportivos. No futebol, o PIF injetou bilhões de dólares nas quatro principais equipes do país: Al Nassr, Al Hilal, Al Ittihad e Al Ahli, que, juntas, contrataram atletas de renome global, como Cristiano Ronaldo, Sadio Mané, Karim Benzema, Roberto Firmino, Rúben Neves, Neymar, entre outros. Além disso, o país também conta com etapas da Fórmula 1 e Fórmula E, no automobilismo, entre outros eventos esportivos. Fora da Arábia Saudita, o PIF adquiriu o Newcastle, da Inglaterra, ampliando a imagem do país no esporte.

Gianni Infantino também se tornou próximo de Mohammed Bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita (foto: Turki Al-Sheikh/SPA)

No papel, o PIF pertence ao estado da Arábia Saudita. Mas, na prática, é comandado por Mohammed Bin Salman, príncipe herdeiro do reino, e que comanda o país em regime ditatorial. Voltando à Copa do Mundo de Clubes deste ano, o PIF entrou na competição como um importante investidor para a FIFA. O fundo desembolsou US$ 1 bilhão para a compra de parte das ações da DAZN, serviço de streaming de esportes com presença mundial. Após esta transação, a DAZN pagou exatamente US$ 1 bilhão pelos direitos de geração de imagens exclusivos da Copa do Mundo de Clubes da FIFA.

Como detentora das imagens da Copa, e com a presença saudita no financiamento da competição, foi implementada, de forma inédita, censura aos veículos de comunicação que transmitiram o evento esportivo – no Brasil, as partidas foram vistas pela Globo, Sportv, Globoplay e CazéTV –, sendo um ataque direto à liberdade editorial. O repórter Lúcio de Castro, do ICL Notícias, denunciou que, no contrato assinado pelos canais brasileiros com a DAZN, haviam proibições explícitas, como falar mal da organização do Mundial e criticar os estádios das partidas, além de tornar obrigatórias inserções comerciais de patrocinadores da competição, mesmo que estes não tenham investido nos canais brasileiros.

“A compra de eventos esportivos é parte central da “Visão 2030”, estratégia desenhada para estabelecer a vinculação do nome da Arábia Saudita para melhoria da imagem do país no exterior. Um caso típico de “sportswashing”, a lavagem de imagem pelo esporte. E o PIF é o grande agente desse planejamento,” cita o repórter em seu texto.

2034, o futuro já começou

Enquanto a taça da Copa do Mundo de Clubes descansa no Salão Oval da Casa Branca, o futebol global continua sendo parte de disputas que valem mais que títulos. A Arábia Saudita, responsável por financiar a transmissão bilionária da competição, já garantiu o seu maior objetivo esportivo. O país será sede da Copa do Mundo de 2034.

Cidade de Neom – que está sendo construída pelo governo saudita –, será uma das sedes da Copa de 2034 (foto: divulgação)

Para a competição, o governo saudita promete realizar jogos em 15 estádios, sendo 11 deles totalmente novos. Uma das sedes será Neom, uma cidade futurística ainda em construção.

Com denúncias de violações de direitos humanos, censura, perseguição a minorias e repressão de vozes críticas, o país avança — a passos largos — na consolidação de uma imagem internacional higienizada, com a ajuda da FIFA. Se 2025 escancarou o uso político do futebol como espetáculo, 2034 pode ser a consagração definitiva do sportswashing como regra e não exceção. A pergunta que fica é: até onde vai o silêncio do futebol?